Edição 140
No dia 28 de outubro, o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, parou os trabalhos em Brasília, em plena quarta-feira, e tomou um avião para São Paulo. Nos cerca de 90 minutos de vôo, ele mal arriscou experimentar o gosto dos lanchinhos de bordo. Estava concentrado em uma missão que ele considera prioridade em sua pasta: vender os novos e polêmicos projetos de Parceria Público-Privada, já carimbadas de PPP, para dirigentes de fundos de pensão. Acostumado a falar para platéias de todos os tipos, o também professor Mantega sabia que depois de desembarcar no aeroporto de Congonhas, teria uma tarefa no mínimo árdua: convencer senhores que administram quase R$ 200 bilhões de reais a apostar nas PPPs.
A participação de Mantega no 24º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, com a presença em peso dos membros da Associação Brasileira das Entidades de Previdência Complementar (Abrapp), chamou a atenção do setor. O presidente da Petros, gestora de mais de R$ 20 bilhões – a segunda maior fundação do país atrás apenas da Previ – explica porque as PPPs podem fazer sucesso nesse segmento. “Elas podem abrir o caminho para levar investidores importantes a olharem novamente os horizontes de longo prazo”, aponta Wagner Pinheiro.
Mantega, durante o congresso da Abrapp foi mais longe. Ele disse acreditar que em menos de um ano os investimentos no setor produtivo já serão mais rentáveis do que as aplicações do mercado financeiro. Não custa lembrar que as projeções de juro real para o ano que vem, feitas pelo mercado e pelo próprio Banco Central , oscilam entre 9% e 10%. As PPPs vão buscar recursos privados para, em parceria com o setor público, tocar projetos nos setores de infra-estrutura, como energia, saneamento e logística.
“Há alguns anos, cerca de 22% do PIB eram aportados para infra-estrutura. Hoje, no entanto, não dá para ter a mesma performance”, admitiu o ministro. Quanto ao plano do governo para atrair os investidores institucionais, Mantega explicou que, possivelmente, seriam criados fundos de recebíveis como instrumento para viabilizar os aportes. O ministro disse ainda estar convicto de que as parcerias, além de abrirem imenso leque de oportunidades tanto para o país quanto para os fundos, vai estimular o mercado de capitais.
Ainda de acordo com Mantega, só a área de estudos do Banco do Brasil, dirigido por Cássio Casseb, já identificou uma montanha de R$ 30 bilhões em projetos de investimentos que podem ser realizados em segmentos como modernização e ampliação de telecomunicações ou centrais de energia, como hidrelétricas, por exemplo.
Mas os analistas mais otimistas fazem questão de ressaltar que os grandes setores de infra-estrutura do País têm apresentado mais problemas do que taxas certas de retorno acima de 6% ao ano. Estão aí casos de default como o da AES, para confirmar a tese.
Mas Pinheiro, da Petros, rebate e lembra que os juros são declinantes e que no médio prazo será mais difícil buscar os 6% reais – média de retorno caçada pelas fundações. Por isso, ele não tem dúvidas de que poderá levar a Petros para as PPPs. “Estou otimista com o que tenho visto até agora. O projeto ainda está em audiência pública, nossa área técnica está estudando os detalhes”, pondera. “Ainda teremos longos debates, especialmente no que diz respeito às regras que terão que ser respeitadas com relação ao consumidor final, que deverá ser preservado”, afirma. Em outras palavras: a garantia de retorno do financiador dos projetos não deverá, segundo Pinheiro, comprometer os direitos do consumidor final, o usuário de energia, de estradas ou de água encanada.
O assessor especial do Ministério do Planejamento, Fernando Haddad, que está pilotando os detalhes das PPPs, avalia que as fundações vão entrar nas parcerias em uma segunda onda. Para ele, é natural que a primeira leva de financiadores seja formada por bancos de desenvolvimento, como BID, BIRD e BNDES, cita. Mas confirmado o funcionamento do conceito, outros investidores – entre eles as fundações – deverão entrar no barco. E o motivo é simples. Para o governo, diz Haddad, as PPPs resolvem um velho problema – quando o governo comprava a execução da obra e não a obra. Agora, diz ele, o foco fica voltado para a entrega do produto. “E como o executor da obra tem interesse em receber pelo uso do equipamento, tem interesse em entregar a execução o mais rápido possível”, aponta.
E, para o universo dos investidores, as PPPs abrem um novo e consistente leque de opções para investimentos de longo prazo, um terreno pouco fértil por aqui, onde os prazos praticados pelo crédito no sistema bancário mal ultrapassam um ano. “Nos Estados Unidos, o financiamento dos projetos olham para 50, 60 anos. Nós não vamos começar por aí, mas se começarmos a formar funding de 20, 30 anos, já será um bom começo”, afirma. Para Haddad, poucas oportunidades surgirão para as fundações alocarem recursos no longo prazo de forma tão segura quanto as PPPs.
Na opinião do diretor de investimentos da Valia, o fundo de pensão da Vale do Rio Doce, Manoel Cordeiro, esses investimentos devem observar rentabilidade, garantia e liquidez. “Se tiver atendido esse tripé, não vejo o porque dos fundos não se interessarem”, diz, citando que a Valia tem, desde 1999, 18% da Companhia Petrolífera Marlim. “Temos alcançado uma rentabilidade de 160% do CDI com esse investimento”, diz.
Garantias – Mas a taxa de retorno não é o único problema apontado por alguns especialistas que acompanham o debate em torno das PPPs e a presença das Fundações nesse ciclo. O consultor financeiro João Alberto Bernacchio, que faz parte do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças diz que o grau de risco de investimentos de longo prazo em que a receita está subordinada ao orçamento do governo é elevado. “Os modelos das PPPs, da forma como estão colocados, apenas adiam os gastos do orçamento. No fim, o pagamento vai depender do caixa do governo”, aponta.
Haddad, do Planejamento rebate e diz que há garantias que vão privilegiar os financiadores da PPP ante outros credores do setor público. As PPPs também garantem que em caso de uma obra ser mal executada, e a empreiteira tiver que ser desligada ou cobrada, o financiador não tem os pagamentos interrompidos. O governo se acerta com a executora da obra. Mas isso não pode criar uma situação artificial, tirando dos projetos puramente privados recursos que forem buscar as garantias legais e de pagamento das PPPs?
Haddad diz que não. Diz, ao contrário, que as PPPs eliminam obstáculos que atravancam os projetos de longo prazo, caso do saneamento. “Como não há problemas de titularidade para a execução dessas obras, os projetos podem ser tocados sem que seja definida as pendências legais sobre quem é dono da bacia hidrográfica”, cita.
Mas o próprio presidente da Petros, Wagner Pinheiro, admite que, como investidor considera mais seguro um tipo de garantia como ativos do governo. É o que o estado de São Paulo pretende fazer. No projeto de Parceria Público-Privada, o governo paulista planeja a criação de um fundo, que funciona como uma Sociedade de Propósito Específico. Nessa empresa/fundo, vão alguns ativos como ações de estatais paulistas ou recebíveis como os futuros royaties da exploração de gás na Bacia de Santos. Se o orçamento do Estado for insuficiente para bancar os compromissos de uma PPP em um determinado orçamento, os ativos do fundo entram como lastro – em último caso, com a transferência dos ativos para o credor/financiador da PPP.
“Mas, como cidadão, tenho receio de que isso acabe virando uma privatização disfarçada”, aponta o presidente da Petros, Wagner Pinheiro. O consultor Bernacchio rebate: “mas se tem certeza de que vai pagar, como aponta o governo federal, não existe o menor risco de haver transferência de ativos públicos para o financiador do projeto”.
Casamento – O fato é que, conceitualmente, as PPPs formam um casal perfeito com as fundações. Ambas estão focando o longo prazo, ambas são dependentes do crescimento econômico, ambas são reféns do financiamento público gigantesco no Brasil – as PPPs porque só foram idealizadas para driblar a falta de caixa do governo, atolado para pagar mais de R$ 150 bilhões em juros ao sistema financeiro, sem sobras dignas para investir em energia, saúde, segurança, educação, estradas… e as fundações que se vêem empurradas para os títulos públicos como porto seguro para não comprometer os compromissos atuariais. Mas até o casório, faltam pelo menos duas pendências cruciais: as taxas de retorno dos projetos e a garantia de pagamento por prazos tão esticados.
A ponte-aérea Brasília/São Paulo ainda terá que ser muito percorrida antes que as fundações digam o “sim” para o Planejamento.