Manual de bom comportamento | Fundações adotam códigos de ética e...

Edição 101

O que pode acontecer ao dirigente ou analista de fundo de pensão que se vale de informações privilegiadas, obtidas no exercício de sua função, para realizar um investimento pessoal? Atualmente, quem tem este tipo de conduta dificilmente recebe punição. Mas este quadro deve mudar. Algumas fundações, como a Petros (Petrobrás) e a Valia (Vale do Rio Doce), estão criando códigos de ética próprios como principal ferramenta para coibir desvios de conduta entre os seus funcionários.
Estas iniciativas coincidem com o surgimento de uma nova legislação, mais severa no tratamento dos dirigentes de fundos, e com a tomada de posturas mais firmes do órgão fiscalizador do sistema, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC). A nova Lei Complementar n.o 109, que rege o sistema de fundos de pensão em substituição à Lei n.o 6.435, prevê a aplicação de multas de até R$ 1 milhão para punir determinadas ações indesejadas dos dirigentes. “Concordamos com o rigor da legislação e do órgão fiscalizador, mas devemos adotar mecanismos preventivos, como o código de ética e o programa de compliance, para evitar as punições”, explica Eliane Lustosa, diretora financeira da Petros.
O fundo de pensão da Petrobrás e de outras empresas está em fase final de aprovação de um código de ética em seu conselho de curadores. O código é formado por um conjunto de regras e sanções que visam pautar o comportamento de todo o quadro funcional da fundação e de seus prestadores de serviços. O manual traz, por exemplo, as regras que devem ser seguidas no processo de contratação dos parceiros da fundação, tais como gestores, custodiantes e consultores. “Queremos impedir a repetição de condutas anti-éticas registradas no passado”, ressalta Eliane Lustosa.

Mudança – A diretora da Petros explica que a criação do código representa a consolidação de uma mudança de cultura na gestão do fundo, independentemente de quem esteja no comando da instituição. “Em caso de uma eventual mudança na direção da Petros, os novos dirigentes e profissionais deverão seguir o código”, diz. Além do código, também será criado um comitê para julgar os casos de conduta anti-ética, que poderão resultar em advertência, demissão e até ação civil ou criminal movida contra o infrator.
O código de ética pretende ser mais abrangente que a própria lei. A legislação dos fundos de pensão prevê apenas punições para os dirigentes de fundos. Por isso, o código de ética incidirá também sobre subordinados e parceiros, evitando que os dirigentes sejam responsabilizados pelas condutas ilegais de terceiros.
“O risco não pode recair apenas sobre a diretoria”, comenta Eliane Lustosa. “Com o código de ética, será mais fácil apurar de quem realmente é a responsabilidade.”
A Valia também está elaborando um código de ética próprio. As normas que regerão o comportamento de dirigentes e funcionários estão em fase final de redação e, assim que estiverem prontas, devem seguir para apreciação do conselho de curadores da entidade. O projeto do código foi elaborado com a participação de todos os funcionários da Valia, que atualmente conta com um quadro de 110 profissionais.
“Quisemos envolver todos os funcionários neste projeto de valorização da ética”, conta Eustáquio Lott, presidente da Valia. Os funcionários foram divididos em grupos e o consultor de recursos humanos Marcelo Galvão, do Centro de Desenvolvimento da Inteligência e da Intuição, coordenou as discussões.
O código servirá de orientação para o procedimento até mesmo diante de questões mais simples, como o que fazer, por exemplo, com os prêmios e brindes distribuídos pelos bancos aos profissionais do fundo. Uma das propostas, que deve constar no código de ética da Valia, é o sorteio de todos os brindes entre todos os empregados da fundação, comenta Eustáquio Lott.

Pioneirismo – Embora os códigos de ética da Petros e da Valia sejam uma iniciativa pioneira entre as fundações, não são exatamente uma novidade no sistema previdenciário. O Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Sindapp), que reúne os dirigentes das fundações, já vem desde meados de 1999, com um código de ética próprio, além de ter criado um comitê para analisar casos em que o comportamento de seus associados esteja sob suspeita – inclusive para determinar se dirigentes eventualmente acusados de irregularidades pela SPC merecem ser contemplados por uma ajuda financeira da entidade para cobrir os custos com sua defesa judicial.
“Se o comitê define que o dirigente não teve uma atitude ilegal ou anti-ética, acionamos nosso fundo de defesa”, explica Paulo Teixeira Brandão, presidente do Sindapp. O fundo arca com os custos de contratação dos advogados para defender o dirigente.
Atualmente, o comitê de ética do Sindapp está analisando o primeiro caso envolvendo um dirigente de fundo de pensão que está na mira da SPC. O presidente do Sindapp não quis revelar quem é o dirigente e a qual fundação pertencia.
Brandão ressalta, porém, que o sindicato não poupará esforços em defender os dirigentes que forem acusados injustamente pelo órgão fiscalizador. “Estamos muito preocupados com a capacidade e a competência da secretaria para apurar os fatos e julgar os dirigentes”, afirma Brandão.
O consultor e coordenador da área de benefícios da William M. Mercer, Luiz Alberto Alvernaz, também demonstra preocupação em relação à qualificação dos técnicos da SPC que serão responsáveis pelo julgamento dos dirigentes de fundos. “A SPC tem avançado bastante, mas ainda terá que investir e qualificar muito mais seus profissionais até que estejam preparados para julgar os dirigentes”, declara Alvernaz. O especialista explica que não vê nada errado no aumento do rigor do regime repressivo que consta da nova legislação, desde que as regras sejam bem claras e que os mecanismos de julgamento não dêem margem para erros.
Os dirigentes de fundos de pensão em geral estão bastante preocupados com as novas regras, que prevêem severas multas para punir condutas ilegais e anti-éticas. Pensando em dar maior segurança para os dirigentes, algumas corretoras e seguradoras estão começando a oferecer um seguro de responsabilidade para dirigentes de fundos de pensão. O seguro visa cobrir possíveis punições contra os diretores de uma fundação em caso de condenação na Justiça (ver matéria na edição n.o 100).

Compliance – Parente próximo do código de ética, o programa de compliance começa ser adotado por algumas fundações também com o objetivo de pautar a conduta dos profissionais e dirigentes. O compliance é um conjunto de procedimentos que visa a redução dos riscos operacionais da gestão. “Ao aplicar um programa de compliance, o fundo de pensão é capaz de realizar a gestão de forma preventiva, evitando quaisquer problemas que possam resultar em punições externas”, explica César Guimarães, sócio-diretor da PPS Consultoria.
O consultor explica que a tendência de valorização da ética entre os fundos de pensão está intimamente relacionada com a adoção do compliance. “A base do compliance é o comportamento ético”, afirma.

Novo serviço – Percebendo maior interesse das fundações em implantar programas de compliance, a PPS estruturou um novo serviço para atender esta demanda. A consultoria está oferecendo assessoria na implantação de programas de compliance para fundos de pensão desde abril passado.
O programa inclui toda a revisão dos processos operacionais de um fundo e o treinamento de pessoal. O resultado final é a elaboração de um manual de compliance. “Quando um novo profissional é contratado, mesmo que não passe por treinamento específico, ele deve assinar e seguir o manual de compliance da fundação”, explica Guimarães.
O especialista revela que mantém negociações em estágios mais avançados com três fundos de pensão, interessados no novo serviço. “Estamos surpresos com a procura, que inclui o interesse até de fundos de estatais. Esperamos fechar com o primeiro cliente nas próximas semanas”, prevê o consultor.
Paralelamente à elaboração de seu código de ética, a Petros também se prepara para adotar um programa de compliance. O fundo de pensão contratou a consultoria Andersen e trouxe, no início do ano, um profissional para cuidar deste projeto. Marco Antônio Horta Pereira (ex-Previ e ex-BB DTVM) foi contratado pela Petros para elaborar o desenho da nova área.
Neste momento, o projeto encontra-se em fase de mapeamento de todos os riscos existentes no fundo de pensão. “Ainda não definimos totalmente como será a nova área, mas provavelmente estará ligada diretamente à diretoria executiva e funcionará como uma auditoria interna permanente”, explica Pereira.

Riscos Segregados – Para Pereira, o compliance é uma forma de segregar os riscos do fundo de pensão e de obter uma correta responsabilização de todos seus técnicos e prestadores de serviços. “O compliance e o código de ética são duas importantes ferramentas para que o participante e as patrocinadoras tenham maior segurança e controle sobre a gestão do fundo”, explica o responsável pelo compliance na Petros.
Ele explica que a migração para o novo plano de Contribuição Definida (CD) da Petros apenas reforça a necessidade de implantação destes mecanismos preventivos.
Para o especialista, a criação do código e a introdução do programa de compliance também devem ajudar no resgate da imagem do fundo de pensão, que vem sofrendo intenso desgaste nos últimos anos devido ao aparecimento de problemas de gestão e de passivos provenientes de administrações anteriores à atual.