Edição 379

A Ceres, fundo de pensão que tem a Embrapa como principal patrocinadora, está implementando uma profunda transformação na sua estratégia de mercado, focando na simplificação da comunicação, no atendimento ao participante como “cliente” e na adaptação da entidade às novas realidades do mercado. Segundo seu presidente, Murilo Flores, essa nova estratégia é uma necessidade de todo o sistema de previdência fechada e disso depende seu crescimento nos próximos anos.
“Muitas grandes fundações vêem o participante pela ótica da reserva de mercado, alguém que o RH das patrocinadoras trouxe automaticamente para elas, então nunca precisaram adquirir grande experiência no trato adequado desse participante”, explica Flores. “Mas as coisas mudaram, hoje esse participante está sendo assediado por vários lados, por entidades abertas de previdência, por bancos, por influenciadores, e se os fundos de pensão não se adaptarem podem perder muitos participantes para a concorrência”.
Flores chegou à Ceres em março do ano passado, já aposentado pela Embrapa, empresa na qual fez carreira e que presidiu entre 1990 a 1995. Ele também presidiu outra patrocinadora da Ceres, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina( Epagri), entre 2007 e 2009. “Assim que eu entrei aqui, como o meu linguajar não é o da área de previdência, nem da área de investimentos, eu imediatamente percebi que a forma como nós nos comunicávamos com o nosso público, ou até com o público em potencial, criava uma dificuldade imensa de compreensão”, diz.
Na sua maneira de ver, a linguagem que era usada pela Ceres criava um “muro de distância” com os participantes. Sua primeira orientação ao quadro de colaboradores da Ceres foi simplificar a linguagem usada na comunicação com os participantes. “Como eu digo sempre aqui, temos que usar uma fala compreensível à um cidadão que não é especializado em previdência ou em investimentos”.
Ele cita especificamente duas expressões de uso corriqueiro entre os profissionais do mercado de previdência fechada e que ele próprio, quando chegou à Ceres, pediu que fossem usadas apenas acompanhadas de uma explicação. Refere-se a “marcação na curva” e “marcação no mercado”. “São jargões técnicos, o participante não entende o significado, então tem que explicar”, diz.
Essa sua determinação de falar para ser entendido vai na mesma direção das advertências criadas pela Previc e pelo Ministério da Previdência Social, no sentido de simplificar a linguagem para comunicação com os participantes. O ministro da MPS, Wolney Queiroz, inclusive, assinou uma portaria, publicada no início de setembro, tornando essa simplificação da linguagem obrigatória no âmbito do MPS.
A portaria dá à todas as secretarias e órgãos da pasta um prazo de 30 dias para apresentarem ao gabinete do ministro um plano de ação com cronograma de implementação do processo de simplificação da comunicação, além de indicarem os responsáveis pelo cumprimento da norma. “A Previc tem batido muito nessa tecla da comunicação simples, assim como o Ministério da Previdência, e isso está correto”, diz Flores.
Busca de fidelização – Outra providência que Flores adotou ao assumir a direção da fundação foi no sentido de enxergar o participante como um cliente que precisa ser cultivado, que precisa ser fidelizado. “A gerência de comunicação fez uma pesquisa muito profunda com os nossos participantes para saber como é que eles estavam enxergando a fundação, o que faltava na comunicação com eles, o que eles precisavam mais”, conta. “A gente percebeu que eles, os clientes, julgavam a Ceres muito distante”.
A partir dessa constatação a fundação deu início a várias ações no sentido de se aproximar mais dos participantes, como por exemplo criar um canal de whats app para facilitar a comunicação. Atualmente, grande parte da sua comunicação é feita por essa via. Outra mudança adotada foi um aumento na frequência da comunicação, passando a falar regularmente sobre temas diversos que dizem respeito à vida dos participantes, evitando só aparecer na hora de divulgar notícias ruins.
Flores dá um exemplo. “Quando saíram notícias na imprensa falando que o TCU tinha achado um “rombo” no Plano 1 da Previ, nós fizemos um podcast explicando que não havia nenhum “rombo”, apenas um “déficit”, e que esse era conjuntural. E aproveitamos para falar também sobre nossos resultados”, conta.
Os podcasts, aliás, estão sendo usados com frequência pela fundação, para dar informações um pouco mais aprofundadas sobre temas relevantes para a entidade, mas sempre usando uma linguagem simplificada.
Para produzir esses podcasts a Ceres contratou uma equipe de comunicação, formada por quatro pessoas jovens, que ajudaram a mudar a linguagem. “Eles não vieram do mundo da previdência, então eles foram ajudando nossos quadros a ajustar a linguagem”, explica.
É o caso de um diretor da fundação que nunca tinha feito um podcast. “A primeira tentativa saiu com uma linguagem sofisticada, então o pessoal da comunicação perguntou qual era a mensagem que ele queria passar. Ele explicou e trabalharam juntos para alcançar o objetivo. O resultado ficou muito bom, surpreendeu até o próprio diretor”, diz Flores
Vencer a concorrência – No final das contas, as mudanças que estão sendo implementadas na Ceres têm o objetivo de fortalecer a fundação contra a concorrência, formada por principalmente pelas entidades abertas. Antigamente esses recursos eram “blindados”, mas com a portabilidade não são mais.
Para isso, as fechadas têm que aprender a usar as mesmas armas da concorrência. A Ceres está formatando um núcleo de assessoramento financeiro, a ser disponibilizado aos participantes. “Não simplesmente é fazer o atendimento das pessoas que ligam para perguntar alguma coisa, é ir atrás delas para falar sobre os investimentos dela’.
Flores explica. A principal patrocinadora, a Embrapa contribui paritariamente com o participante em até 8% dos aportes, mas tem participante que contribui com apenas 4%, 5%, deixando de aproveitar essa vantagem. “Ele está perdendo dinheiro, nosso núcleo de assessoramento financeiro vai mostrar a ele a vantagem de contribuir com 8%”, explica. “Outra coisa, tem muita gente que não entende que pode fazer a portabilidade para um plano família, vamos mostrar os casos em que isso é vantajoso e como fazer”.
A idéia é manter os aportes do participante, inclusive os aportes extras, na fundação. Muitos participantes acabam optando pela previdência aberta para aplicar esses recursos. “Eu tenho a convicção que esse assessoramento vai aproximar, vai aumentar a relação de proximidade entre o cliente e a Ceres, porque ele vai se sentir num porto seguro”, diz.
Novos contribuintes – Além de assegurar a manutenção dos recursos dos atuais participantes, a nova abordagem da Ceres visa garantir a entrada de novos contribuintes aos planos. Segundo Flores, a Epagri abriu um processo de contratação de novos funcionários e apenas 20% dos contratados aderiram ao seu plano de benefícios. Um dos motivos, claro, é que o plano não possui cláusula de adesão automática, mas tem que se levar em conta também a mentalidade dos jovens, muitos dos quais não vêem a previdência como algo atrativo.
A Embrapa, a principal patrocinadora, também está contratando um total de mil novos trabalhadores, e a Ceres já está se mexendo para evitar que se repita nela a baixa taxa de adesão da Apagri. Como o plano também não possui cláusula de adesão automática, a fundação confia numa abordagem moderna para conseguir uma adesão maior por parte dos novos colaboradores. “A gente está reformatando a abordagem, definindo os conceitos novos que permitirão a construção de uma linguagem e de uma comunicação adequados para atrair essas pessoas”.
“Em primeiro lugar, temos que fazer com que essas pessoas olhem para um futuro não tão distante. Quando se fala em previdência para um jovem de 30 anos, ele pensa num futuro muito distante e isso não o sensibiliza. Nossa abordagem vai ser oferecer segurança e liberdade para uma vida futura com mais qualidade”, explica Flores. “É uma abordagem diferente”.
Esse conjunto de mudanças na estratégia da fundação deve culminar com uma nova identidade visual, que já está sendo trabalhada, e deve condensar as práticas que estão sendo implementadas. Segundo Flores, a nova identidade visual terá uma pegada mais moderna, aproximando a entidade do público mais jovem que quer atingir. O trabalho está em andamento, e Flores garante que será fundamental para ancorar a nova concepção de entidade previdenciária.
A Ceres possui atualmente um patrimônio de R$ 12 bilhões, sendo a 16ª maior Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC). Possui 22 mil participantes dos quais cerca de 60% são ativos e 40% inativos.