Os revezes da SPC | Com menos de 3 meses no cargo, a secretária S...

Edição 92

Empossada em meados de novembro de 2000 no comando da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), a economista Solange Paiva Vieira tem experimentado, paralelamente às grandes mudanças que busca empreender na regulamentação das atividades das fundações, revezes também de portes consideráveis. Seja por fortes pressões políticas ou por tropeços técnicos e jurídicos da própria Secretaria, a secretária Solange foi obrigada, em pelo menos três ocasiões, a recuar na tentativa de implementação de importantes medidas do programa de reestruturação deste segmento, que ela própria ajudou a conceber.
O último passo para trás da secretária foi dado no início de fevereiro. A secretária Solange, em reunião com o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), Carlos Duarte Caldas, em 26 de janeiro último, anunciou que estava propondo ao Banco Central a autorização para que os fundos de pensão pudessem investir no exterior. Com a exceção da Centrus (Banco Central), as fundações não vinham incluindo os papéis estrangeiros nos seus portfólios porque temiam perder a prerrogativa de imunidade tributária – em um momento em que esta questão está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal –, ao se submeterem às tributações que incidem sobre tais investimentos.
Na conversa, de acordo com Caldas, a secretária deixou claro que apenas uma parcela muito pequena dos investimentos das fundações poderia, a princípio, ser direcionada para o exterior, sem mencionar percentuais. A Abrapp gostou da idéia. Ainda que as taxas de juros domésticas proporcionem, em comparação com as de outros países, uma rentabilidade superior em aplicações financeiras, a possibilidade de investir no exterior poderia propiciar mais segurança aos investimentos das fundações.
“Essa abertura contribuiria para reduzir os riscos resultantes da concentração dos investimentos em uma única economia”, analisou o presidente da Abrapp. Ele concordou até mesmo com a necessidade de se estabelecer limites baixos para aplicações em papéis no exterior, “pois se evitaria uma grande exportação de capitais, em um país que necessita muito de poupança doméstica”. Vitor Duarte, da empresa de consultoria Risk Fund, também considerou positiva a abertura aos investimentos no exterior, porque iria “ampliar o leque de oportunidades para as fundações”.
O entusiasmo, entretanto, durou pouco. Menos de dez dias após a conversa entre a secretária e o presidente da Abrapp, a medida foi tirada de circulação, pelo menos temporariamente, “por falta de um consenso com a Receita Federal”, explicou uma fonte do próprio governo. A iniciativa não foi incluída no texto da minuta de resolução definitiva destinada a regulamentar os investimentos das fundações, que foi submetida a audiência pública no início deste mês. A Receita teme, na opinião da mesma fonte, problemas futuros com essa iniciativa, em virtude da falta de definição em relação às mudanças no tratamento tributário concedido aos fundos de pensão.

Primeira mudança – A política de anúncios de medidas e posteriores recuos começou logo depois de assumir o comando da SPC, em meados de novembro. No final de dezembro ela teve que voltar atrás para mudar a Resolução 2.791, aprovada por ela própria no final de novembro e que revogava a Resolução 2.720 (de abril de 2000). Apesar de revogar uma resolução criticada por quase todos os setores do sistema de fundos de pensão, a 2.791 teve vida curtíssima (menos de um mês), sendo substituída no final de dezembro pela Resolução 2.810.
O ponto da 2.791 que gerou mais questionamentos, levando à sua substituição pela 2.810, foi a obrigatoriedade de referenciar os fundos de renda fixa a um indicador de desempenho (95% dos ativos investidos em algum indicador de referência – DI, IGP-M, câmbio). Ou seja, a medida tornava a gestão de renda fixa praticamente passiva. Os gestores não gostaram porque, na gestão passiva, eles cobram menos. Os fundos de pensão também criticaram a regra porque eles estão buscando gestões mais ativas, com o objetivo de obterem melhores desempenhos.
Outro ponto polêmico da 2.791 foi a regulamentação das cobranças das taxas de performance. Neste caso, porém, a SPC não voltou atrás, mas flexibilizou um pouco. De acordo com a resolução, a cobrança das taxas deveria ser anual (o que também gerou insatisfação dos gestores). Na 2.810, a cobrança passou a ser semestral. Porém, foi mantida a exigência da cobrança da performance com base em um benchmark de renda fixa (Selic). Para os fundos de renda variável, ficou proibida a cobrança da taxa de performance, até que a resolução definitiva seja aprovada (o que está previsto para final de fevereiro ou início de março).
Nem bem a 2.810 tinha sido publicada, o Conselho de Gestão da Previdência aprova, sob a batuta da SPC, uma regra que limita a aposentadoria dos participantes de fundos de pensão. Do Conselho de Gestão a nova regra segue para o executivo federal no início de janeiro para transformar-se no Decreto 3.721, assinado pelo presidente da República, mantendo as mesmas exigências de idade mínima. A reação do sistema, que considerou a norma uma interferência em negócios da esfera privada, já que os planos de previdência são regidos por contratos firmados entre funcionários e fundos de pensão (principalmente daqueles de patrocinadoras privadas), não demorou. A insatisfação estendeu-se por dirigentes de fundações, empresas de consultorias, participantes de planos etc.
Também nesse caso a SPC teve que recuar e flexibilizar as regras do aumento da idade mínima para aposentadoria dos planos de benefícios dos fundos de pensão. O Decreto 3.721, do início de janeiro, instituía o aumento da idade mínima de 55 anos para 60 anos no caso dos planos de contribuição definida (CD) e 65 anos no caso dos planos de benefício definido (BD). Através da Instrução Normativa 26, de 31 de janeiro, a SPC decidiu dar maior liberdade para a definição das regras das aposentadorias proporcionais (antecipadas), permitindo a cada fundo de pensão estabelecer regras das aposentadorias proporcionais desde que mantido o equilíbrio do plano e a liquidez das reservas. Na prática, a nova regra permite que os benefícios atuais sejam preservados, com a ressalva de que o fundo de pensão e a patrocinadora tenham condições de bancá-los.
A última novidade da SPC é que pretende empurrar os fundos de pensão a investirem em ações que façam parte do Novo Mercado, como se convencionou chamar a bolsa que vai abrigar as empresas de boa governança corporativa. Com isso, claro, haverá um desincentivo às que não entrarem no Novo Mercado. Como migrações de ativos são sempre um caso delicado de casamento entre vendas de um lado e compras de outro, as regras de transição são importantes. Se não forem bastante flexíveis, podem levar a um novo recuo.

Flexibilização acalma, mas não convence
Depois de enfrentar críticas de todos os lados devido ao aumento da idade mínima para a aposentadoria dos participantes de fundos de pensão, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) decidiu criar uma válvula de escape para flexibilizar a nova regra. Para isso, o órgão baixou a Instrução Normativa (IN) n.o 26, que confere liberdade para os fundos estabelecerem as regras para a aposentadoria proporcional, desde que sejam mantidos o equilíbrio atuarial e a liquidez das reservas. A medida foi bem recebida pelo mercado, mas as críticas ainda não cessaram.
“A nova regra da aposentadoria proporcional deve reduzir as resistências dentro do sistema, mas não conserta a interferência indevida do Decreto n.o 3.721 sobre atos jurídicos perfeitos que são os planos de benefícios”, afirma Adacir Reis, advogado especializado em previdência privada.
O especialista explica que a nova regulamentação deixa claro, pela primeira vez, que a regra da idade mínima incide sobre os regulamentos em vigor, o que evidencia ofensa aos contratos privados. O artigo 1.o da IN traz a obrigatoriedade de revisão do equilíbrio atuarial dos fundos de pensão com base nos novos limites de idade.
A consultora jurídica da William M. Mercer, Sônia Alencar, acredita que a medida consegue consertar alguns inconvenientes criados pela regra da idade mínima, mas o problema central continua. “Estão tentando eliminar os erros por caminhos tortos, mas ainda não foi extinta a ingerência ilegal do governo sobre contratos privados de previdência complementar”, diz.
Ainda permanece a insegurança do mercado sobre a definição das condições para a concessão da aposentadoria proporcional em função do equilíbrio atuarial e da liquidez patrimonial. Segundo Sônia Alencar, o equilíbrio será definido pelo atuário do plano, enquanto o atestado de liquidez deverá ficar sob responsabilidade da SPC. Ou seja, a Secretaria ainda poderá interferir na autorização da aposentadoria antecipada.

Flexibilidade – A liberdade para definição da aposentadoria proporcional garante a possibilidade para o fundo de pensão oferecer o benefício antes do limite de idade imposto pela SPC – 60 anos para os planos CD e 65 anos para os planos BD. O mercado estava ansioso para saber se os novos limites anulavam a aposentadoria proporcional, que até então podia ser pedida antes de se atingir a idade mínima determinada pelo plano. “A situação começa a clarear, pois a nova instrução deu o sinal que o mercado estava querendo, que era a manutenção das aposentadorias antecipadas”, explica Felinto Sernache, coordenador e consultor da área de benefícios da Towers Perrin.
Na prática, a instrução protege os planos CD de qualquer efeito do Decreto n.o 3.721. Isso ocorre porque estes planos não podem apresentar desequilíbrios atuariais devido à antecipação da aposentadoria. O único efeito da aposentadoria antecipada recai sobre o participante, que terá um saldo de conta menor.
Para os planos BD, a concessão da aposentadoria proporcional dependerá do equilíbrio atuarial do plano e da postura da patrocinadora. Se o plano estiver em situação equilibrada, a patrocinadora, se quiser, poderá criar regras favoráveis para que a redução da aposentadoria tenha um efeito nulo ou pequeno sobre o benefício. Mas se o plano estiver deficitário, a aposentadoria proporcional não poderá ser oferecida. Neste caso, o efeito da regra da idade mínima ajudará a reduzir o déficit do fundo.