Período de maturação

Edição 272

Governo aposta na infraestrutura para retomar crescimento do PIB, mas gestores alertam que mercado deve aquecer apenas a partir do final de 2016

A equipe econômica do governo federal tem pressa para reverter a maré negativa que está derrubando a economia em 2015. Uma das apostas do governo para a retomada do crescimento do país se concentra nas concessões de infraestrutura à iniciativa privada, com a segunda rodada do Programa de Investimento em Logística (PIL). Porém, especialistas explicam que o aquecimento deste novo mercado deve ocorrer apenas a partir do segundo semestre do ano que vem.
“A questão é a maturação dos projetos que em geral leva de 15 a 18 meses”, explica Diogo Berger, superintendente da área de project finance do Santander, que envolve a preparação das PMIs (Procedimento de Manifestação de Interesse) por parte das empreiteiras interessadas na concessão, a análise das propostas pelo governo, e a escolha do vencedor. O Santander foi a instituição que liderou o ranking da Anbima de assessoria em project finance em 2014 tanto nas concessões como em financiamento (ver tabelas ao final).
Um outro ponto destacado pelo superintendente do Santander para sustentar sua previsão é que as debêntures de infraestrutura que saíram até o momento foram feitas de forma concomitante ao desembolso do BNDES, ou posteriormente a ele. “O BNDES faz um estudo bastante detalhado, que toma de 12 a 24 meses na análise do projeto após sua publicação”.
No pipeline mais imediato da área de project finance do Santander estão operações do PIL 1, anunciado em 2012, nas áreas de energia eólica, portos e estradas. “Tem uma série de operações desses projetos que virão a mercado nos próximos meses”, conta o superintendente. O Santander tem três operações de energia eólica para levar ao mercado em 2015. “São operações do PIL anterior. Vai ser bastante difícil ter operações da nova fase do programa ainda esse ano”.

Emissões de debêntures – Uma das apostas da equipe econômica do governo comandada por Joaquim Levy é a captação de recursos junto aos investidores privados para o financiamento dos projetos em complementação à participação do BNDES. A ideia básica foi restringir o financiamento dos projetos pelo BNDES ao custo da TJLP, que antes chegava a 100%, e agora vai a apenas 35% no caso de rodovias, aeroportos e portos. O financiamento ao custo da TJLP pode chegar a 45% se houver emissão de debêntures para financiar o projeto.
Com isso, o governo espera que as emissões de debêntures tenham uma expansão em relação do PIL 1. “A ideia é utilizar o crédito estruturado do BNDES para estimular o mercado. É um momento desafiador, mas acreditamos que haverá aumento das emissões pelas empresas”, explica Cleverson Aroeira, chefe da área de transporte e logística do BNDES.
Apesar do discurso do governo, os gestores acreditam que a demanda não deve ser tão alta. “Temos escutado volumes muito altos do que poderiam vir a mercado nos próximos anos. As primeiras estimativas indicam que poderiam chegar a R$ 5 bilhões em debêntures de infraestrutura ano que vem. Achamos que esse é o teto, com boas chances de ser um valor inferior a esse”, afirma Berger, do Santander.
Eduardo Muller Borges, diretor de mercados de crédito do Santander, aposta que a demanda dos investidores deve se concentrar nos clientes pessoa física. “O programa traz um incentivo importante do lado do tomador, que não terá mais acesso a 100% de TJLP pelo BNDES e agora tem que ir ao mercado de capitais”, diz Borges. Ele acredita que os clientes pessoa física, principalmente de alta renda, vão continuar demandando investimentos nos novos ativos de infraestrutura, assim como já vinham se interessando pelas debêntures incentivadas nos últimos dois anos.
Borges lamenta apenas que a demanda por parte dos fundos de pensão domésticos não deve ser acentuada neste momento. “Hoje as NTN-Bs superam as metas atuariais dos fundos de pensão e são ativos que contam também com isenção fiscal para esses investidores”. diz o diretor.

Private equity – Outra fonte de financiamento das empresas que atuam em infraestrutura são os private equity e fundos soberanos. O governo aposta na atração de recursos desse tipo de investidor para alavancar os projetos junto com os incentivos dados pelo PIL 2. “Lógico que a vinda desse investidor não é algo óbvio e trivial, mas temos acompanhado que há vários fundos de private equity e infraestrutura surgindo com o foco de investir no Brasil”, diz Cléverson Aroeira, do BNDES. Ele admite, porém, que a participação maior deste tipo de investidor depende ainda do amadurecimento e do aprimoramento do marco regulatório.
Outro ponto importante é o planejamento. “O planejamento de longo prazo é fundamental. Eles têm que enxergar que há um pipeline de projetos pelos próximos anos”, comenta Aroeira. O executivo do BNDES cita exemplos de alguns gestores que têm captado recursos para investir em infraestrutura como o GP Investimentos, P2 (Pátria), BTG Pactual e Vinci Partners.
Em relação ao P2, o executivo lembra que o gestor foi selecionado pelo BNDES para realizar a gestão de um fundo de infraestrutura. O fundo deve contar com um aporte de R$ 200 milhões por parte do BNDES e o restante dos recursos deve vir de captação junto aos investidores.

Fundos de pensão – Apesar da perspectiva predominante que os fundos de pensão domésticos (ver matéria) não devem aumentar significativamente as alocações diretas em ativos de infraestrutura, por outro lado, as grandes fundações mantêm posições de controle de empresas da área. A principal delas é a Invepar, empresa que atua com rodovias e aeroportos, e que é controlada pela Previ, Petros e Funcef.
“Quando se refere a investimentos em renda fixa, em dívida, a concorrência atual dos ativos de infraestrutura com os títulos públicos é desleal. Mas não podemos esquecer que os três maiores fundos de pensão do país tem investimentos em equities”, diz Aroeira em referência à Invepar.

Rodovias e aeroportos – Por conta do histórico considerado bem-sucedido nos últimos leilões de aeroportos e rodovias, e a falta dele, no caso das ferrovias e portos, os especialistas entendem que os dois primeiros setores tendem a ter uma demanda maior por parte do mercado em detrimento aos outros dois. “O Brasil experimenta concessões de rodovias desde 1996, tem um marco regulatório testado, e isso fatalmente despertará uma demanda muito grande”, diz Leandro Martins, presidente da INFRA Asset Management, que destaca ainda a boa previsibilidade das receitas no caso das rodovias.
Já nas ferrovias e portos, pontua Martins, a definição tanto da receita, como do plano de negócio, não ocorre com a mesma facilidade. “Nos portos, o lote um, de Santos, tem projetos mais conhecidos, e vem com grande demanda. Agora, quando se fala de portos mais remotos, distantes, o plano é diferente. E as ferrovias têm desafios ambientais que ainda hoje recaem como uma incógnita”, pondera o executivo.
Os aeroportos da segunda rodada do PIL, de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, no entendimento de Márcio Luterbach, sócio da PwC, são uma boa oportunidade para a entrada de empreiteiras de menor porte. “São aeroportos não tão grandes, bem menores que o Galeão ou o de Brasília, e a tendência é atrair essas empresas menores”, nota o especialista.
Para Luterbach, o cenário incerto que se desenha à frente para as grandes empreiteiras, que pode incluir rebaixamento dos ratings, e consequente dificuldade de captação no mercado, abre espaço para que empresas de menor porte, do middle market, ingressem no segmento. “Tem várias companhias médias com faturamento de R$ 1 bilhão, e existem muitas empreiteiras regionais interessadas em participar dos projetos em suas regiões. Esperamos o middle market forte tentando entrar, às vezes até se consorciando para competir com as grandes que nesse momento estão um pouco fragilizadas”.
Uma empresa europeia de engenharia de projetos, que já conta com representação no país, firmou parceria com a PwC para apresentar um PMI (Procedimentos de Manifestação de Interesse) para os aeroportos. Além dela, outras duas empresas de engenharia do exterior também procuraram a auditoria para entender melhor o PIL. “Elas preferiram deixar para vir num segundo momento, na época das licitações”, diz o sócio da PwC. “Estive em Nova York há algumas semanas, e a impressão é que os estrangeiros estão mais otimistas com o Brasil do que nós mesmos. Não sei se faz sentido ou não, mas tenho essa visão”.

Problemas no PMI – Embora reconheça algumas melhorias, na questão da limitação da rentabilidade, se comparado ao programa anterior, e da maior participação do financiamento privado de longo prazo, Fernando Faria, sócio da KPMG no Brasil na área de infraestrutura, adota um tom crítico em sua avaliação do anúncio. “O programa foi uma desilusão dentro do atual contexto de um mercado que quer atrair players internacionais para participar das concessões, até por tudo que está acontecendo com os players domésticos. A verdade é que o plano ainda inclui muitas jabuticabas na estruturação das operações”, afirma Faria. Na auditoria desde 2000, o executivo de nacionalidade lusitana já foi o responsável pela área de infraestrutura da KPMG em Portugal e Angola, e membro do comitê executivo de infraestrutura da companhia na África.
Um dos pontos que Faria entende que ainda mantém o estrangeiro afastado do mercado brasileiro de infraestrutura é o modelo de Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI), pelo qual as empreiteiras interessadas na concessão realizam os estudos que indicam a viabilidade do projeto, e posteriormente o governo seleciona o que julga mais adequado. “Delegar para o mercado gera ineficiência, já que são vários players fazendo o mesmo estudo, sendo que, como o governo vai escolher um, todos os outros que fizeram perdem o investimento”, fala o sócio da KPMG.
Esse não é um modelo usado no mercado europeu, explica Faria, que nota ainda que ele vai em sentido oposto ao que tem sido observado em outras economias emergentes, que apostam diretamente na preparação dos estudos para a estruturação e desenvolvimento dos projetos, com a contratação de consultores para facilitar as melhores práticas. “O mercado privado começa a enxergar um risco importante, de preparar os estudos para o governo sem a certeza do retorno do investimento. O player internacional fica ainda mais assustado com esse risco”, nota o especialista.
E esse seria o momento ideal para atrair o estrangeiro ao país, destaca Faria. “Com a Lava Jato, e a redução dos players, alguns em recuperação judicial, outros focados em resolver suas dificuldades, era o momento chave para trazer esses players para cá, mas é preciso dar mais ao mercado”, diz.

Liderança do ranking – Em 2014, o Santander liderou o ranking de project finance na categoria de assessores financeiros de leilões de concessão. Foram 43 projetos que movimentaram R$ 18,2 bilhões, o que fez com que o banco ficasse bem à frente dos segundos colocados, o Votorantim na segmentação por volume, com R$ 7,5 bilhões, e a Baker Tilly Brasil em número de operações, com 22.
“Houve uma preponderância de projetos de energia eólica, e tiveram algumas operações de mobilidade urbana e aeroportos”, diz Berger. Entre as operações de maior destaque, o Santander é o assessor exclusivo do consórcio vencedor do aeroporto do Galeão, no RJ, formado pela Odebrecht Transport e a operadora Changi, de Singapura. Também assessorou a operação do grupo que arrematou a linha seis do metrô SP, formado pela Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC e o fundo Eco Realty.
O superintendente do Santander aponta operações de energia renovável, e mais especificamente de energia eólica, como um setor em potencial para esse mercado ao longo do segundo semestre do ano. “Os anos de 2013 e 2014 foram muito bons para esses setores em termos de leilão. O governo comprou mais de seis gigawatts de energia, o que exige investimentos da ordem de R$ 30 bilhões”. No consolidado entre 2008 a 2014, o Santander assessorou 121 projetos que movimentaram R$ 46 bilhões, e que dá ao banco um market share de 28%.
Um dos entraves que manteve parte dos investidores afastados do primeiro PIL foi a taxa de retorno que o governo quis balizar de forma demasiada na ótica dos agentes. Para que tenha mais sucesso dessa vez, eles entendem que a rentabilidade terá de ser maior. “O contexto hoje é diferente de dois anos atrás. Será necessário mudar o incentivo em relação ao PIL 1”, diz Berger. A taxa terá de estar mais próxima de um patamar entre 9,5% a 10%, do que os 6,5% ou 7% verificados no programa anterior, prevê o superintendente do Santander.