Edição 142
Perspectivas 2004 – Alexandre Mathias é diretor executivo do Unibanco Asset Management
O Governo Lula começou sob um contexto de grande incerteza. Por isso, ao longo de 2003, a principal batalha foi disputada no campo macroeconômico. A firmeza nos compromissos com a austeridade fiscal e com o regime de metas para a inflação foram ingredientes essenciais para a recuperação da confiança.
Neste início de 2004, a economia exibe um grau de ajuste macroeconômico que há muito não havia. A crise cambial de 2002 acelerou o ajuste em conta corrente e revelou um avanço estrutural na balança comercial. O balanço de pagamentos, que na retomada de 2000 apresentou sinais de inconsistência, fornece boa margem de manobra. O pânico inflacionário foi debelado, os juros estão em queda e a retomada da economia está em marcha. A volta do crescimento, a manutenção do superávit fiscal primário e a redução do custo da dívida apontam para a redução da relação dívida líquida/PIB ao longo do ano.
O êxito da política econômica propiciou uma diminuição das vulnerabilidades que nas últimas décadas geraram os ciclos de arrancada-e-freada. Assim, o País pode vislumbrar uma taxa de crescimento sustentável em torno de 3% a 4%.
Embora este patamar de crescimento esteja acima da média dos últimos vinte anos, trata-se de uma taxa ainda medíocre. Para que crescimento sustentável da economia brasileira supere a marca de 4% ao ano, as taxas de poupança e investimento como proporção do PIB precisariam elevar-se bastante, juntamente com a produtividade total dos fatores na economia.
Este objetivo só será alcançado a partir de reformas que aperfeiçoem o ambiente de negócios no País, de modo a favorecer a alocação eficiente dos recursos. Isto requer marcos regulatórios e jurídicos transparentes e críveis, capazes de viabilizar investimentos de longo prazo nos setores de educação, comunicação, energia, transporte, saneamento e habitação.
A recuperação da economia aponta para um crescimento de 3,5%, ou mais, em 2004. A avaliação dos condicionantes da atividade confirma a retomada, porém os dados ainda não permitem determinar com precisão sua velocidade.
Comparando este quadro com ciclos anteriores, constata-se uma queda maior da renda real que poderia retirar dinamismo da retomada. Mesmo assim, acreditamos que o impulso proveniente da queda dos juros em 2003 e a expansão dos prazos farão com que o crédito impulsione o setor de bens duráveis e, a partir daí, os demais setores da economia.
Este desenho de retomada, no qual os estímulos monetários estão claramente surtindo efeito, requer uma abordagem cautelosa na redução dos juros, a fim de inibir a disseminação das eventuais pressões inflacionárias da retomada. A parada temporária no ciclo de cortes, em janeiro, revela este tipo de preocupação.
A taxa de câmbio é uma variável crucial, porém de difícil previsão. Optamos por estabelecer uma trajetória que mantivesse o câmbio real constante em níveis similares ao final de 2003. Assim, a taxa nominal de câmbio frente ao dólar norte-americano permaneceria estável por mais alguns meses e começaria a subir a partir do segundo trimestre de 2004 para fechar o ano em R$ 3,10 / US$.
Esta trajetória da taxa de câmbio não gera constrangimentos relevantes para a política monetária. Contudo, caso o real permaneça estável, em termos nominais, frente ao dólar dos EUA, o BC ganharia um espaço adicional para cortes, mesmo no caso de retomada dinâmica.
Sob as hipóteses acima, projeta-se um IPCA de 5,85% em 2004. A trajetória de Selic que produz este resultado contempla uma queda de 200 p.b. ao longo de 2004. A confirmação da tendência declinante da inflação a partir de fevereiro deverá permitir que a redução da taxa Selic seja retomada em março ou abril.
Além de desenhar os contornos dos cenários mais prováveis, é importante avaliar os fatores de risco. No que tange ao cenário internacional, podemos catalogar três fatores de risco: geopolítico, alta de juros nos EUA afetando a liquidez global e ajustes abruptos das taxas de câmbio do G-7. No âmbito interno, os fatores de risco podem ser agrupados em duas fontes: política e agenda microeconômica.
No mercado internacional, a liquidez abundante e os juros ainda baixos favorecem a queda do prêmio de risco, enquanto a reversão monetária ainda não foi iniciada. A recente queda generalizada do prêmio de risco entre os países emergentes, incluindo os de fundamentos duvidosos, é típica desta fase e revela uma perigosa tendência de subestimar riscos.
Dentre os fatores domésticos, além de uma crise política – algo que qualquer governo está sujeito; o risco mais importante reside no encaminhamento da agenda microeconômica. Uma frustração nesta área repercutiria negativamente sobre as expectativas de crescimento e abortaria a dinâmica do ciclo virtuoso.
Assim, se 2003 foi o ano do ajuste macro, 2004 precisa ser o ano do ajuste micro. Uma nova seqüência de triunfos colocará o Brasil na rota do crescimento sustentado com taxas superiores a 4% aa. A perda desta oportunidade elevaria a sensibilidade da percepção de risco Brasil às variações da liquidez internacional e, provavelmente, traria de volta os ciclos de arranca-e-freada a partir de 2005.
Neste cenário de crescimento com estabilidade, dado que as taxas de juros reais continuarão declinando, a perspectiva de retorno dos ativos muda em relação ao que prevaleceu nos últimos anos. Assim, retornos maiores só serão obtidos com a agregação de risco às carteiras. Isto beneficiará os gestores de recursos mais sofisticados e as fundações que melhor se adaptarem aos novos tempos.