Edição 239
A forte redução do juro real, com implicações diretas na rentabi-lidade das carteiras dos fundos de pensão, levou o governo a propor mudanças em algumas regras fundamentais do sistema, sendo a principal delas a Resolução 18 que trata da meta atuarial. Pela proposta da Secretaria de Política de Previdência Complementar (SPPC), as fundações adotariam metas atuariais diferenciadas baseadas na maturidade das suas populações. Para o grupo formado por participantes com expectativa de sobrevida de até 10 anos, seria adotada uma primeira meta; para o grupo com expectativa de sobrevida entre 10 e 20 anos, uma segunda meta; e para o grupo com expectativa de sobrevida superior a 20 anos, uma terceira meta.
A proposta será levada, em conjunto, pela Secretaria de Política de Previdência Complementar (SPPC) e pela Previc ao Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) em agosto. A Previc diz que o tema ainda está em discussão dentro do órgão, não havendo uma posição fechada quanto aos “vértices” de cada grupo. “Vamos apresentar a proposta, concretamente, na reunião do CGPC. O que posso adiantar é apenas que realmente temos idéia de definir três vértices, de acordo com a maturidade das populações de cada plano”, afirma o diretor de normas da Previc, Edevaldo Fernandes da Silva. “Estudos estão em curso em todas as fundações e em todos os planos, mensurando impactos, precificando ativos e avaliando as volatilidades. É cedo para falar sobre o período desses vértices ou sobre o período de tempo de cálculo da média móvel”, complementa.
Em exposição feita à dirigentes de fundos de pensão reunidos na sede da Associação Brasileira de Previdência Privada (Abrapp) dia 6 de julho, o secretário-adjunto da SPPC, José Edison da Costa Júnior, adiantou a proposta sobre os juros atuariais. Segundo ele, para o primeiro grupo (expectativa de até 10 anos de sobrevida) ele seria definido com base na média móvel de 36 meses das NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional série B) de 5 anos; para o segundo grupo (com projeção de sobrevida entre 10 e 20 anos) seria adotada a média móvel de 36 meses das NTN-Bs de 15 anos; e para o terceiro grupo (populações com expectativa de sobrevida superior a 20 anos) seria adotada a média móvel de 36 meses das NTN-Bs de 25 anos. Essas médias móveis seriam calculadas e divulgadas anualmente pela Previc, ao final de junho.
Equilíbrio – Segundo Silva, a ideia é criar na resolução três vértices de longevidade indicativos, cabendo aos gestores das fundações adequar as diretrizes à realidade de cada plano. “Uma entidade madura, por exemplo, pode avaliar que somente o cálculo sobre dois grupos de passivos pode fazer sentido para um plano. É preciso respeitar a realidade de cada gestor ede cada plano”, comenta.
Como as propostas que serão apresentadas ao CGPC poderão mudar a situação de superávit ou déficit em várias fundações, ampliando ou reduzindo os percentuais e, eventualmente, exigindo aportes de patrocinadores e de participantes, será proposto mudanças também em relação à Resolução 4, que trata da marcação dos ativos das fundações, conta Costa Júnior. Hoje a prática do sistema é marcar pela curva de juros. A idéia é permitir que esses ativos sejam marcados a mercado, possibilitando um up-grade na precificação dos recursos das fundações. “Seria uma forma de compensar o impacto da marcação a mercado dos passivos”, explica.
Segundo cálculos da consultoria Mercer, para cada 0,5 ponto porcentual de queda na taxa dos juros atuariais, o passivo das fundações poderá ter crescimento de até 13% e, numa redução hipotética de 1%, o aumento pode oscilar entre 10% e 20%. “As novas regras vão exigir novos aportes? A principio sim, mas tambem é preciso lembrar que hoje a diferença entre os ativos garantidores e as provisões matemáticas são da ordem de 20%. É uma gordura que pode absorver essa correção”, defende Costa Júnior.
A solvência do sistema de previdência fechada, que correspondende à diferença entre os recursos garantidores e as reservas matemáticas consolidadas, atingia R$ 86 bilhões ao final de 2011. Com o novo modelo, de marcar os passivos a mercado, uma parte dessa gordura superavitária seria consumida. A marcação a mercado dos ativos permitiria reequilibrar as contas e trazer a solvência próxima dos níveis anteriores, reconhece o diretor de normas da Previc. “Claro que não será a mesma coisa para todas as fundações, vai depender da situação de cada uma, da maturidade da sua população, mas, no geral, podemos dizer que a marcação a mercado dos ativos permitirá um reequilíbrio”, defende Silva.
Especialistas, porém, acreditam que boa parte dessa “gordura” pode ser atribuída ao superávit da Previ e que o sistema poderá ter perdas com as novas regras, principalmente no que se refere aos planos de benefício definido. “Se a regulamentação vai passar a focar a gestão de risco, como vem sido dito, temos que manter o foco no equilíbrio dos planos. Se o gestor provar que um descasamento é momentâneo e pode ser equacionado ao longo do tempo, e ele é responsável pelas premissas, precisamos rever as regras de solvência”, alerta Gazzoni.
Tábua – As duas medidas seriam complementadas por uma terceira, estabelecendo mudanças na adoção da tábua atuarial. Atualmente, a mínima aceita pelo órgão regulador é a AT-83. A idéia é que os cálculos não possam gerar expectativas de vida inferiores ao obtido com a aplicação da AT-2000. Desta vez, a mudança na tábua não terá um impacto tão grande quando ocorreu em 2002, quando a tábua mínima exigida passou da AT-49 para a AT-83. “Mas, mesmo assim, vai representar um endurecimento”, reconhece o principal executivo da Gama Consultores Associados, Antonio Fernando Gazzoni.
A consultora sênior da Mercer, Cláudia Fernandes, concorda.“Há fundações que são atendidas perfeitamente com a AT-83 e, neste caso, a adoção da AT 2000 pode ser considerada muito conservadora neste momento”, comenta. “O ideal é que a tábua reflita realmente a mortalidade porque, se isso não acontece, você acaba cobrando demais e depois fica distribuindo superávit. Ao mesmo tempo, há casos de fundos para os quais a AT 2000 está defasada. Mas a gente realmente precisa de uma regra mínima determinada pelo regulador”, complementa Cláudia.
Acredita-se que o conjunto das mudanças trará mais conservadorismo aos dois principais parâmetros técnico-atuariais do sistema, que são a taxa atuarial de juros e a tábua atuarial, podendo impactar as atuais regras de destinação de superávit e equacionamento de déficit dos planos de benefícios estabelecidos na Resolução 26. A mudança na tábua atuarial também implicará mais rigidez na amplicação das regras de destinação de superávit.
“Esse debate deve ser urgente, não resta dúvida, mas ainda existem muitas dúvidas e falta de consenso sobre alguns pontos”, diz Gazzoni. Ele lembra que nos próximos dois meses, as fundações terão que fechar suas premissas econômicas para 2013. “É relevante que esses temas sejam mais debatidos, mas isso deve ser feito rapidamente pois é necessário que as mudanças seja adotadas para que não hajam estragos mais à frente”, complementa.
Algumas fundações aguardam as novas regras para implementar a revisão das metas atuariais. É o caso da Fundação Sanepar (Fusan) que planeja mexer em sua meta apenas após a definição das novas regras. “Não pretendemos mexer nisso agora. Preferimos esperar pelas orientações que a Previc irá anunciar”, diz o presidente da fundação, José Luiz Rauen. “Não adianta mudar agora, para depois ter que mudar novamente. Vamos aguardar um pouco mais”.
Dúvidas – Para o superintendente da Fundação Fibra, da Itaipu Brasil, Silvio Rangel, a idéia da média móvel, quer baseada em “vertentes” ou em grupos, não ficou clara na exposição feita na Abrapp pelos representantes da SPPC e Previc. “Claro que quanto maior o período da média móvel, mais gradual será a adequação das fundações ao novo cenário”, diz. “O uso de um período mais extenso me parece um avanço”.
Segundo ele, no entanto, calcular a meta com base na rentabilidade dos títulos públicos pode desestimular a busca de uma boa performance por parte das fundações. “O ideal seria se considerar um spread médio, que poderia variar de acordo com o perfil de cada entidade”, opina. “Poderia ter um spread maior para uma fundação com uma carteira de maior risco. E vice-versa”.
Ainda de acordo com Rangel, se o cálculo da média móvel tiver prazo reduzido a volatilidade dos preços pode criar oportunidades de ganhos a curto prazo, ampliando ainda mais a oscilação dos títulos. Ele avalia que “o casamento de ativos e passivos é algo teórico demais”.
Para o diretor de Investimentos na Fundação Ceres, Dante Scolari, a marcação a mercado dos ativos é uma tendência para o setor. “Nós já fazemos isso com nossos os ativos desde o ano passado. É a melhor maneira de se fazer uma gestão transparente e não é verdade que amplia a volatilidade em demasia. Dizer isso é analisar o passado, com um olho no retrovisor. A tendência para as taxas, no médio e longo prazos, é de estabilidade no patamar atual”, afirma. “Se o governo vai mesmo promover a marcação a mercado dos passivos, permitir que as metas atuariais reflitam os passivos e permitir um tempo bom de adaptação, é uma inovação muito positiva”, avalia.
Segundo o consultor, diversos países decidiram rever o tema diante do cenário econômico turbulento. Ele lembra que, sem revisão desse tópico, as mudanças poderão afetar o sistema como um todo e promover a retirada de patrocínio em alguns fundos fechados. Em relação à tábua atuarial, defende a autoregulação do sistema. “Se o gestor tem um limite mínimo e ele não for aderente à realidade de uma fundação, ele deve ter a liberdade de provar sua situação, apresentar suas premissas e ser livre para não seguir a regra, sempre é claro, quando for responsabilizado. Isso faz toda a diferença na gestão de custos”, afirma.
Apesar das ponderações do mercado, Rangel destaca que as novas regras devem criar condições de garantia e solvência que tranquilizem todos os participantes no médio e longo prazo, e não apenas os gestores das fundações. “Queremos que o ato de gestão seja próprio de cada entidade e não há intenção que isso ocorra por decreto, mas o governo deve garantir a sustentabilidade do sistema e a segurança dos participantes”, afirma.