Edição 97
O aumento dos custos administrativos para os fundos de pensão, provocados por diversas regulamentações aprovadas nos últimos meses pelos órgãos reguladores do sistema, estão ameaçando a manutenção de entidades de pequeno e médio porte. Recentes normas da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e do Conselho Monetário Nacional (CMN) estão gerando elevação de custos tanto na gestão do passivo quanto na administração dos recursos. “Acredito que apenas as fundações com patrimônio acima de R$ 100 milhões tenham condições de sobreviver”, prevê Francisco Petros, assessor da diretoria de administração e controle da Sistel.
O profissional está realizando um estudo sobre o aumento dos custos provocado pela Resolução n.o 2.829 na administração dos planos de benefícios da Sistel. O estudo aborda o impacto que a contratação do custodiante, da auditoria de gestão e do sistema de controle de risco deve ter sobre os custos administrativos e sobre a rentabilidade dos investimentos da fundação. “Ainda não temos uma conclusão final, mas percebemos que o impacto é significativo mesmo para uma fundação de grande porte”, afirma Petros. Ele arrisca-se a dizer que, se a tendência de aumento dos custos continuar, é possível que o número de entidades fechadas seja reduzido pela metade.
Junto aos gastos provenientes da Resolução n. o 2.829, a SPC também criou uma série de exigências que contribuem para o aumento dos custos das fundações. A SPC publicou, no final de março passado, duas portarias, de n.o 842 e de n.o 843, que obrigam a publicação dos balanços em veículos de imprensa de circulação nacional e determinam a realização de auditorias atuariais de dois em dois anos.
As normas receberam críticas por parte dos dirigentes dos fundos de pensão. “A publicação do balanço em veículo de circulação nacional representa uma medida cara e ineficaz para os fundos de pensão”, afirma Carlos Caldas, presidente da Abrapp. O representante explica que as informações interessam apenas a um público restrito, formado pelos participantes do fundo, e existem formas mais baratas e eficazes de chegar a esse público, como um jornal interno. Apesar da crítica, o presidente da Abrapp avalia que as novas exigências dos órgãos reguladores não serão capazes de provocar a extinção das pequenas e médias fundações.
A experiência concreta das fundações, porém, mostra que a situação não está nada fácil. A Fasern, fundo de pensão da Companhia Energética do Rio Grande do Norte, entrou no vermelho por conta das recentes medidas dos órgãos reguladores. “Até o ano passado, o custo administrativo estava dentro do limite de 15% das contribuições. A partir deste ano, o custo vai estourar o limite e teremos que recorrer ao nosso fundo administrativo”, revela Francisco Veiga de Medeiros, presidente da Fasern. O dirigente comenta que os fundos de pensão de pequeno porte, como é o caso da Fasern, cujo patrimônio é de cerca de R$ 70 milhões, não terão condições de sobreviver devido às novas exigências.
O aumento dos custos foi o principal motivo que levou a Fasern a se juntar com outras duas fundações, a Faelba e a Celpos, no projeto de constituição de um fundo de pensão multipatrocinado. Os três fundos de pensão são patrocinados por companhias energéticas controladas pela Guaraniana, que por sua vez é controlada pela espanhola Iberdrola. “O projeto de união dos três fundos está em andamento e visa a diluição dos custos administrativos”, afirma Veiga.
O presidente da fundação diz que é impossível conviver com uma legislação que, em muitos aspectos, praticamente iguala os gastos da Fasern com o de uma Previ do Banco do Brasil. Ele exemplifica que o fundo de pensão terá que contratar um sistema de controle de risco que custará para um fundo pequeno quase tanto quanto para uma entidade de grande porte. “Acredito que a tendência de migração dos planos para fundos multipatrocinados deverá ganhar força por conta da inviabilidade de se manter um fundo de pequeno porte”, prevê.
Em geral, as previsões dos especialistas são alarmantes porque as pequenas fundações já estão trabalhando próximas ou acima do limite de 15% das contribuições permitido pela atual legislação. “As menores fundações com quem trabalhamos, que possuem ao redor de 500 participantes, já tinham problemas com o limite, agravados por conta das
últimas medidas da SPC”, comenta Waldner Conde, consultor da Atual, escritório de consultoria atuarial.
Outro grupo que deve enfrentar sérias dificuldades para absorver o aumento dos custos é o formado pelas fundações que administram planos que já entraram na fase de maturidade. São planos em que o volume de ingressos tende a cair devido à redução do número de participantes ativos. Nestes casos, a saída será pedir autorização especial para a SPC para trabalhar com limite adicional ou jogar as despesas extras para a patrocinadora.
Conde aponta ainda o problema do desenquadramento dos planos de custeio administrativo (PCA) elaborados pelos fundos de pensão no final do ano passado, referentes ao exercício de 2001. “Com as recentes portarias da SPC, as fundações terão dificuldades em cumprir os planos de custeio”, afirma Waldner Conde. Ele também prevê que muitos planos devem migrar para entidades multipatrocinadas ou até mesmo para empresas de previdência aberta ou seguradoras, devido a esse aumento de custos.
Segundo o responsável da área de previdência da Towers Perrin, Felinto Sernache, as recentes normas editadas pelos órgãos reguladores provocam um ônus excessivo para o conjunto de fundos de pensão. “O processo deve provocar uma seleção natural no sistema. Os menos ‘adaptados’ irão desaparecer”, diz numa referência aos fundos pequenos. Uma das consequências desta tendência será a reativação do segmento de fundos multipatrocinados, que vinha perdendo força nos últimos anos, segundo ele.
Ainda de acordo com ele, o problema das novas regras é que atingem indistintamente todos os fundos de pensão, inclusive aqueles em que não há nenhum tipo de desequilíbrio ou risco de solvência. “Defendo que o governo e a SPC deveriam atuar diretamente sobre os fundos com problemas”, diz o especialista da Towers.
Outra sugestão é a diferenciação de regras de acordo com o porte do fundo de pensão. “Um fundo pequeno não pode receber o mesmo tratamento de uma Previ”, defende José Roberto Carreta, consultor sênior da William M. Mercer. “Se a Secretaria continuar aumentando os custos administrativos e da gestão dos investimentos dos fundos, sobreviverão apenas aqueles com patrimônio acima de R$ 200 milhões”, ressalta o especialista.
Impacto – Não é apenas nos custos administrativos que as novas regras provocam impacto. Como as contratações do custodiante e do auditor de gestão podem ser consideradas despesas de investimentos, estes gastos serão custeados pelos rendimentos das aplicações do fundo de pensão. Apesar de não incidir diretamente nos gastos da patrocinadora, o aumento dos custos com os investimentos podem provocar desequilíbrio no plano a médio e longo prazo. “Em um plano de Benefício Definido (BD), uma rentabilidade menor pode significar déficit no futuro e, neste caso, a patrocinadora poderá ter que aumentar o valor das contribuições”, explica o consultor da Mercer.
Mesmo no caso dos planos de Contribuição Definida (CD), nos quais o fundo de pensão e sua patrocinadora não têm obrigação legal de garantir um valor determinado para os benefícios, a queda nos rendimentos pode provocar problemas. “Se a reserva do participante do plano CD for muito menor que a projeção estimada, a patrocinadora será pressionada a fazer aportes adicionais”, diz o consultor da Mercer.
O principal custo que incidirá sobre a gestão dos recursos provém da contratação do auditor de gestão. Os fundos de pensão deverão contratar uma auditoria trimestral para verificar se o plano dos investimentos que será apresentado para a SPC está sendo cumprido. Calcula-se que o custo de uma auditoria de balanço saia em média de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Como a auditoria de gestão é trimestral, o custo anual pode saltar para algo entre R$ 80 mil e R$ 120 mil. “Se o fundo não possui um patrimônio de médio ou grande porte, fica muito difícil a rentabilidade assimilar os novos custos”, prevê Francisco Petros, da Sistel.
Auditorias são o maior custo
A maior parte do aumento dos custos impostos aos fundos de pensão pelas novas regras são provenientes da contratação de auditorias. As fundações deverão contratar uma auditoria atuarial, de acordo à Portaria n.o 843, que vai funcionar como uma segunda opinião sobre a avaliação atuarial realizada anualmente. Outra auditoria que deve ser contratada é a de gestão, que terá periodicidade trimestral, sendo que o próprio auditor do balanço poderá realizar a auditoria de gestão.
A maior preocupação dos dirigentes de fundos de pensão é que as novas auditorias, da forma como estão propostas, devem custar mais caro que as avaliações que já eram realizadas anualmente, a atuarial e a de balanço. Enquanto uma avaliação atuarial custa algo entre R$ 30 mil a R$ 50 mil, uma auditoria atuarial pode sair de R$ 30 mil a R$ 200 mil. “A regra da SPC exige a realização de uma auditoria de benefícios que deve sair muito caro para uma fundação com número reduzido de participantes”, diz Waldner Conde, da Atual.
A periodicidade de 2 em 2 anos também embute um alto custo para o fundo de pensão. “Para os fundos de empresas privadas com planos de Contribuição Definida(CD) não há necessidade de se realizar a auditoria a cada dois anos”, afirma José Roberto Carreta, da Mercer. Da forma como está proposta, a auditoria deve custar em média 200% mais que uma avaliação atuarial comum. O custo da auditoria de gestão, que deve ser feita a cada três meses, também representa significativo impacto sobre os custos da gestão dos investimentos. Também neste caso a periodicidade é um fator que torna o serviço mais caro.
Medidas inibem criação de fundações
As novas exigências dos órgãos reguladores, que resultam em aumento de custos e maiores riscos regulatórios, vão inibir a criação de novos fundos de pensão fechados pelas empresas. “Até as grandes empresas, que teriam condições de criar fundos de pensão próprios, estão optando pela previdência aberta, sobretudo pelo PGBL”, analisa Flávi Marcílio Rabelo, especialista em previdência privada e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. O professor aponta que o custo regulatório do sistema de fundos de pensão está muito alto e instável no Brasil, o que deve incrementar as vendas do sistema de previdência aberta nos próximos anos.
As empresas que se encontram em processo de estudos para a implantação de um plano de aposentadoria complementar estão refazendo as contas devido ao surgimento das recentes regulamentações. “As empresas que tendiam a criar novos fundos de pensão estão colocando na ponta do lápis qual será o custo para manter um plano através de entidades fechadas”, diz Felinto Sernache, da Towers. “Muitas estão desistindo”.
Os limites que as consultorias indicavam aos seus clientes para a criação de entidades fechadas também devem aumentar daqui em diante. Se até agora as consultorias recomendavam a criação de um fundo de pensão para empresas que pudessem obter a participação de cerca de 1.000 funcionários e que arrecadassem pelo menos R$ 1 milhão em contribuições anuais, agora esses números são insuficientes. “Ainda não fizemos todas as contas, mas com certeza os padrões de volume de contribuições e número de participantes para a criação de um fundo de pensão devem aumentar”, explica José Roberto Carreta, da Mercer.