Edição 154
Se durante toda a segunda metade da década de 90 a expressão “choque negativo” foi aquela que melhor definiu a influência do cenário externo sobre o Brasil, os anos de 2003 e 2004 mostraram uma realidade bastante diferente.
A alta liquidez internacional, decorrente da manutenção de juros reais muito baixos nas economias desenvolvidas, e o excepcional crescimento mundial, deslocaram o grau global de aversão a risco para seus patamares mais baixos nas últimas décadas – como bem demonstram os números recentes dos spreads pagos pelos países emergentes e também pelas empresas de menor qualidade de crédito (high yield) nos desenvolvidos.
O impacto da crescente incorporação da China ao sistema capitalista internacional também merece ser destacado. Além de apresentar crescimento espetacular, a economia chinesa tem contribuído diretamente para o aumento da corrente global de comércio e também para a manutenção dos altos preços de commodities exportadas pelos países emer-gentes, com implicações muito positivas sobre a dinâmica de seus balanços de pagamentos.
O Brasil, felizmente, conseguiu se aproveitar em boa intensidade desse ambiente global.
A ampla melhora das contas externas registradas desde 2001 e o reiterado compromisso do governo Lula com a responsabilidade fiscal e monetária possibilitaram ao país manter a trajetória de evolução de seus indicadores estruturais, como atestado pela melhora de sua classificação de risco por parte das agências de rating.
Em conseqüência, o PIB brasileiro reverteu 3 anos consecutivos de resultados medíocres e encerrou 2004 com crescimento de 5%, superior à média mundial no período e o maior desde 94.
E é exatamente essa avaliação positiva em relação à dinâmica recente dos fundamentos econômicos brasileiros, associada à expectativa de um ambiente internacional benigno – de ajuste gradual, sem a ocorrência de crises agudas – que fundamentam a formação de um cenário favorável para o país em 2005.
Os principais pontos de riscos, como usualmente ocorre, encontram-se no cenário internacional. O processo de ajuste dos desequilíbrios estruturais da economia dos EUA, intensificado após a confirmação da vitória de Bush com uma desvalorização mais forte do dólar frente às moedas globais flutuantes, deverá ter continuidade em 2005, deslocando gradualmente a taxa básica de juros definida pelo Fed até patamares próximos a 4% e reduzindo o ritmo de crescimento dos EUA para patamares mais próximos a 3% (contra 4,5% em 2004).
Trata-se, portanto, de um cenário “menos brilhante” para os países emergentes do que aquele vivenciado em 2004, mas cuja implicação para o Brasil tenderia ainda a ser benigna, por não alterar de forma importante a propensão global a risco, permitindo ao país seguir em sua trajetória de melhoria estrutural.
É evidente que o risco de crises externas nunca deve ser desprezado – e é provavelmente o monitoramento desse risco que dará volatilidade ao mercado em 2005. Mas cabe destacar que a melhora recente dos fundamentos econômicos torna o país bem menos vulnerável a turbulências externas do que era até poucos anos atrás. Para que haja um comprometimento forte e prolongado das condições gerais da economia brasileira seria necessária a ocorrência de um choque negativo de expressão (provocado, por exemplo, por conflitos geopolíticos graves, que pressionassem os preços do petróleo, por um movimento desordenado de desvalorização do dólar, ou mesmo por um eventual hard landing da economia chinesa) – que não é impossível, mas deve ser considerado um cenário menos provável para 2005.
No Brasil, depois do crescimento de 5% do PIB em 2004, a tendência é de leve desaceleração da atividade econômica, para patamares em torno dos 3,5%. Os segmentos que foram mais dinâmicos nos últimos meses – crédito e exportações líquidas – devem diminuir sua contribuição positiva. No primeiro caso, além do natural esgotamento da capacidade de endividamento da população, o movimento de elevação da Selic também atua como um importante fator limitante à expansão adicional em 2005.
No caso das exportações líquidas, a esperada diminuição do ritmo não se deve apenas às condições menos favoráveis do crescimento mundial, mas também ao processo de valorização sofrido pelo real nos últimos meses, que de alguma forma, reduz a competitividade de alguns setores para vendas ao mercado externo, ao mesmo tempo que incrementa a propensão a importar.
É importante ressaltar, no entanto, que apesar da expectativa de um superávit comercial menor (em torno dos US$ 24 bi, contra US$ 33 bi em 2004), o cenário de fluxo de capitais para 2005 é tranqüilo e suporta a expectativa de uma taxa de câmbio relativamente estável durante o ano.
De forma geral, a queda projetada no resultado comercial tenderá a ser compensada por um maior fluxo de Investimento Direto – provável, já que estaremos no segundo ano consecutivo de crescimento econômico – e também pelo menor volume de vencimentos de dívida externa privada. Nesse contexto, em condições de normalidade no cenário internacional, o Tesouro não deverá ter dificuldades para cumprir seu cronograma de rolagens da dívida externa pública, havendo espaço, inclusive, para um movimento de recuperação das reservas líquidas pelo BC.
Sobre o cenário fiscal, pouco a comentar. A esperada “não renovação” do acordo com o FMI não deverá alterar o compromisso do governo com a manutenção de superávits primários superiores a 4% do PIB, que contribuirão para reduzir mais um pouco a dívida pública brasileira. No entanto, medidas adicionais de melhora da situação fiscal estrutural, como por exemplo, uma 2ª fase de Reformas, são pouco prováveis e não deverão encontrar suporte político que as viabilize.
Nesse sentido, cabe observar, não se deve esperar por uma agenda reformista muito ambiciosa em 2005. Os resultados decepcionantes do PT em alguns municípios relevantes na última eleição municipal tendem a tornar a base governista menos coesa, reduzindo a chance de encaminhamento de uma agenda legislativa completa – e o próprio governo tem dado mostras de que diminuiu seu ímpeto reformista para 2005, limitando o otimismo em relação à evolução da agenda de mudanças microeconômicas.
Para concluir o cenário, um comentário sobre a política monetária: num quadro de estabilidade cam-
bial e gradativa recuperação do nível de investimentos da economia (simultaneamente à estabilização do consumo doméstico) é provável que o BC tenha espaço para retomar o processo de redução da taxa Selic ainda em 2005. Mas na média do ano, o juro básico seguirá elevado – tanto em termos nominais, como reais – de forma a compatibilizar o ritmo de crescimento da economia ao potencial estimado pelo BC e fazer convergir as expectativas dos agentes a patamares mais próximos ao centro da meta de 5,1%.
Nesse contexto macroeconômico, os investimentos conservadores, como os atrelados à taxa básica de juros deverão seguir apresentando bom desempenho. E as melhores oportunidades de diversificação continuarão a ser encontradas nas alternativas que se aproveitem de cenários “otimistas”. Destaque, nesse caso, para as rendas variáveis, cuja performance tende a ser mais diretamente beneficiada com o cenário de crescimento econômico, menor, mas ainda robusto, previsto para 2005.
Investimentos em moeda estrangeira tenderão a apresentar boa rentabilidade apenas no caso de uma crise externa aguda ou, pontualmente, caso o mercado “exagere” no otimismo e valorize exageradamente a moeda brasileira frente ao dólar.
E o IGP-M, embora tendendo a apresentar uma variação bem mais próxima à do IPC (ao contrário do que ocorreu em 2004) ainda representa uma boa opção, em especial para aqueles cujo passivo encontra-se atrelado a esse indexador.
Como um comentário final, é importante observar que os prêmios do mercado, de forma geral, são pequenos e não devem permitir ganhos expressivos em posicionamentos direcionais – o que faz crer que novamente a rentabilidade dos Derivativos e Multimercados dependerá muito da habilidade dos gestores para o aproveitamento das oportunidades.
Alfredo Setúbal é vice-presidente de investimentos do Itaú e presidente da Anbid