Edição 112
A queda dos bônus pagos aos executivos das empresas de administração de recursos pode estar levando alguns de seus melhores executivos a trocar seus atuais empregos por outros, em áreas ou negócios mais rentáveis. Uma dessas áreas, citadas com bastante freqüência, é a tesouraria dos bancos. O mercado tem comentado bastante essa possibilidade, embora ninguém cite casos concretos de algum executivo de peso que tenha deixado o emprego seduzido por uma oferta tentadora de outra área. Mas, como diz o ditado, onde há fumaça há fogo!
O mês de fevereiro é propício a essa discussão, pois concentra muitos pagamentos dos bônus anuais por parte das empresas de gestão de recursos. Muitas delas reduziram bastante o valor das suas bonificações, basicamente em conseqüência da queda das taxas de administração notada nos segmentos de atacado do mercado, mais especificamente de clientes institucionais e corporate. Algumas estão, inclusive, indo mais fundo e cortando pessoal.
Na verdade, as taxas de administração vêm caindo nos últimos anos, assim como os bônus, mas no ano passado chegaram a níveis tão baixos que muitos players, de nome e sobrenome pomposos, jogaram a toalha e admitiram ser impossível continuar no jogo. Foi o caso da LAM, a asset do Lloyds comprada pelo Itaú, e da asset do Deutsche Bank comprada pelo Bradesco recentemente. Foi também o caso da asset do UBS, absorvida pelo BNP Paribas no ano passado. Outras assets também mudaram de dono, como parte da compra de seus bancos controladores por instituições concorrentes. Fala-se que outros negócios envolvendo a compra de assets estariam em andamento, entre eles o de instituições de sobrenome estrangeiro cujos controladores estariam insatisfeitos com o retorno dos seus investimentos no País.
Nessa situação, a queda dos valores dos bônus é mais do que normal. Poucas ainda mantém bônus elevados, basicamente aquelas que ao entrar no mercado tinham oferecido aos seus executivos bônus garantidos, mas isso também está terminando. Nesse cenário, o fascínio das rentáveis tesourarias sobre os executivos das assets semi-empobrecidas parece estar aumentando. “Percebemos em conversas com parceiros que, em alguns casos, houve perda significativa de receita das assets. A captação não tem sido suficiente para cobrir a redução de margens e isso tem impactado na remuneração variável dos seus executivos”, confirma o responsável pela área de investidores institucionais do Sul América, Dimas Castilho.
Castilho apenas explicita aquilo que o mercado como um todo comenta: que os lucros das assets caíram bastante e que muitas estão cortando seus custos. A verdade é que o segmento de gestão de recursos vive um cenário bastante diferente daquele vivido há cinco anos, quando assistia a um boom de negócios, com a chegada de estrangeiros e a pulverização de assets locais para atender principalmente a um promissor mercado que acabou frustrando as expectativas: os fundos de pensão.
“Todos apostavam em continuidade de crescimento da indústria dos fundos, que não cresceu e praticamente se manteve nesse período”, conta Marcus Moraes, responsável pela área de clientes institucionais e corporate da UAM, Unibanco Asset Management. Ele cita as taxas de juros, que se mantiveram altas, como grandes responsáveis pela falta de apelo de produtos novos, mais sofisticados, junto aos grandes clientes, o que impediria a queda das taxas de administração. “Taxa de juros a 19% não força ninguém a buscar instrumentos que agreguem riscos, a gestão fica mais comoditizada em fundos DI e a concorrência entre as assets fica no preço”, diz.
Bônus garantidos – Segundo Wanderley Felizatto Júnior, consultor sênior para a área da indústria financeira da William M. Mercer, nos dois primeiros anos da chegada das novas assets, quase todas trabalhavam com esquema de bônus garantidos. Depois disso, passaram a exigir resultados e como esses não vieram houve queda bastante representativa na remuneração total dos executivos. “O bolo era razoavelmente limitado e houve uma concentração muito grande para conseguir escala”, avalia.
Hoje, a onda de fusões e aquisições, o achatamento das margens e a conjuntura econômica desfavorável diminuem os postos de trabalho e sobram bons profissionais no mercado. Tradicionalmente é em fevereiro que as principais instituições pagam os bônus anuais aos seus principais executivos, que podem chegar a até 70% do salário. Existe uma expectativa no ar de que essa gratificação, normalmente atrelada a resultados, caia sensivelmente. Nas contas de Felizatto Júnior, ela deve ser em média 40% abaixo do que foi pago no ano passado, que, por sua vez, já ficou entre 20% e 25% inferior aos valores de 2000.
Alguns head hunters já prevêem que a movimentação de cadeiras deve se intensificar a partir de março, em função disso. “Muitos profissionais insatisfeitos já começam a prospectar mercado em busca de melhor remuneração”, revela um head hunter. Um dos destinos mais procurados é a tesouraria dos bancos, que aliás, foi uma das áreas que mais perderam profissionais para as assets em seus áureos tempos. A migração acontece também rumo ao private, às entidades abertas de previdência ou a outros departamentos das próprias instituições. “Não creio que as instituições financeiras mais sérias vão querer abrir mão desses profissionais. São especialistas que lhes custaram caro”, pondera Castilho, do Sul América. “Muitos vão migrar de área dentro das próprias corporações”.
Para Alfredo Assumpção, presidente e fundador das consultorias na área de recrutamento de executivos FESA e ASAP, as incorporações e fusões ocorridas mais recentemente no setor bancário tem reduzido seus gastos com o pagamento de bônus. “Os bancos vêm reduzindo custos, mas isso não significa que os que ficam nas empresas estejam ganhando menos. O que se vê são menos pessoas ganhando bônus, porque o mercado está despejando quantidade e retendo qualidade”, diz. “Os bons profissionais continuam sendo disputados a peso de ouro”.
Felizatto Jr., da Mercer, diz que embora os efeitos desse quadro de baixa rentabilidade não possam ser sentidos imediatamente, eles serão bastante sensíveis no futuro próximo. “Os reflexos ainda são pouco mensurados, mas acho que daqui a dois anos, teremos uma redução na remuneração fixa desses executivos em torno de 10%”, afirma.
Oferta em excesso – Fato é que, independentemente da queda das margens, sobram bons profissionais no mercado. Admite-se menos e demite-se mais. Segundo Denys Monteiro, vice-presidente executivo e sócio da FESA, no ano passado o número de contratações feitas por meio da sua empresa já ficou bem abaixo do ano anterior. E, de janeiro até agora, nenhuma expressiva contratação.
“No início de 2001 tivemos o fortalecimento da área comercial, contratações para captação e, no segundo semestre, para substituição de profissionais”, conta. A expectativa, agora, é que seja muito baixa a demanda e que as posições ocorram por substituição”, diz Monteiro. “Não há mesmo espaço para tantos players”, comenta Felizatto Jr., da Mercer.
Para os profissionais das assets compradoras a situação pode ser um pouco mais tranqüila, mas mesmo assim eles devem buscar novas oportunidades, obviamente sem fazer muito estardalhaço, mesmo porque o processo de concentração é firme, forte e rápido, e não tem hora para acabar. Já os que percebem que suas assets não têm muito futuro estão se movimentando em outras direções. Os que vieram de tesouraria tenderão a voltar para seus antigos postos.
No briga da qualidade de serviços versus taxas de remuneração, Moraes, da UAM, acha que as perspectivas são boas, pois algumas fundações já começam a se preocupar com a qualidade da gestão que terão no futuro se as assets perderem alguns de seus melhores executivos. “As assets estão cortando na carne, e o preço, em termos de qualidade da gestão, pode ser alto demais”, avisa ele. Castilho, do Sul América, acredita que os grandes players estão olhando seu cliente como um todo e a asset é só mais um produto. “Eles olham uma entidade de previdência pelo tamanho de recurso que dispõe, pela escala e porque sabe que por trás dela há milhares de participantes e, portanto, outras oportunidades de agregar receita como um todo”, diz.
Isso pode ser verdadeiro para os grandes conglomerados, mas para uma asset especialista a sobrevivência depende de sua remuneração pelo serviço. O grande risco é tornar todos uma commodity, onde o volume determina o preço, perdendo a oportunidade de fortalecer os nichos. “Já estamos vendo bons especialistas que não conseguem participar do mercado em função dessa redução”, diz o executivo do Sul América, acrescentando que não ousa afirmar que a indústria de asset está no limite. “É sempre uma questão de volume”, ressalta.
Uma coisa é certa: se a taxa de juros cair a 15%, as fundações terão de buscar gestores que lhe proporcionem rentabilidade suficiente para bater a meta. E eles precisam sobreviver até lá. “Aí, sim, teremos o grande teste das assets”, acredita Moraes, da UAM.