Edição 91
Os planos de benefício definido podem estar com os dias contados. Se o governo sustentar a validade do Decreto n o 3721, que institui a idade mínima para a aposentadoria complementar, os planos BD podem desaparecer rapidamente. Mas antes de desaparecerem, estes planos ainda sofrerão impacto positivo em relação às reservas. Ou seja, os eventuais desequilíbrios serão amenizados pois a idade mínima para a aposentadoria sobe de 55 anos para 65 anos. Como a maioria dos planos de BD ainda pertencem a fundos de pensão de estatais, o governo sai ganhando duplamente: reduz os déficits e incentiva a migração para planos de contribuição definida.
Visto sob esta perspectiva, o decreto aplica um remédio certeiro para atacar os desequilíbrios das fundações de estatais. Porém, a dose pode ter sido muito alta para o sistema porque a medida atinge a todos os fundos de pensão, inclusive aqueles patrocinados por empresas privadas. E atinge não apenas os planos BD como também os CD, que tiveram a idade mínima elevada para 60 anos. Protestos de todos os lados surgiram provenientes de participantes, dirigentes de fundos, profissionais do mercado e empresas patrocinadoras. “O governo comete um erro brutal ao uniformizar um tratamento para todo o setor quando na verdade quer atacar um problema localizado”, afirma Carlos Duarte Caldas, presidente da Abrapp.
O principal problema apontado pelos críticos da nova regra diz respeito à ingerência do governo sobre contratos de natureza privada, que são os regulamentos dos planos, firmados entre as empresas e seus funcionários. “A norma produz o descontentamento das empresas com a ingerência do governo em suas políticas de recursos humanos”, critica Luiz Alberto Alvernaz, gerente geral de previdência da William M. Mercer.
As consequências mais drásticas ocorrem sobre os planos BD, que vinham se tornando cada vez mais raros nos últimos anos. Mesmo assim, algumas patrocinadoras privadas tinham feito a opção de manter um plano BD com base em sua política de recursos humanos.
Funcionários – A Sadia é um bom exemplo. Com 23 anos de existência, o plano BD gerido pela sua fundação, Attílio Fontana, ia muito bem. De acordo com o diretor de benefícios da entidade, José Fernando Monteiro Alves, a Sadia é uma empresa que valoriza os funcionários de carreira, daí o fato de não ter mudado para o plano CD como fizeram outras empresas. “A companhia é daquelas que faz festas para homenagear os funcionários antigos, e o plano BD agrega valor à política de recursos humanos da empresa. O assunto previdência está sempre em estudo, chegamos até a pensar em implantar o CD para os novos funcionários, mas isso poderia levar inconvenientes com as comparações, desmotivando funcionários”, explica.
Além dos motivos humanos, a Sadia tem ainda razões financeiras para manter o seu BD. Superavitário durante os últimos anos, as sobras vinham sendo utilizadas para reduzir as alíquotas de contribuição, sobretudo as da empresa, que aporta com três quartos do custo do plano. Para se ter uma idéia, o custo do plano é de 6%, sendo que 4,5% caberiam à Sadia e o 1,5% restante aos funcionários. Porém as alíquotas desembolsadas por eles são de 1% e 0,75%, graças aos superávits. A idade mínima para aposentadoria é de 55 anos. “Nosso plano atende às nossas necessidades. É um absurdo ter que dizer a todos os nossos participantes que as regras do jogo mudaram no meio do caminho. Somos uma empresa privada e por isso vemos com perplexidade essa ingerência do governo em relações privadas”, critica Alves.
Para os planos BD das fundações de estatais, o governo parece ter agido mais como patrocinador do que como legislador ao instituir o Decreto n o 3721. O impacto atuarial para os planos de estatais que ainda mantêm o benefício definido é positivo em todos os casos, porém pode variar em intensidade. “Quanto maior a idade média dos participantes do plano, maior é o impacto positivo sobre as reservas”, explica Newton Cézar Conde, sócio-consultor da Atual, consultoria especializada em previdência privada. Ou seja, se um fundo de pensão tem a maior parte dos participantes próximos da aposentadoria, as necessidades de reservas sofrem forte redução.
Outro fator diz respeito à idade em que os participantes começaram a contribuir para o plano. Quanto maior a idade média de entrada no plano, maior o reflexo positivo para as reservas do plano em virtude da nova regra. Outras variáveis atuariais também entram no recálculo das reservas de cada plano. Mesmo com o forte impacto que devem sofrer os planos BD, ainda assim não serão solucionados todos os déficits. “Ainda com o aumento da idade mínima devem sobrar déficits nas fundações de estatais”, prevê Newton Conde.
O consultor explica que há fundos de pensão em que a situação de desequilíbrio é extrema e que não adianta mexer apenas no fator idade. Para estes planos, a saída passaria necessariamente pelo aumento das contribuições ou pela redução do benefício. Newton Conde acredita que a atitude do governo de criar uma regra geral para todos os fundos de pensão não foi a alternativa mais eficaz e benéfica para o sistema.
Planos CD – Para os planos de contribuição definida, não há motivos técnicos para justificar o aumento da idade mínima. “Tecnicamente, o aumento da idade para os planos CD não traz nenhum impacto financeiro imediato para o fundo de pensão”, explica Newton Conde.
A SPC alega que a mudança não trará fortes impactos ao sistema, porque a maioria dos fundos de pensão de empresas privadas já apresenta idade mínima de 60 anos. Segundo pesquisa feita pelo órgão, apenas 30% dos planos CD têm idade mínima inferior a 60 anos. “Temos conversado com as fundações e ninguém ainda nos apresentou problemas decorrentes da idade mínima”, diz o secretário-adjunto da SPC, José Roberto Savóia.
Os especialistas rebatem. “O problema é que o aumento da idade mínima restringe a possibilidade do participante pedir a aposentadoria antecipada antes dos 60 anos”, explica Felinto Sernache, consultor e coordenador da área de previdência da Towers Perrin. De fato, a maioria dos planos atuais de empresas privadas fixam a idade mínima em 60 anos, mas os participantes podem antecipar a aposentadoria a partir dos 55 anos, o que está proibido de acordo com a nova regra.
A constitucionalidade da norma está sendo contestadas em várias frentes. A Abrapp ainda não definiu a melhor forma de contestação judicial da medida. “Estamos consultando nossas associadas para escolher o melhor instrumento para isso. Mas ainda acreditamos que o governo pode voltar atrás”, conta Carlos Caldas. Enquanto isso, algumas iniciativas já estão sendo tomadas para derrubar o decreto da idade mínima. O Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Há também três Projetos de Decreto Legislativo (PDL) na Câmara dos Deputados que visam anular o decreto presidencial.
Protesto contra o governo
A comissão pró-Anapar (Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão) pretende abrir guerra contra o governo. A associação está convocando representantes de associações e entidades de participantes de fundações para um encontro nacional para o dia 13 de fevereiro, com o objetivo de elaborar uma estratégia unificada para contestar o decreto da idade mínima, além de outras decisões recentes do executivo no que tange à paridade das contribuições e ajuste atuarial dos fundos de pensão.
De acordo com um dos integrantes da comissão, Henrique Pizzolato, que também é diretor de benefícios da Previ do Banco do Brasil, foram constituídos grupos de trabalho com advogados de federações, sindicatos e associações de participantes para pesquisar as “inconsistências técnicas” das decisões do Ministro da Previdência, Waldéck Ornellas, e do voto do Conselho de Gestão de Previdência Complementar. Além disso, o grupo está pesquisando a jurisprudência sobre direitos adquiridos. “Existem mais de mil entidades em todo o país, diretamente afetadas por todas essas decisões, que estão dispostas a unir forças”, diz.
Segundo ele, só na Previ o número de participantes que serão prejudicados pelo decreto da idade mínima é, inicialmente, de 6 mil. No total, 90% dos participantes terão de se aposentar bem mais tarde do que imaginavam, uma vez que ingressaram na Previ antes de 1978 e, portanto, não estavam submetidos a qualquer limite de idade.
Outra iniciativa da comissão pró-Anapar, segundo eles, foi enviar cartas às entidades representativas de participantes orientando-as a mover ações para impedir seus fundos de promover qualquer alteração em seus estatutos.