Edição 153
A queda-de-braço promete. De um lado, os fundos de pensão e, mais precisamente, seus R$ 115 milhões aplicados em fundos exclusivos. Do outro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, com a Instrução 409, impede que as fundações façam a gestão destes fundos. A Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) já comprou essa briga e, não só se reuniu imediatamente com a xerife do mercado de capitais, como também enviou à autarquia uma extensa carta explicando por “a mais b” porque entende ter o direito de comandar esses recursos.
Antes da Instrução 409, quando cabia ao Banco Central (BC) a regulação dos fundos de renda fixa, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) podiam gerir os recursos destes fundos, uma vez que a autoridade monetária exigia apenas o credenciamento do administrador e não do gestor do fundo. Agora, a CVM – que passa a regular todos os fundos de investimento do mercado, e não só os de renda variável – exige que tanto um quanto o outro sejam por ela credenciados na qualidade de “administradores de carteira de valores mobiliários”.
Alguns fundos de pensão, então, foram à CVM preencher o credenciamento. Retornaram com um “não” do tamanho da Lei Complementar 109, que, em seu artigo 32, veda qualquer prestação de serviço por parte das fundações, que não seja a administração e execução dos planos de benefícios de natureza previdenciária. Não se fala, portanto, da natureza de valores mobiliários – embora a Abrapp entenda que tais serviços estejam implícitos no escopo do trabalho da fundação. Na letra da lei, porém, sem que a atividade conste no objeto social da pessoa jurídica não há credenciamento.
Para agravar ainda mais a ira dos fundos de pensão, descobriu-se que em 1998 a própria CVM fez uma deliberação, de número 244, que dispensa as seguradoras e entidades abertas de previdência privada desse credenciamento. “Estender essa dispensa às entidades fechadas de previdência que, à semelhança daquelas instituições são consideradas investidores qualificados, é uma questão de justiça, pois daria um tratamento isonômico aos dois segmentos”, defende o presidente da Abrapp, Fernando Pimentel, em carta enviada à CVM no final de novembro.
Decisão difícil – O presidente da CVM, Marcelo Trindade, reconhece que o argumento pesa a favor da pretensão da Abrapp, mas mesmo assim não decide o pleito. “À época dessa deliberação, certamente a CVM levou em consideração toda a regulação do mercado segurador e de previdência aberta garantida pela Susep [Superintendência de Seguros Privados]”, avalia. Afinal, as seguradoras e as abertas são instituições financeiras e, mal ou bem, caso enfrentem problemas financeiros, trazem sempre um responsável legal.
No caso das fundações também há um membro da diretoria-executiva responsável pela aplicação dos recursos da entidade, mas nunca é demais lembrar que fundo de pensão não quebra; entra em déficit. E quem acaba equacionando a conta é o participante que, ora tem a contribuição aumentada, ora tem o benefício reduzido.
E é exatamente por ser um “assunto complexo”, como classifica Trindade, que a CVM não chegou a uma conclusão à respeito, embora esteja sensível à reivindicação da Abrapp. “A CVM sabe que têm fundações com administradores muito capazes, mas nem todos fundos de pensão são iguais”, diz Trindade. Sem definir um prazo para um posicionamento acerca do tema, o presidente da CVM informa que estuda algumas opções, como a de admitir o credenciamento das fundações em caráter excepcional, desde que o administrador torne-se responsável perante a autarquia.
Seja como for, os fundos de pensão não abrem mão da prerrogativa de fazer a gestão de seus investimentos. “Se tivermos que contratar um gestor externo para o fundo exclusivo, o custo irá subir. Nós temos que ter a oportunidade de decidir o que queremos, de acordo com a estrutura e o tamanho de cada um”, defende o diretor-superintendente da Previma (fundação da Andima) e diretor da Abrapp, Antonio Jorge. Ele avalia que as fundações podem ter fundos exclusivos com total transparência. “É o que queremos para evitar que nos chamem de caixa-preta. Estou cansado disso”, desabafa.
O diretor de investimentos da Braslight, Márcio Jardim, concorda. “Nós não queremos que a Instrução da CVM nos leve a ter um fundo exclusivo de ‘bandeira’. Queremos transparência”, diz ele, da fundação que tem patrocínio da própria Braslight e Light Serviços de Eletricidade. Esses fundos, também conhecidos como “barriga de aluguel”, contratam um administrador que aparentemente faz a gestão dos recursos, mas na prática quem manda mesmo na carteira é o próprio cotista. Tal acordo, além de trazer um risco para a instituição que atua como “fachada”, ainda comprime as taxas de gestão, já que não dá para se cobrar muito por um serviço que ela sequer executa.
Custos em alta – A autarquia nunca foi muito simpática à idéia de haver um fundo com um único cotista, como ocorre com os fundos exclusivos. Criados com o intuito de evitar o pagamento de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) na movimentação dos recursos, os fundos exclusivos perderam a atratividade com a entrada em vigor da conta-investimento, em outubro.
Por isso, há quem ache que a CVM, aos poucos, buscará desestimular a utilização desses fundos e uma forma seria aumentando os seus custos.
Parte dessa alta já se deu através da Medida Provisória (MP) número 221, de 1º de outubro deste ano. A partir de agora, todos os fundos regulados pela CVM passarão a pagar taxa de fiscalização de forma trimestral e com base na média diária do patrimônio líquido referente ao trimestre imediatamente anterior. A CVM não quis se pronunciar a respeito. Já a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) também evita falar sobre o assunto e o seu diretor de investimentos, Ricardo Pena Pinheiro, informa apenas que “a posição da SPC é a da CVM”. “O que a autarquia decidir está bom. Quem regula o mercado de capitais é ela e o pleito foi endereçado à ela”, diz.
Nova roupagem da 409
A Instrução 409 da CVM, de 18 de agosto de 2004, teve alguns parágrafos alterados pela Instrução 411, de 25 de novembro. Confira as principais mudanças da nova “Bíblia” dos fundos de investimentos:
• O prazo para os fundos de investimentos adaptarem seus regulamentos passou de 31 de dezembro de 2004 para 31 de janeiro de 2005.
• Os fundos de investimentos terão mais dois meses, até 31 de março, para aprovar as mudanças junto as cotistas e colocar em vigor as alterações.
• Fundos de curto prazo passam a poder comprar papéis privados desde que as agências de rating classifiquem os emissores como sendo de baixo risco de crédito.
• O gestor ganha a permissão de fazer a cisão (divisão) do fundo sem a necessidade de chamar assembléia, bem como passa a poder reabrir uma carteira para saques antes mesmo da assembléia.
• Os fundos podem contratar empresas de rating, desde que autorizados por assembléia e desde que seu custo esteja incluído na taxa de administração.
• Poderá ser feita a transferência de cotas de fundos abertos para execução de garantias.
• Para os fundos que aplicam em outros fundos foram estabelecidas taxas mínimas e máximas de administração. A mínima será a taxa do próprio Fundo de Aplicação em Cotas (FAC) e a máxima incluirá as taxas dos demais fundos.
• Nas assembléias onde houver unanimidade nas decisões não haverá mais a necessidade de se esperar 30 dias para que as mudanças entrem em vigor.
• Gestores e custodiantes também passam a ter o direito de convocar assembléias.
• Os fundos de investimento vão ter que definir, em caso de resgate da cota pelo valor do dia anterior, quem pagará a diferença que acontecer até o fechamento do dia: se o cotista ou o fundo.
• O investidor qualificado antes da publicação da 409 terá o direito de continuar nos fundos onde está. Somente quem trocar de aplicação terá de obedecer ao novo limite, de R$ 300 mil de aplicação mínima.