Edição 235
Se fosse um acidente aéreo, poderíamos dizer que o plano de benefícios da TAP Manutenção e Engenharia, antiga VEM, é o único sobrevivente do desastre em que se transformou a derrocada do fundo de pensão Aerus. Desde o início da crise e intervenção na fundação, detonada com os problemas da Varig a partir de 2006, o plano da TAP, avaliado atualmente em pouco mais de R$ 200 milhões, é o único remanescente que continuará funcionando, agora com a gestão do fundo multipatrocinado Petros (sistema Petrobras e planos instituídos). A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) autorizou a migração do plano e seus recursos para a Petros, e o processo deve ser concluído até o fim do primeiro semestre de 2012.
“A transferência e continuidade do plano são desejadas tanto pela empresa quantos pelos funcionários há vários anos”, diz Gláucia Cristina Loureiro, vice-presidente de administração e finanças da TAP M&E (antiga Varig Engenharia e Manutenção). Os estudos para a recuperação do plano e migração para outro fundo de pensão começaram em 2007, um ano depois do início da intervenção no Aerus. O plano que era patrocinado pela VEM foi constituído em 2002, ainda na modalidade de Benefício Definido (BD). Anos mais tarde, o plano foi transformado para Contribuição Definida (CD), mas com o agravamento dos problemas do Aerus, a grande maioria dos participantes deixou de fazer suas contribuições.
Concorrência – Devido à paralisação dos aportes, o plano começou a registrar um desequilíbrio atuarial. No fim de 2010, esse desequilíbrio era contabilizado em R$ 65 milhões. Em 2008 e 2009, foram realizados processos de seleção de gestores para assumir o plano. Na época, dois concorrentes se apresentaram, o Bradesco Multipensions e a BB Previdência. Porém, o processo não foi concluído, pois o Aerus não contava com recursos com liquidez suficiente para realizar a transferência. Por outro lado, os fundos do Bradesco e do Banco do Brasil também ficaram receosos em assumir o risco de receber um fundo com desequilíbrio. “Os gestores ficaram reticentes em assumir o risco do plano, que ainda não estava muito bem equacionado”, afirma Gláucia.
A partir de 2010, os estudos e negociações foram avançando e tomaram um outro rumo com a entrada da Petros no processo de seleção do fundo. O contato com o segundo maior fundo de pensão do País surgiu por meio da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar). Os participantes, sindicatos da categoria e o interventor na época, Aubiérgio Barros, tinham levado o problema para discussão no âmbito da associação. Durante os debates, o próprio interventor sugeriu a participação da Petros, que também foi bem recebida pelos sindicalistas.
Nesta fase, ainda estavam participando da disputa pelo plano a BB Previdência e o IHPrev, da Icatu Seguros. O Bradesco ainda participava formalmente, mas foi se desintessando pelo negócio. No fim da década de 1990, o MultiPensions (fundo multipatrocinado do Bradesco) havia recebido a transferência do plano da TAM, também com origem no Aerus. Porém, a migração tinha ocorrido bem antes da crise da Varig e de seu fundo de pensão. A análise do Bradesco ainda apontava para um risco alto para o fundo da TAP. Já a Petros demonstrou forte interesse e acabou sendo escolhida, ainda no fim de 2010. O processo ainda tardaria mais um ano até que a Previc aprovasse a transferência.
Na fase final de negociações, foi importante a decisão da empresa em arcar com o déficit do plano, avaliado em R$ 60 milhões no fim do ano passado. “Foi um acordo bastante positivo, pois a empresa concordou em assumir o déficit do plano e, além disso, a Petros é um fundo de pensão com grande capacidade de gestão”, aponta Celso Klafke, presidente do Sindicato dos Aeroviários de Porto Alegre e presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (Fentac).
Recursos – Outro fato que abriu a possibilidade de transferência dos recursos foi a venda de diversos imóveis do Aerus em 2008 e 2009. O fundo de pensão realizou leilões de sua carteira imobiliária e os recursos foram destinados tanto para pagar os benefícios dos aposentados de outros planos (leia mais no quadro) quanto para integralizar as reservas do plano da TAP. O processo continuou, em menor ritmo, até o fim do ano passado, quando o fundo de pensão realizou a venda de um dos últimos imóveis de sua carteira, uma participação de 30% no Shopping Light (São Paulo). A fundação recebeu cerca de R$ 4 milhões pelo negócio, e uma parcela desse recurso foi direcionada para o plano da TAP.
Com isso, a Petros deve receber recursos líquidos da ordem de R$ 145 milhões. Não será transferido nenhum imóvel. Outros R$ 60 milhões serão integralizados com aportes da patrocinadora em um prazo de cinco anos. “É o maior processo de migração de recursos que fizemos até agora”, diz Newton Carneiro da Cunha, diretor administrativo da Petros. Um outro processo realizado em 2009 foi a transferência de um grupo de pouco mais de 350 aposentados do plano de benefícios da Braskem, que foi liquidado. A migração da TAP é a maior transferência e a primeira de um plano em atividade que a Petros consegue depois que se tornou multipatrocinada. O fundo de pensão possui patrimônio de cerca de R$ 50 bilhões, que correspondem a recursos de 47 planos de benefícios.
“O diferencial é que o plano da TAP é um plano que apresenta boa viabilidade e que vai contar com a adesão de novos participantes”, estima Cunha. O dirigente explica que o processo de análise do plano foi minucioso, comparável a qualquer grande investimento de mercado. Ao final, a equipe do fundo de pensão avaliou que os riscos eram compatíveis e que, com a transferência dos recursos e as novas adesões, o equilíbrio do plano poderia ser retomado. “Temos um volume de escala e uma boa estrutura administrativa que nos permitiram oferecer uma solução viável para a TAP, com a consequente queda na taxa de carregamento”, afirma o diretor da Petros. Ele considera positivo também que a empresa tenha escolhido um fundo fechado multipatrocinado para realizar a transferência do plano.
A vice-presidente da TAP, Gláucia Loureiro, também diz que a escolha de um fundo fechado foi a melhor saída. A empresa chegou a estudar alternativas como a migração para a previdência aberta ou até mesmo a liquidação do plano. “A ideia foi manter um plano competitivo para a retenção de talentos”, aponta. A TAP M&E possui hoje cerca de 2300 funcionários, dos quais 1.500 já participavam do plano de benefícios, quando estava no Aerus. Apesar de a maioria ter paralisado os aportes nos últimos anos, as reservas continuaram no fundo de pensão. Agora existe um grupo de cerca de 800 funcionários, contratados recentemente, que não participam do plano.
“Nós e a Petros vamos começar a campanha de adesão para novos participantes a partir do próximo mês de abril. Enquanto isso, vamos comunicar as mudanças aos antigos participantes”, comenta Gláucia. Ela conta que a TAP M&E é considerada no mercado como um “celeiro” de novos talentos. A empresa costuma contratar e formar engenheiros mais novos, mas acaba perdendo os melhores talentos para a concorrência. Com a reativação do plano de benefícios, a companhia espera melhorar o nível de retenção de seus profissionais. Hoje a empresa conta com uma folha salarial anual de cerca de R$ 75 milhões. Os aposentados do plano de benefícios são cerca de 650, que receberam benefícios complementares, ainda do Aerus, da ordem de R$ 11,6 milhões em 2011.
Caminho livre para a liquidação do fundo
Com a transferência do plano da TAP M&E para a Petros, o fundo de pensão Aerus deve entrar em breve em processo de liquidação. O plano da antiga VEM era o último de grande porte que ainda precisava de uma solução. “A transferência do plano da TAP para um fundo multipatrocinado foi a melhor alternativa tanto para empresa quanto para os participantes. Agora temos apenas três pequenos planos em processo de encaminhamento”, diz José Pereira Filho, atual interventor do Aerus. Ele prevê que a tendência agora é que a Previc defina em breve o início do processo de liquidação do fundo de pensão.
O interventor explica que os maiores planos do Aerus, que eram da Varig e das empresas do grupo, já passaram por processo de liquidação. Já não há mais de onde tirar os recursos do patrimônio do fundo de pensão, pois restam apenas dois imóveis. Um deles está localizado em Brasília, tem problemas sérios de documentação e, por isso, não pode ser vendido. O outro é um andar de um prédio na Praia do Flamengo (Rio de Janeiro) utilizado pela própria fundação.
Os últimos anos têm sido traumáticos para o Aerus, com muitos aposentados sem receber o que teriam direito. Os pagamentos e devoluções foram bastante variáveis, dependendo do plano. “Tem diversos casos: participantes que receberam apenas 8% das reservas e outros que chegaram a reaver 80%”, afirma Pereira Filho. Os valores que não foram devolvidos ou pagos já não dependem mais do fundo de pensão. Os casos serão informados para a Justiça e dependerão de alguma outra solução. “Acreditamos em um acordo com o governo federal, referente a uma ação que corre no Supremo Tribunal Federal”, aponta Celso Klafke, presidente da Fentac.
O sindicalista se refere a uma negociação que reivindica o pagamento de diferenças tarifárias da década de 1990 que poderiam ser direcionadas para pagar as dívidas trabalhistas da Varig e das empresas do grupo. A negociação, porém, não tem apresentado perspectivas favoráveis aos trabalhadores.