Edição 145
Em meio ao exercício diário de adequar as contas ao novo cenário de queda de juros, que inclui reformulações na política de investimento e busca de alternativas de aplicação, os gestores de fundos de pensão e seus assessores começam a questionar, também, um número que já faz parte da história das fundações: a meta atuarial de 6% ao ano.
Embora a legislação não exija o alcance desse porcentual, o regulamento da maioria das fundações aponta para este número – mais INPC ou IGP-M – como objetivo de rentabilidade para pagamento de compromissos futuros. De acordo com a lei, este patamar é limite e pode ser menor, como é o caso de diversos fundos de pensão criados a partir de 2001, sob o guarda-chuva da Lei 109. Destes, grande parte é patrocinada por empresas multinacionais que carregam um histórico de baixas taxas de juros em seus países de origem e, por isso, pode-se encontrar entre elas metas atuariais de até 3%.
Acredita-se que a adoção dos 6% para compor a meta atuarial foi copiada da caderneta de poupança, uma forte referência no início dos anos 70. Desde então, tem sido utilizado como base para rentabilidade do patrimônio dos participantes dos fundos de pensão para o pagamento das aposentadorias.
Queda dos juros – No entanto, este número vem sendo questionado no mesmo ritmo da queda da taxa básica de juros (Selic), uma reflexão entendida como natural pelos especialistas do setor. Em 2001, um estudo encomendado pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) à Fundação Getúlio Vargas (FGV), com o objetivo de detectar a solvência do sistema de previdência complementar fechado, apontou que a meta atuarial de 6% (mais IGP-M ou INPC) teria um “prazo de validade” de mais cinco anos.
Ou seja, de acordo com o levantamento, coordenado por Flavio Rabelo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, em 2006 os fundos de pensão já teriam que começar a rever este porcentual, ou seja, daqui dois anos. “Concluímos que a taxa de juros brasileira não é realista no longo prazo e, também, no cenário mundial. A tendência seria de queda, o que está realmente acontecendo. A revisão da meta atuarial é quase uma conseqüência disso”, explica Rabelo.
Embora o estudo tenha apontado o ano de 2006 como o de revisão de metas, o professor da FGV não está surpreso com a movimentação das fundações a partir de agora. “Este tipo de mudança não pode ser feita do dia para a noite, é um planejamento de longo prazo. Quanto mais cedo a preparação, melhor”, diz Rabelo. “Esta discussão acontece no momento em que os fundos de pensão estão voltados para a Asset Liability Management (ALM), que é a adequação do ativo e passivo. Quando isso acontece, é natural questionar a taxa de retorno de longo prazo”.
Outro apontamento feito pelo especialista está relacionado ao anunciado fim dos planos de Benefício Definido (BD), modalidade à qual a meta atuarial se aplica. “Em um cenário de 30 anos, que não é muito tempo quando se trata de fundações, podemos não ter mais esta discussão, devido ao encolhimento desta modalidade”. Nos planos de Contribuição Definida (CD) não existe a obrigatoriedade de alcançar um retorno determinado, uma vez que a fundação não tem um compromisso com o benefício pago. O participante receberá no futuro tudo o que contribuiu junto com a empresa patrocinadora e mais a taxa de retorno que o fundo de pensão conseguiu obter aplicando em ativos financeiros.
Largada – Uma das primeiras fundações a comunicar para a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) a redução da meta atuarial foi a Telos, 13º fundo de pensão em patrimônio, com R$ 2,3 bilhões. Em janeiro do ano passado, a fundação reduziu a meta de IGP-DI + 6% ao ano para 3% ao ano, argumentando que, com a queda da taxa de juros, a fundação poderia ter um déficit atuarial que colocaria em risco o pagamento dos benefícios.
Sabe-se, no entanto, que outras grandes entidades também estão fazendo suas contas. Uma fundação com meta de INPC + 6% ao ano, decidiu recentemente manter este objetivo pelos próximos 30 anos. Mas em suas projeções para os 20 anos subseqüentes reduz o porcentual para 5% e para os 30 anos restantes do plano diminui para 4%. Essas mudanças geraram um passivo atuarial, mas que foi coberto sem precisar fazer aumento de contribuição pois a fundação tinha uma reserva de contingência que cobriu a diferença do passivo.
Segundo Antonio Gazzoni, sócio da Gama Consultores, uma das maiores preocupações dos fundos em baixar a meta atuarial é justamente a possibilidade de aumentar o passivo da fundação. Em planos BD, a taxa de 6% ao ano define um determinado passivo, a ser usado para pagamentos futuros. Quando essa taxa diminui e reduz-se a expectativa de geração de rentabilidade, o passivo atuarial aumenta. Por exemplo: quando uma fundação tem R$ 1.000 de benefícios para pagar no futuro, a uma taxa de 10% precisa de R$ 900 para garantir esse pagamento. No entanto, para pagar o mesmo valor de R$ 1.000, a uma taxa de 5%, precisa de R$ 950 no presente.
A principal saída para cobrir um passivo maior é aumentar contribuição, o que nunca é um assunto agradável para a direção do fundo de pensão levar à patrocinadora e aos participantes. Gazzoni, no entanto, alerta que quanto mais cedo a nova meta for definida menor será o seu impacto na contribuição, uma vez que o aumento do passivo estará diluído no tempo. “A conta será mais salgada para quem protelar essa discussão”, diz Gazzoni. Ele afirma que cinco fundações já estão em conversas adiantadas com a sua consultoria para a mudança de suas metas.
Devanir da Silva, superintendente da Abrapp, confirma a movimentação. “Com juros decrescentes, é preciso considerar se a meta de 6% é factível no longo prazo. Nos últimos 12 anos, este número foi relativamente fácil de ser alcançado. A média tem sido 10,2% ao ano. Hoje, no entanto, fazer a revisão da meta é inexorável”, diz.
Diversificação – Atualmente, os fundos ainda conseguem aplicar os recursos em ativos que oferecem remuneração acima da meta atuarial. Os papéis públicos indexados à inflação, por exemplo, pagam juros reais entre 6% a 8% ao ano, contra os 6% reais da meta da maioria das fundações. Outra opção são os contratos de juros prefixados, que oferecem ganhos reais por volta de 9% ao ano. “Com a inflação sob controle e ativos ainda com bons retornos, pode ser precipitado discutir nesse momento uma mudança de meta”, diz Fernando Lovisotto, da consultoria Risk Office.
O consultor Gazzoni discorda. Primeiro porque, acompanhando a tendência de queda da Selic, os juros dos papéis estão em trajetória descendente. Além disso, os ativos brasileiros com retornos que ainda superam as metas atuariais têm, no máximo, 30 anos. “A fundação vai pagar com o quê os benefícios que vierem depois desse período?”, questiona Gazzoni.
Apesar de estarem atentas ao assunto, algumas fundações ainda preferem garimpar alternativas de investimentos que ofereçam retornos mais polpudos, do que mexer no ‘vespeiro’ que é a meta atuarial. “Mexer na meta neste momento geraria um passivo adicional sem necessidade, já que pelo lado do ativo conseguimos diversificar os investimentos que garantem retornos superiores à meta”, diz Martin Glogowsky, diretor de investimentos da Fundação Cesp, que permanece com a meta aturial de IGPM + 6% ao ano. Ele cita como boas alternativas de investimento os papéis de securitização de dívida, papéis privados como debêntures, Project Finance e, agora, as Parcerias Público-Privadas (PPP). O grande problema é que existe pouca oferta destes ativos, para uma demanda cada vez maior.
A Petros também está seguindo a linha de realocar os investimentos e deixar a discussão da meta para um segundo momento. Segundo o diretor, Ricardo Malavazi, na política de investimento a fundação projeta ganhos reais de 6% até 2008, apenas. “Exatamente por isso estamos mudando a estratégia de aplicação”, diz Malavazi. O objetivo é, gradativamente, reduzir a exposição em títulos públicos, migrando para ações e títulos de dívida privada.
Mudando agora ou não, o rebaixamento da meta atuarial está na pauta de discussão de todas as fundações e vai acontecer, mais dia menos dia.