Mudando de casa | CVM confirma a necessidade das empresas de capi...

Edição 139

Há três meses do final do ano, uma pequena revolução está em gestação no mundo corporativo. A Instrução 308 da CVM está obrigando as empresas de capital aberto, a partir do ano que vem, a mudar de empresa de auditoria externa a cada cinco anos. Como a maioria delas já convive com a mesma auditoria há mais tempo que isso, a nova regra deve provocar um verdadeiro troca-troca nas carteiras das principais auditorias já em 2004.
Calcula-se que cerca da metade das empresas de capital aberto terão que mudar para outra auditoria no ano que vem. Isso está mexendo com os nervos das auditorias, principalmente das maiores – Price, Deloitte, KPMG e Ernst &Young. Acostumadas a analisar os números dos seus clientes, elas agora estão olhando os próprios números para ver quanto ganharão ou perderão com o rodízio, num mercado que estima-se movimentar algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão anuais em honorários.
Imagina-se que as mais prejudicadas com o rodízio serão a PricewaterhouseCoopers e a Deloitte Touche Tohmatsu, que possuem as maiores carteiras de clientes e por isso vão perder mais empresas na hora da troca. A KPMG e a Ernst & Young, no entanto, não tem muito do que reclamar. Ambas vão abrir mão de poucos clientes, já que possuem carteiras bem menores, e esperam conquistar uma boa parte das empresas que abandonarem a Price ou a Deloitte.
A Price deverá perder, já em 2004, cerca de 60 clientes dos 130 para as quais presta auditoria atualmente. Apenas as empresas que já trocaram de auditoria nos últimos cinco anos não precisarão mudar no ano que vem. A Price, no entanto, espera conquistar um número igual de novos clientes, vindos principalmente da sua maior concorrente, a Deloitte. “Deve ocorrer uma espécie de ‘swap’ (troca) de clientes entre as duas maiores auditorias”, diz Henrique Luz, sócio da Price. Ele acredita que as grandes companhias abertas dificilmente vão optar por auditorias menores. “No final, será um jogo de soma zero entre as grandes auditorias”, completa Luz.
Essa pretensão da Price, de abocanhar um número significativo dos clientes da Deloitte, pode ir por água abaixo dependendo da decisão da CVM com relação ao caso Deloitte/Arthur Andersen. No ano passado, a Deloitte incorporou grande parte dos profissionais da Andersen, juntamente com sua carteira de clientes. A CVM está analisando se as empresas que vieram da Andersen para a Deloitte precisam ou não trocar de auditoria.
Segundo o presidente da CVM, Luiz Leonardo Cantidiano, estuda-se dispensar a troca desde que haja um rodízio dentro da equipe da auditoria, para impedir que as companhias que vieram da Andensen continuem sendo atendidas pela mesma equipe. Entretanto, nenhuma decisão foi ainda tomada pelo órgão fiscalizador. “A Deloitte terá cumprido o espírito do rodízio se houver a troca interna das equipes”, disse o presidente da CVM. “Mas ainda estamos estudando o assunto”.
A decisão valeria apenas para as empresas que vieram da Andersen, já que os clientes antigos da Deloitte serão obrigados a fazer o rodízio. Pelos cálculos do presidente da Deloitte, Alcides Hellmeister Filho, a empresa deve perder entre 30% a 40% da sua carteira de clientes. Segundo ele, os clientes que vieram da Andersen já passaram por uma espécie de rodízio na mudança, o que tornaria desnecessária nova alteração.
A posição da CVM, aparentemente favorável à Deloitte, está causando polêmica principalmente entre as três outras grandes auditorias, que esperam fisgar os clientes que eram da Andersen. “Seria uma enorme desmoralização da CVM aceitar o pleito da Deloitte, pois estaria prejudicando todas as outras auditorias em prol de uma”, diz o presidente da Price. Na visão dele, se a CVM permitir que a Deloitte faça apenas a troca de equipes estará se contradizendo e, ao mesmo tempo, concordando com a idéia tão defendida pelas grandes auditorias de que apenas o rodízio interno das equipes seria suficiente.
“A CVM estará usando dois pesos e duas medidas se tratar o caso da Deloitte de maneira diferenciada”, diz Sérgio Citeroni, sócio da Ernst & Young, umas das que mais deve ganhar mercado com o rodízio. “Não concordamos com o rodízio, mas vamos aproveitar essa oportunidade que teremos de aumentar nossa participação no Brasil”, completa Citeroni.
A Ernst & Young atende hoje entre 25 e 30 grupos de empresas, bem menos do que as duas primeiras auditorias do ranking, e irá perder 80% desse total no primeiro ano de rodízio. Os planos, no entanto, são de recuperar esse percentual e ainda acrescentar 50% à carteira atual. “Vamos fechar o ano que vem com cerca de 45 grupos de companhias”, diz Citeroni.
A KPMG é a outra empresa que deve sair ganhando com toda essa troca de auditorias. Ela atende 36 clientes e deve perder 40% disso já em 2004. Mas, assim como a sua concorrente direta Ernst & Young, ela também pretender repor essa lacuna e acrescentar mais 40% de novos clientes. Segundo o sócio da KPMG, Pedro Melo, o mercado já começou a se mexer à procura de novas empresas de auditoria. “Nas últimas semanas cresceu muito o número de companhias pedindo propostas de auditoria”, diz Melo. Apesar de estar otimista, Melo ainda mantém um certo conservadorismo sobre quanto a KPMG deve ganhar de mercado, já que reconhece que as grandes companhias abertas dificilmente saem das duas maiores auditorias e, no caso das multinacionais, de manter a mesma auditoria no mundo inteiro.

Poucos países – Apesar da disputa que travam para abocanhar os clientes das concorrentes, as grandes auditorias condenam o rodízio de firmas. Elas argumentam que apenas Índia, Qatar, Equador e Lituânia adotam esse tipo de rodízio. Nos EUA, onde o assunto também esteve em pauta nos últimos tempos, a proposta de realizar o rodízio de firmas foi substituída no Congresso pelo rodízio de equipes dentro da mesma auditoria, a cada cinco anos, exatamente o que defendem no Brasil.
Elas também alegam que a troca de firmas comprometerá a qualidade do trabalho, uma vez que elimina o conhecimento que a auditoria acumula da empresa. Luz, da Price, lembra que um estudo feito na Itália comprova que 75% das fraudes ou erros contábeis ocorrem nos dois primeiros anos de auditoria, segundo ele, em grande parte pela falta de conhecimento sobre a empresa. “A CVM está querendo expor as empresas brasileiras a esse nível de risco”, diz Luz. Isso, em tese, não aconteceria com a troca de equipe já que o conhecimento seria apenas transferido de um grupo de profissionais para outro da mesma auditoria.
A gritaria das auditorias sensibilizou a CVM, que resolveu reanalisar a necessidade do rodízio de auditoria mas acabou mantendo intacta a Instrução editada em 1999. Dentro da autarquia havia quem se mostrasse mais flexível em discutir o assunto, como o próprio presidente Cantidiano e o diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos. Já outros, como a diretora Norma Parente, eram irredutíveis na idéia de manter o rodízio conforme reza o texto da Instrução 308.
A visão que prevaleceu é que o rodízio das firmas de auditoria é extremamente salutar, evitando que o relacionamento entre empresa auditada e auditor seja duradouro demais o que acabaria criando uma espécie de “relaxamento” no trabalho de fiscalização dos números. Os fundos de pensão, administradoras de recursos e acionistas minoritários fizeram forte pressão para que o rodízio de firmas fosse mantido. Com isso, conseguiram que a decisão do colegiado da CVM, a favor da manutenção das regras, fosse unânime.
Cantidiano reconhece que derrubar a regra agora, depois de tanto tempo após ter sido publicada, poderia “arranhar a credibilidade” da CVM. “O mercado poderia interpretar que basta fazer uma pressão sobre a autarquia que ela volta atrás nas suas decisões”, disse o presidente, referindo-se à pressão feita pelas auditorias. “Mas não é assim que funciona”.
De quebra, a CVM está estudando a possibilidade de proibir também a troca de profissionais de uma auditoria para outra durante um período, para evitar que a mesma equipe continue atendendo seus clientes sob a bandeira de outra firma. “Estamos pensando nisso para garantir o espírito do rodízio, para evitar que ele se torne inócuo”, diz Cantidiano.

Preços devem cair
O rodízio de firmas de auditorias deve aumentar a competição dentro do setor e resultar numa provável queda dos honorários cobrados das empresas auditadas. Isso, que está sendo visto com otimismo pelos clientes, é uma fonte de preocupação para as auditorias. “Esse movimento de queda dos honorários já começou”, conta Sérgio Citeroni, sócio da Ernst & Young. “Em algumas concorrências feitas recentemente por grandes companhias abertas, auditorias de porte apresentaram propostas com valores até 50% menor que as demais”.
Para ele, a queda nos honorários cobrados poderá provocar uma piora na qualidade dos serviços. “É impossível uma auditoria com uma estrutura enorme fazer um trabalho bom cobrando a metade do valor das outras firmas com o mesmo porte que ela”, diz Citeroni.
Mas, esse movimento de redução de preços está em linha com o que ocorre hoje em quase todos os outros setores da economia, inclusive no de gestão de recursos de terceiros. Na área de gestão de recursos, as taxas de administração despencaram nos últimos anos, em conseqüência do aumento da concorrência entre as assets.