Edição 149
O sistema de fundos de pensão discute uma proposta elaborada pelo Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC) que introduz princípios de governança corporativa no cotidiano das fundações. A proposta da CGPC, cuja discussão ainda está restrita à Abrapp, deve ser ampliada também à outras entidades com assento no Conselho a partir de setembro.
A minuta está sendo debatida em comissões da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e também com advogados e atuários. Uma consulta pública foi descartada pelo diretor de fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Waldemir Bargieri, pois o órgão não teria estrutura para organizar todas as propostas.
Para ampliar a discussão, é intenção chamar outros representantes do setor, como a Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar) e Associação dos Fundos de Pensão das Empresas Privadas (Apep). “Esta preocupação é importante porque não queremos criar um arcabouço regulatório que resulte em ônus às entidades com menor estrutura”, diz Bargieri.
Salvo alterações que poderão surgir durante a discussão do tema, o documento propõe que as fundações elaborem o seu próprio plano de adequação aos princípios e regras de governança e entreguem seu cronograma até o próximo dia 31 de dezembro. A implementação do projeto deverá estar concluída até o final do ano de 2005.
A proposta é institucionalizar os mecanismos de gerenciamento de riscos. Reis adianta que um dos pontos do documento diz respeito ao funcionamento dos órgãos estatutários, isto é, como devem funcionar adequadamente os conselhos deliberativo e fiscal e a diretoria-executiva e quais suas atribuições. “É uma forma de se ter ambientes de controle, ou de auto-controle, no interior do próprio fundo de pensão. O sistema já vem se profissionalizando, mas ainda é possível avançar”, afirma.
Para Reis, trata-se de uma concepção de supervisão focada na prevenção, e não na repressão. A minuta propõe que próprio fundo deve criar ferramentas de neutralização de riscos, levando em conta o perfil da entidade, seu porte e modelo de gestão.
A minuta é inspirada na Resolução 2.554/98, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que define regras para o sistema financeiro. O documento tem seis pontos básicos no que se refere a risco: ambiente de controle, metodologia, verificação, avaliação, controle e monitoramento. Embora a resolução do CMN tenha sido a inspiração, o resultado é uma adaptação profunda ao sistema de previdência complementar.
As recomendações da minuta em discussão não trazem grandes inovações. Para o presidente da Sistel, Wilson Carlos Duarte Delfino, embora pareça um grande resumo das Leis 108 e 109, que regulam o funcionamento dos fundos de pensão, a minuta é, a seu ver, uma iniciativa formal de colocar a governança corporativa nas entidades fechadas de previdência complementar.
“É preciso entender que existe uma preocupação dos órgãos reguladores de conceituar como a governança deve fazer parte da vida das fundações, uma vez que este princípio tem sido há muito tempo discutido, mas de forma dispersa”, afirma. “A ressalva que faço é que a Resolução da CGPC poderia já explicitar a separação apropriada de funções. Por exemplo: quem está investindo não deve controlar o risco. Em algumas entidades, as duas funções ficam misturadas em uma diretoria só”. O lado positivo e forte, segundo Delfino, é a adoção da transparência de forma explícita. “A mesma transparência exigida pelo sistema das empresas das quais participa”.
Para Bargieri, a Resolução cumpre uma espécie de ritual, já que, segundo o diretor da SPC, no Brasil, as leis são aplicadas após serem ‘traduzidas’ em forma de normativos menores, tipo Resoluções, Instruções Normativas e Portarias. “O que parece óbvio e imprescindível para a boa saúde dos planos está causando uma razoável polêmica”, afirma.
Conselho Fiscal – As discussões mais acaloradas referem-se ao funcionamento do Conselho Fiscal que, segundo alguns representantes, terá ‘poderes’ demais; há quem ache que o participante terá muitas regalias, em detrimento do patrocinador.
Outros acreditam ser irrelevante realçar no texto da minuta que a lavagem de dinheiro é crime. “Não é atribuição do fundo de pensão acompanhar e detectar isso. Esta é uma questão do Banco Central (BC). Lógico que os dirigentes do fundo devem se precaver, mas tem competências que não se pode delegar e essa é uma delas”, diz José Ricardo Sasseron, presidente da Anapar.
“O sistema reclama do excesso de regras e pede mais liberdade, pede auto-regulação, mas quando se dá mais liberdade, com uma Resolução flexível e prudencial como essa, muitos dirigentes e conselheiros reclamam e pedem ‘regras mais claras’, ou seja, menos prudenciais e mais quantitativas”, aponta Bargieri. “Na verdade, têm medo que deixemos de tutelá-los e que cobremos mais responsabilidades. É mais fácil cumprir tabelas do que seguir diretrizes”.
Desde a posse de Reis na SPC, a estratégia da secretaria é fiscalizar mais e regular menos, exigindo, simultaneamente, melhores controles internos e mais transparência. Uma das questões que há muito tempo persiste no dia-a-dia dos dirigentes de fundos de pensão e que devem ‘cair’ com a divulgação da Resolução são os 15% referentes às despesas administrativas. O documento apenas aconselha que as entidades evitem desperdícios e a prática de custos incompatíveis.
Este item pode resolver o problema de inúmeros fundos que, em fase madura, são obrigados a colocar os custos na ponta do lápis, seguindo a Resolução 01/78. A norma limita as despesas relativas à administração e operação das entidades a 15% do total das receitas de contribuição (das patrocinadoras e dos participantes) previstas no exercício, não consideradas as despesas decorrentes das aplicações.
A voz dos interlocutores – Ricardo Malavazi, diretor financeiro e de investimentos da Petros, acredita que a Resolução é necessária porque aponta algumas definições para certos princípios que constam das leis 108 e 109 e, ainda, da Resolução 3.121, do CMN. “A SPC está conduzindo esta discussão de forma extremamente saudável, chamando o sistema para debater algumas visões e fugir dos riscos de interpretações errôneas. Na prática, pode ser um processo mais demorado, mas que formam regras mais duradouras. A Petros apóia totalmente”.
O diretor faz apenas um alerta: que o CGPC aprove um texto que deixe mais claro as atribuições das diversas instâncias de poder, como os conselhos deliberativo e fiscal. “Palavras dúbias podem criar indefinições e, em alguns casos, paralisia de algumas entidades”.
Algumas entidades ainda não tiveram acesso ao documento da SPC, para analisá-lo mais detalhadamente. É o caso da Apep. “Tive conhecimento da elaboração dessa Resolução em uma palestra dirigida ao sistema, feita por um membro da SPC”, afirma Paulo Tolentino de Souza Vieira, diretor da associação. “Regras mais prudenciais e menos mandatórias terão nosso apoio. Achamos mesmo que o sistema deve ser conduzido por medidas flexíveis, porque a previdência complementar é voluntária e a empresa, para aderir, tem que encontrar algo que a motive”.
Para Vieira, nenhuma empresa vai aderir ao sistema se houver regras burocráticas e onerosas. “Para o sistema crescer ele deve ser flexível, leve, fácil, enxuto e com menos obrigações e punições”. Toletino acredita que os fundos de pensão estão se robustecendo em termos de governança corporativa. “A minuta já me parece algo que realmente não tolhe a capacidade dos fundos e, por isso, é positiva”.
Sasseron, da Anapar, já viu a minuta e entende que ela procura organizar e dar direcionamento a uma estrutura mínima de governança corporativa dos fundos de pensão. Entre os pontos positivos, Sasseron destaca a importância que a minuta dá ao Conselho Fiscal, uma vez que a própria legislação entende que o Conselho é um órgão de controle externo. “A minuta reforça essa importância maior para o Conselho Fiscal, conforme prevê a própria 3.121”.
Quanto ao quesito de governança corporativa propriamente dito, Sasseron afirma que a minuta tem um aspecto vago e que ela poderia se aprofundar no tema. “Grande parte da minuta transcreve o que já está na lei e em outras resoluções. Mas a SPC deve ter objetivado aprofundar mecanismos de gestão e a própria compilação das leis já existentes”. O presidente da Anapar afirma que a associação ainda vai discutir a minuta com a SPC, mas não adiantou o que acrescentaria à minuta. “Prefiro tratar isso diretamente com a Secretaria”.
Entretanto, Sasseron disse que já ouviu reclamações de fundos de pensão que acham a minuta pouco flexível, ao contrário do que prega a SPC. “Essa minuta, ao mesmo tempo em que compila, ela deixa claro no papel as exigências de governança e, ao fazer isso, muitos dirigentes de fundos de pensão que têm controle na empresa não gostam. Exemplo disso é o artigo que trata da informação clara para o participante”.
Principais temas das discussões
– Recomenda-se que os fundos de pensão criem um código de ética e conduta e que o documento seja distribuído a todos os funcionários da entidade;
– A todos os funcionários das fundações, de qualquer nível, é imprescindível a competência técnica e gerencial. O estatuto e o regimento interno poderão, no entanto, prever a terceirização de serviços especializados, desde que comprovadas a necessidade e qualificação das empresas e profissionais contratados;
– Dos estatutos devem constar, de forma clara, a composição dos conselhos fiscal e deliberativo, assim como a duração dos mandatos dos conselheiros, prazos e formas de substituição de seus membros;
– O conselho deliberativo poderá instituir auditoria interna para avaliar os controles internos das fundações;
– Recomenda-se que as fundações mantenham estrutura adequada para manter o bom funcionamento do plano, evitando desperdícios ou custos incompatíveis com o seu tamanho e patrimônio;
– Os gestores devem avaliar riscos baseados em princípios de prudência e conservadorismo. Possíveis perdas devem ser provisionadas;
– Os parceiros de negócios devem ser escolhidos de forma rígida, para evitar que a entidade seja envolvida em esquemas de lavagem de dinheiro;
– Caberá ao conselho fiscal emitir relatórios, no mínimo a cada seis meses, que indique se há deficiências e seus responsáveis;
– Caso os controles internos sejam insuficientes, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) poderá indicar limites mais restritivos, até que as deficiências sejam resolvidas;
– É responsabilidade da fundação elaborar, até 31 de dezembro de 2004, o plano e cronograma de adequação da entidade aos princípios de governança;
– A implementação deste plano deverá estar concluída até 31 de dezembro de 2005.