Edição 154
O chamado sistema de previdência privada complementar aberta tem apresentado, nos últimos anos, um espetacular processo de crescimento, o qual vem acontecendo a despeito de uma economia que, durante esse período, não exibiu o mesmo desempenho.
Nesse contexto, algumas questões merecem análise, entre elas (i) as razões para esse excelente desempenho, (ii) o quanto perdurarão essas razões e (iii) o que fazer para garantir a manutenção desse cenário.
O intenso debate relativo à necessidade de promover a reforma da previdência, dada a inviabilidade de atendimento, pelo Estado, de todas as pretensões da população relativamente à aposentadoria, transformou em percepção geral o que já era fato. Ou seja, veio para a ordem do dia a certeza de que o Estado não terá condições de promover a manutenção do padrão de vida de cada cidadão, bem como a necessidade de que cada um prepare a sua aposentadoria com a maior antecedência possível.
Simultaneamente, conquistamos a estabilidade econômica, permitindo-se aos brasileiros planejar financeiramente, pré-requisito para a transformação da preocupação com a poupança previdenciária em efetiva acumulação. Essas condições, entretanto, não bastariam para gerar o crescimento experimentado pela previdência complementar aberta.
Nesse contexto, o primeiro elemento a ser avaliado é a qualidade dos produtos oferecidos no mercado brasileiro.
O PGBL e o VGBL (e seus respectivos congêneres) são planos cuja transparência para o consumidor encontra similares em poucos mercados. A garantia de quantidade e qualidade de informações, bem como a possibilidade da portabilidade e do resgate, tornam esses planos efetivamente atrativos para o segurado ou participante.
Tudo isso, ressalte-se, deve-se às regras editadas pela Superintendência de Seguros Privados e pelo Conselho Nacional de Seguros Privados e aos agentes do mercado que visualizaram a oportunidade para a construção de uma nova realidade para a poupança de longo prazo no Brasil.
E ainda existem novas perspectivas de atração de mais consumidores para os produtos de acumulação previdenciária, tendo em vista a recente edição de novas regras tributárias (Medida Provisória nº 209, de 2004), as quais tornam essa espécie de produto ainda mais atrativa para aqueles que pretendem poupar seus recursos no longo prazo com vistas à aposentadoria.
Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que a parcela da população brasileira com efetiva capacidade de poupar não é tão grande, e a esse respeito existem estudos relativos a quanto se pode esperar do crescimento da previdência complementar aberta. Isso considerando-se tanto a capacidade de poupança cuja alocação mais eficiente pode ser realizada por meio da previdência complementar1 como os recursos alocados a outras formas de investimento e que ainda podem vir a ser transferidos para planos previdenciários.
Nesse contexto, é razoável imaginar-se que, em algum momento, os planos abertos de previdência complementar terão o ritmo de evolução de suas reservas reduzido para um padrão de maior normalidade em relação ao desempenho da economia brasileira como um todo. Isso muito embora, por exemplo, o sucesso de produtos como o VGBL tenha ido muito além das expectativas iniciais, tanto no tocante ao público alcançado como em relação ao valor dos prêmios.
Entretanto, mesmo no tocante à regulação e mesmo às praticas correntes no mercado, ainda temos muito a melhorar.
Em primeiro lugar, existe a necessidade de que os contratos possam prever limites de valores para contribuições e prêmios, inclusive no caso de portabilidade, problema relevante em se tratando de planos com bases técnicas que ao longo do tempo podem demonstrar-se inadequadas.
Isso será resolvido pelas próximas circulares da SUSEP que tratarão das coberturas por sobrevivência. Isso porque estará expressamente prevista na norma a possibilidade de estabelecimento, no contrato, de limites objetivos para contribuições e prêmios, inclusive portabilidade, estando os agentes do mercado livres para a definição desses limites.
Não é demais notar que, a rigor, o estabelecimento dos referidos limites já estaria no âmbito da liberdade contratual, não sendo exatamente contrário às regras em vigor. Mas, sendo o mercado estritamente regulado, é justa a demanda de manifestação do órgão fiscalizador nesse particular.
Por outro lado, são recorrentes as reclamações quanto a dificuldades para realização da portabilidade.
Também nesse ponto acreditamos que as novas regras a serem publicadas, juntamente com a atuação fiscalizadora da SUSEP e o compromisso dos agentes do mercado em eliminar essas reclamações, solucionarão o problema.
Segundo as referidas regras, o requerimento de portabilidade será precedido (i) da contratação do plano cessionário (eliminando-se o problema de iniciar a contratação após o pedido e o risco de o consumidor não estar informado das novas condições contratuais) e (ii) de expressa manifestação da cessionária aceitando a portabilidade, inclusive no tocante aos valores (o que se conjuga com a possibilidade acima mencionada de limites para os mesmos). Dessa forma, garante-se ainda mais a viabilidade dos prazos exigidos pela regulamentação já em vigor, estando expressamente prevista a responsabilidade do diretor de controles internos da entidade de previdência ou seguradora pelo cumprimento dessas regras.
Em se tratando de problemas cuja solução ainda está na fase de estudos, existe também a necessidade de que as tábuas de mortalidade não sejam definidas já na contratação dos planos, com excessiva antecedência em relação ao pagamento dos benefícios.
A princípio, uma solução razoável seria a definição de um regime de taxas pactuadas por períodos de tempo definidos previamente, que poderiam ser de dois anos, com dois anos de antecedência, durante os quais os consumidores estariam aptos a requerer a portabilidade, na hipótese de insatisfação com o benefício oferecido. Assim, as entidades teriam sempre definidas, no mínimo, as taxas a viger, em dois anos, por dois anos (além da que estará vigente), mantida a transparência que hoje caracteriza esses contratos e que tem sido uma das principais razões para o seu sucesso.
Outras alterações estão sendo estudadas, entre elas a eliminação da necessidade da manutenção de diversos planos com políticas de investimento diferentes. Dada a familiaridade do consumidor com os produtos, nada impede que cada produto ofereça todas as opções de investimento disponíveis, estando a cargo dos segurados ou participantes a definição dos percentuais de investimento em cada espécie de fundo. Essa medida simplificaria tanto a transferência de reservas entre fundos de investimento exclusivos, dispensando, no caso, da portabilidade, como a própria aprovação e alteração dos produtos no âmbito da SUSEP.
De qualquer modo, uma questão que nos parece relevante motivo de preocupação no desenvolvimento do mercado é a necessidade de estabelecimento de maiores garantias para os segurados e participantes, inclusive na hipótese de insolvência da seguradora ou entidade aberta de previdência privada.
Com efeito, pesquisas já demonstraram que o primeiro elemento avaliado na aquisição de um produto de acumulação previdenciária é a garantia de solvência da empresa que vende o plano. Esse raciocínio, por sua vez, leva à busca, sempre que possível, de instituições de maior porte, consideradas, ainda que intuitivamente, pelo consumidor, como sendo “to big to fall”, gerando excessiva concentração do mercado.
Nesse contexto, algumas soluções já foram propostas e muitas são debatidas. A chamada “blindagem” é uma delas, sendo razoavelmente simples, ao menos conceitualmente, o estabelecimento de uma preferência para o consumidor na hipótese de insolvência da instituição contratada. Evidentemente essa solução demanda alguns detalhamentos e inovações, como o tratamento a ser dado a reservas de benefícios a conceder, individualizadas, e reservas de benefícios concedidos, nas quais não existe individualização.
Questão menos problemática, mas também relevante, seria o tratamento das demais espécies de consumidores – de seguros de vida sem cobertura por sobrevivência e mesmo ramos elementares e capitalização.
De qualquer modo, outro instrumento amplamente utilizado em países como Estados Unidos, França, Japão e Canadá é o fundo de proteção de segurado.
Essa forma de tratamento do problema teria a vantagem de ser implementada sem afetar interesses dos demais credores de seguradoras ou entidades abertas de previdência em dificuldades, demandando, também, uma série de detalhamentos similares aos acima mencionados.
Enfim, as perspectivas do mercado de previdência brasileiro são de manutenção do crescimento e de realização de diversos ajustes pontuais nos produtos comercializados e nas práticas em vigor, juntamente com algumas alterações estruturais mais importantes. Entre essas alterações estruturais pode ser apontada como a principal o estabelecimento de garantias adicionais aos consumidores na hipótese de insolvência de seguradoras e entidades abertas de previdência complementar, inclusive como elemento de redução da concentração do mercado.
1 Estudos econômicos recentes indicam que a previdência não tem efeitos relevantes na formação de poupança mas tão somente na sua alocação.
João Marcelo Máximo R. dos Santos é diretor da Susep (Superintendência de Seguros Privados)