Edição 160
Após amargar consecutivos prejuízos, a mineradora volta a operar no azul e a atrair interessados, com o aumento das exportações e investimentos feitos com geração de caixa
Ela já foi apelidada de “Paranaproblema” e “Paraquedapena” pelos operadores do mercado acionário. Seus papéis quase viraram pó: saíram de R$ 34,38, há dez anos, para a mínima de R$ 1,42 em fevereiro de 2003. Nesse período, várias foram as tentativas da sócia majoritária Previ para reverter a crise. Contrataram consultorias, trocaram dirigentes, tentaram empréstimos, buscaram sócios e até colocaram a mineradora à venda. Resultado: anos e anos de prejuízos consecutivos.
Em novembro de 2003, porém, a chegada de Geraldo Haenel conseguiu virar esse jogo. No ano seguinte, a Paranapanema quebrou o jejum, com R$ 209,7 milhões de lucro operacional, e ganhou musculatura suficiente para dizer o engasgado “não” a pelo menos oito interessados em comprar o seu negócio. Uma das empresas que recebeu a negativa teria sido a própria CSN, que dez anos antes – quando da alienação do controle da Paranapanema a um pool de fundos de pensão – desistiu no último momento de entrar na sociedade, a exemplo da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
A CSN nega que tenha feito qualquer proposta à Paranapanema, mas uma fonte do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que preferiu não se identificar, confirmou à Investidor Ins-titucional que a siderúrgica manifestou sim, no ano passado, interesse em comprar uma das empresas da Paranapanema; a Mamoré Taboca. Não teria havido acordo devido ao preço ofertado e às condições do contrato – que garantiria suprimento de estanho a longo prazo para a CSN produzir a folha de flandres.
O próprio Haenel confirmou que a CSN tentou junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) adquirir as debêntures que o banco detém na holding em troca de ações na Mamoré. O executivo, entretanto, diz que a tentativa teria sido anterior a sua chegada à mineradora e que, desde então, se a CSN voltou a flertar a empresa o fez através de terceiros. “Alguns bancos realmente nos perguntaram se estávamos à venda e pode até ter sido a mando dela. Não sabemos muito bem. Mas a CSN teve a oportunidade e perdeu o bonde. Não estamos mais à venda”.
Como a CSN comprou há apenas dois meses a totalidade das ações da Estanho de Rondônia (Ersa), subdivisão da Cesbra, não seria surpreendente o interesse da siderúrgica pela Mamoré. “Nós produzimos cerca de 700 toneladas por mês de estanho e a CSN comprou a Ersa, que faz 50 toneladas ao mês. É menos de 10% do que fazemos. E ela pagou R$ 100 milhões na operação, o que quer dizer que devemos valer, no mínimo, R$ 1 bilhão”, calcula Haenel. O executivo avalia que a CSN possa ter encontrado dificuldades no fornecimento do estanho, já que a Mamoré decidiu destinar toda a sua produção ao exterior.
O BNDES “não confirma nem nega” a negociação. “Não vamos abrir essa informação porque esse tipo de operação, até que se concretize, ou não, é mantida sob sigilo bancário”, disse o superintendente de área de capital, Fábio Sotelino. De qualquer forma, o banco de fomento mantém os olhos atentos aos movimentos da Mamoré – até porque temeria, segundo uma fonte do setor, que a empresa seja abocanhada, a qualquer momento, pelo capital estrangeiro.
E, de fato, segundo Haenel, recentemente houve proposta oficial de um investidor externo para a compra da Mamoré. Ele não abriu o nome do interessado, mas informou que se tratava de um grupo “grande e forte”. Mas, apesar de as empresas que compõem a Paranapanema não estarem mais “na bacia das almas”, Haenel não descarta que a venda ocorra diante de uma boa oferta. “Tem que ser muito boa mesmo, porque os negócios estão girando bem”. A “boa” para o diretor-presidente seria, no mínimo, US$ 1,5 bilhão pelas empresas da Paranapanema.
Afinal, calcula ele, a Caraíba, que produz cobre, valeria hoje cerca de US$ 1 bilhão; a Eluma, que processa o cobre, estaria cotada em torno de US$ 400 milhões; a Mamoré, do estanho, em US$ 300 milhões, enquanto a Cibrafér-til, de fertilizantes, custaria cerca de US$ 60 milhões. “Se subtrairmos as de-bêntures, que estão na faixa de US$ 350 milhões – a um dólar de R$ 2,50 –, chegamos a pelo menos US$ 1,5 bilhão como valor de negócio”, diz.
As debêntures, aliás, são o maior desafio da Paranapanema neste ano. Um terço desses papéis, com vencimento até o final de 2004, está nas mãos do BNDES. A proposta, segundo Haenel, é de que a dívida seja convertida em ações da holding, mas o banco de fomento não parece muito disposto a aceitar a operação e apenas acena para um alongamento da dívida por mais cinco anos.
Oficialmente, o BNDES não quis se manifestar a respeito por entender que a negociação está em curso. Já os demais debenturistas, incluindo a própria Previ, estariam, segundo Haenel, propensos a aceitar a conversão, que também ocorreria nesse ano – embora seus papéis só vençam em 2007.
Sinergia – A mudança de rota na Paranapanema exigiu, em primeiro lugar, um novo modelo de gestão, no qual a sinergia tornou-se a palavra de ordem. Acabou o cabide de empregos e o desperdício de dinheiro. Antes, conta Haenel, não só a holding como também cada uma de suas unidades operacionais mantinham as mesmas estruturas. Havia gerente para tudo quanto é área.
Já o novo modelo trouxe para a holding exatamente as administrações que eram comuns a todas as unidades operacionais, tornando-as apenas centros de lucros. “Para isso elas têm que fazer o que sabem: a parte industrial e comercial. Ou seja, produzir dentro do menor custo com a maior variedade e o melhor preço”.
O enxugamento administrativo da empresa ocasionou uma economia de cerca de R$ 2 milhões mensais. Em 2003 os gastos chegavam a R$ 5,1 milhões; no ano seguinte caíram para R$ 3,2 milhões e, neste ano, Haenel estima bater em R$ 3 milhões, incluindo aí o dissídio coletivo da categoria.
Outro fator que respondeu por uma significativa economia de gastos foi a mudança da sede da holding de um luxuoso prédio no Rio de Janeiro para dentro da fábrica da Eluma, em Santo André (SP) – onde há espaço de sobra. Nessa mudança, ficaram pelo cami-nho 46 empregados; só seis vieram para a nova sede em São Paulo.
A Paranapanema chegou a ter 73 empresas, a maioria delas apenas no papel. E muita mordomia. Antes da chegada de Haenel, a empresa dispunha até de uma mansão em Brasília, usada para lobby e com quase uma dezena de empregados para a sua manutenção. Hoje, a Paranapanema ainda tem 20 empresas e a meta é chegar a uma só: a holding e suas quatro unidades.
Mas tudo dependerá de um planejamento tributário – já que o prejuízo fiscal de uma empresa é abatido do Imposto de Renda – e quem sabe, diz Haenel, até de um novo Refis (Programa de Recupe-ração Fiscal) só para dívidas de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Na Paranapanema, o reconhecimento dessa dívida no ano passado chegou a R$ 250 milhões, ao passo que o passivo do IPI no Brasil é de R$ 30 bilhões.
Comércio – Haenel conta, ainda, que houve uma diminuição nas importações. Em 2003, a Paranapanema comprava cerca de US$ 400 milhões, entre minério de cobre, rocha fosfática, cátodos de cobre e equipamentos e, hoje, esse número foi reduzido em 12%. Por outro lado, diz, as exportações da holding cresceram de US$ 141 milhões em 2003 para US$ 405 milhões no ano passado. E a meta para 2005, informa, é bater em US$ 500 milhões.
A Caraíba, por exemplo, exportou no ano passado 40% da produção e para este ano pretende atingir 48%. Em função disso, a Paranapanema, que já vende confortavelmente para Estados Unidos, Canadá e alguns países da América Latina, fez em junho o primeiro embarque de cobre primário para a China. “Até como prospecção de mercado”, diz Haenel.
Na Eluma, que não exportava nada, hoje vende ao mercado externo 12% de sua produção e o objetivo é alcançar entre 20% e 25% até dezembro, já que a unidade aumentou sua capacidade de quatro mil toneladas para seis mil toneladas de cobre processado. Outra que teve a capacidade aumentada, de 190 mil toneladas para 290 mil toneladas de fertilizantes, foi a Cibrafértil.
A contenção de gastos e o foco no mercado externo – atuando até como um seguro contra as oscilações cambiais e a volátil demanda do mercado interno – permitiram à Paranapanema elevar o seu faturamento de R$ 540 milhões em 2003 para US$ 1,1 bilhão em 2004. Para este ano, a estimativa é faturar US$ 1,2 bilhão.
O capital de giro, consolidado, também cresceu: de R$ 427,0 milhões em dezembro de 2003 para R$ 832,0 milhões em dezembro de 2004, enquanto que a dívida da holding passou, no mesmo período, de R$ 1,2 bilhão para R$ 1,3 bilhão. Ou seja, entrou quatro vez mais dinheiro no caixa do que saiu de dívida.
Expansão – Para aumentar a capacidade de produção de suas unidades, a Paranapanema prepara junto a grupos estrangeiros dois “projects finance”, ou seja, modelos estruturados de empréstimos onde o financiamento para expansão se dá mediante a entrega de parte da produção.
Até o final do ano, serão anunciados US$ 110 milhões para a Caraíba e US$ 56 milhões para a Mamoré Taboca, onde o grupo que aportará o financiamento ficará com dois terços da produção em uma das linhas, por cinco anos, e em outra linha, por sete anos. Cada linha produz cerca de 3,5 mil toneladas de estanho – que está cotado na Bolsa de Metais de Londres acima de US$ 8 mil a tonelada.
No caso da Mamoré, os recursos servirão para dobrar a produção do projeto Rocha Sã, que, após anos andando em marcha lenta por falta de recursos para investimento, deverá ser concluído até o final de 2005 – o que deve fazer com que a Mamoré abandone a coleta dos rejeitos do aluvião.
O projeto Rocha Sã, que só neste ano recebeu R$ 31 milhões em recursos do próprio caixa da holding, consiste exatamente na mudança da extração do minério de cassiterita do aluvião (feitos nos leitos dos rios e igarapés) para a rocha primária. Hoje, o Rocha Sã opera com 50% da sua capacidade.
Para a holding, a saída de vez do processo de aluvião é um ganho não só em qualidade e agilidade, como também na diminuição dos riscos de disputas territoriais. Há oito anos, a Paranapanema já havia perdido a maior mina de cassiterita a céu aberto do mundo – a de Bom Futuro, em Rondônia –, para cinco mil garimpeiros. E que estão lá até hoje, apesar de a mina já ter entrado em processo de exaustão.
O caso não representou grandes perdas para a Paranapanema. Até porque fontes consultadas pela reportagem garantem que durante todo esse tempo, e sob acompanhamento da Polícia Federal, os garimpeiros venderam à holding todo o minério extraído. Sem contar que a região é o maior foco de malária do mundo, o que se tornou um problema a menos para a Paranapanema.
Já o risco de disputa pela terra não ocorre na mina de Pitinga em Presidente Figueiredo, a 300 km ao Norte de Manaus, onde trabalham cerca de 870 empregados e 400 terceirizados da Paranapanema. Haenel revela que no entorno dessa mina há uma reserva indígena e a holging chega a pagar um “pedágio mensal” de R$ 70 mil para que os índios vaimiris-atroaris “tomem conta” do território.
“Os índios não deixam ninguém entrar. Quem tentou, já morreu. Eles são os nossos guardas. Chegam até a fechar a estrada asfaltada à noite”, admite Haenel, diretor-presidente. Com proteção indígena e o Rocha Sã funcionando a todo vapor a partir de 2006, a mina de Pitinga tem mais cem anos de exploração. Período que poderá ser reduzido à metade com a injeção de recursos do project finance.
Cotações – Além de um novo modelo de gestão, e do ingresso de US$ 20 milhões referente à venda das reservas de bauxita da Pitinga à Vale, a Paranapanema contou com os bons ventos dos preços dos metais não-ferrosos, já que o crescimento mundial tem ocasionado um aumento da demanda.
Em 2003, a tonelada do cobre custava, em média, US$ 1.779. No ano seguinte subia para US$ 2.986 e de janeiro a maio deste ano estava na média de US$ 3.289. Na mesma comparação de períodos, a tonelada média do estanho passou de US$ 4.900 para US$ 8.900 e US$ 8.105.
Por outro lado, a apreciação do real frente ao dólar pouco afetou os negócios consolidados da Paranapanema, já que os mercados em que opera são regulados pela Bolsa de Metais de Londres. Em outras palavras, a holding compra e vende em dólar. Este, entretanto, não é o caso da Mamoré Taboca, que exporta 100% da produção e tem seus custos em reais. A mineradora, porém, tem compensado essa perda com o aumento do preço do estanho.
Já a Cibrafértil não encontra essa alça. Os preços das commodities agrícolas caíram muito e as projeções apontam para uma produção em 2005 de, no máximo, 18 milhões de toneladas de fertilizantes, enquanto em 2004 foram produzidas 23 milhões de toneladas. Mas Haenel aposta que pode recuperar essas margens, uma vez que a plantação na região Norte começa no final desse mês e no Sul, a partir de agosto.
Além disso, mesmo que pouco rentável, há que se considerar a importância estratégica da Cibrafértil, que consome as 500 mil toneladas de ácido sulfúrico produzido da Caraíba. Sem essa “garantia operacional” a Caraíba não poderia produzir o cobre, pois não pode soltar o gás enxofre na atmosfera.
Haenel, 60 anos, veio da Riocell, divisão de celulose do grupo Klabin, à convite da Previ através de um processo headhunter (caça-talento), conforme informou o diretor de investimentos da Previ, Luiz Carlos Aguiar. “Ainda temos um forte trabalho de casa para fazer, mas temos a expectativa de que a Paranapanema volte a ser a menina dos olhos do mercado de capitais”, diz o dirigente.
A Previ é hoje a maior investidora individual do mundo nos setores de mineração e de siderurgia. São cerca de R$ 15 bilhões investidos em companhias do setor, segundo dados da consultoria McKinsey.
O fim do sonho da Vale dos não-ferrosos
A Paranapanema foi criada em 1961 para operações em construção civil pesada. Em 1965, ingressou na área de mineração. A empresa abriu capital em 1971 e enfrentou sua maior crise no início dos anos 90 com a retração dos investimentos do setor público em obras e a depressão dos preços do estanho no mercado internacional.
A crise foi agravada com a valorização da moeda nacional durante a implantação do Plano Real, a partir de julho de 1994, o que prejudicou suas exportações. Essa situação, aliada à morte do seu fundador, Otávio Lacombe, levou a empresa a alienar o capital em 1995.
O projeto foi apresentado a um pool de fundos de pensão – Previ, Petros, Aerus, Sistel e Telos – além da Vale, CSN e Anglo American. No último momento, porém, a Vale deu para trás; movimento que foi seguido pelas outras duas empresas. Já os fundos de pensão, como não tinham mais como recuar do negócio, arremataram a Paranapanema por US$ 110 milhões (em valores da época).
E ficaram à frente do negócio, sem expertise e sem dinheiro – já que o montante foi pago com o que havia no caixa das próprias empresas. O BNDES também acabou entrando no negócio, mas como credor e não como acionista, pois trocara as debêntures que tinha na antiga Paranapanema pela nova.
No ano seguinte, em 1996, a Paranapanema descontinuou as atividades em construção civil e adquiriu a Paraibuna, de zinco, a partir da emissão de debêntures conversíveis. Essa empresa foi vendida em 2001 para o grupo Votorantim por R$ 106 milhões, o que enterrou de vez o sonho de se criar uma Vale dos não-ferrosos.