Paulistas e cariocas fazem acordo de especialização | Negócios co...

Edição 72

Para os mais saudosistas, a transferência do pregão das ações da Bolsa do Rio de Janeiro (BVRJ) para a de São Paulo (Bovespa) representa o fim melancólico do primeiro mercado de capitais brasileiro, inaugurado ainda na era imperial em meados do século XIX. Para os mais otimistas, a fusão com a Bovespa pode significar o fim de uma fase de declínio, acelerado desde a ocorrência do caso Nahas em 1989, e deve impulsionar o início de uma etapa de recuperação da bolsa carioca com a organização de um mercado secundário de títulos públicos.
“Para quem viveu a época áurea do mercado carioca, a transferência do pregão para São Paulo simboliza o último capítulo da fase de decadência da bolsa do Rio”, declara João Batista Vieira Lima, que trabalhou na BVRJ de 1970 a 1978 e hoje é analista de mercado de capitais da consultoria Lopes Filho. Ele reconhece que o acordo entre as bolsas apenas concretiza o que todos já sabiam: que não há mais espaço para a convivência entre dois mercados fortes no Brasil. Prova disso, é que no último dia 25 de janeiro, feriado em
São Paulo, a BVRJ realizou apenas 15 negócios, movimentando um volume de R$ 13, 4 milhões. A Bovespa movimentou no dia seguinte um volume de negócios de R$ 750 milhões, 55 vezes superior ao da “concorrente”.
Se a BVRJ perde o leilão das ações e a Câmara de Liquidação e Custódia (CLC) para a Bovespa, em contrapartida ganha o direito de sediar a comercialização eletrônica de títulos públicos. Mas uma pergunta é inevitável para quem vive e trabalha em torno à BVRJ: será que o mercado secundário conseguirá reerguer esta bolsa centenária que já chegou a captar mais de US$ 2 bilhões em seu apogeu nos anos 70?
“Dentro de alguns meses devemos inaugurar o mercado secundário de títulos públicos, a partir da comercialização eletrônica destes papéis”, afirma com convicção Carlos Alberto Reis, presidente da BVRJ.
O projeto de criação deste mercado secundário, porém, ainda não saiu do papel. As regras que devem disciplinar este novo mercado também estão indefinidas. E como se não bastasse tudo isso, a BVRJ deixará de realizar os pregões de ações já no próximo mês de março. “Para este ano a receita está garantida com as privatizações previstas (Banespa, Previrb, etc) e as anuidades de algumas companhias”, diz o presidente da bolsa carioca.

Potencial – Se depender das conclusões de um estudo realizado pela Bovespa, o mercado secundário de títulos apresenta alto potencial de expansão. A Bolsa de São Paulo estima que a negociação diária de um mercado secundário organizado pode movimentar até R$ 10 bilhões por dia em papéis públicos.
O estudo da Bovespa, realizado a partir de uma pesquisa realizada com mais de 50 instituições financeiras, mostra que o mercado já apresenta demanda e interesse em participar de um leilão eletrônico de títulos públicos. Este estudo foi realizado durante o segundo semestre do ano passado e foi motivado pelo interesse da Bolsa de Valores de São Paulo em participar da organização de um mercado tanto de títulos públicos como privados. “O resultado do estudo mostra que o mercado de títulos públicos representa uma necessidade mais imediata para as instituições financeiras em relação ao de papéis privados”, declara o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas, Alkimar de Moura, responsável pela coordenação do trabalho.
Ele enumera três motivos principais para justificar o alto potencial para o desenvolvimento deste mercado. Em primeiro lugar o Banco Central e o Tesouro Nacional estão implementando medidas que visam o alongamento da dívida pública e a formação de uma curva da taxa de juros de longo prazo. Ao mesmo tempo, estes órgãos estão adotando uma série de medidas para incentivar e organizar o mercado secundário de títulos (leia matéria na edição n° 71). Por último, o mercado possui um alto estoque de títulos públicos em carteira e há interesse em conseguir maior liquidez para movimentar estes papéis. “Os fundos de pensão, por exemplo, são investidores que possuem um grande volume de títulos públicos na carteira e se houvesse um mercado mais organizado, certamente, não deixariam de aproveitas as oportunidades de obter maiores ganhos com o giro destes papéis”, comenta Alkimar Moura.
De acordo aos resultados da pesquisa, foi elaborado um modelo básico do sistema de negociação eletrônica de um mercado secundário. Os títulos públicos teriam negociação aberta através de tela de computador. Como a BVRJ já possui um sistema de negociação eletrônico, há facilidades para implementar o funcionamento deste mercado no pregão carioca, prevê o professor. Concluído no final
do ano passado, o estudo foi cedido
pela Bovespa para a Bolsa do Rio após a concretização do acordo de fusão. Agora, a BVRJ deve iniciar a etapa de elaboração dos sistemas e redes operacionais para possibilitar a criação do mercado secundário.

Concentração – A aparente imponência da Bovespa sobre a BVRJ e demais bolsas de outros estados, que dentro de dois meses terão os pregões transferidos para São Paulo, está inserida em um contexto mais amplo de crise do mercado de capitais no Brasil. A concentração da negociação de ações de todas as bolsas agora na Bovespa, na verdade, é uma tentativa de recuperar o terreno perdido nos últimos anos para as bolsas estrangeiras, principalmente a de Nova York.
A falta de liquidez, a tributação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e o movimento de fechamento de capital de muitas empresas são os principais motivos apontados pelos especialistas para explicar a perda de espaço da bolsa brasileira para outros mercados. Além do aumento da liquidez em uma única bolsa, outra vantagem da unificação dos pregões é a redução das taxas de corretagem. “A união das bolsas possibilita a eliminação de custos de corretagem que são gerados pelas operações realizadas de uma praça a outra”, explica João Batista Lima, da Lopes Filho.