Edição 157
A prática de revisão das premissas atuariais, em conseqüência da crescente expectativa de vida dos brasileiros, tem levado muitos fundos de pensão a adotarem novas tábuas de mortalidade. Segundo os especialistas, embora a adoção dessas novas tábuas seja hoje uma tendência entre os fundos de pensão, os seus efeitos poderão ser absorvidos naturalmente e sem resultar em grandes perdas para o sistema de previdência privada. Estima-se que, de uma forma geral, as mudanças de tábua causem um impacto entre 5% e 10% nas reservas do sistema. “O volume financeiro é alto para algumas fundações, mas porcentualmente não é exagerado”, diz o consultor atuarial e de previdência da consultoria Watson Wyatt, Newton Conde.
Estudos realizados pela consultoria para diversas fundações no ano passado revelaram que as mudanças estão acontecendo em ritmo intenso. De 100 avaliações conduzidas pela Towers Perrin, 42% indicaram alterações no perfil de tábuas. O levantamento demonstra que a maioria migrou da tábua GAM-71 para a GAM-83, o que eleva a perspectiva de sobrevida do participante, em média, em dois anos. Os planos avaliados, pertencentes ao setor privado, estavam equilibrados e usaram parte do superávit para cobrir a diferença de caixa. “A tendência de ajuste é irreversível, quem não fizer agora vai ter que fazer nos próximos dois anos”, diz o gerente de previdência privada da Towers Perrin, Felinto Sernache Coelho Filho.
Em processo final de avaliação, a Previ, maior fundação da América Latina, com R$ 70,4 bilhões em ativos e 154 mil participantes, anunciou que mudará a tábua da GAM-71 para a GAM-83. “No momento não é possível precisar o impacto que tal mudança trará, mas resultados preliminares indicam que este não será significativo no que se refere ao aumento da reserva matemática final, eliminando a hipótese de déficit”, diz o gerente atuário da Previ, José Angelo Rodrigues.
Apesar de a notícia ter ganho notoriedade na imprensa com o déficit de R$ 8 bilhões da Petros, o processo de alteração da tábua de mortalidade nas fundações já vem ocorrendo há aproximadamente três anos, segundo a consultora sênior de previdência complementar da Mercer Human Resource Consulting, Sandra Lima Santos. Uma pesquisa realizada pela instituição, tomando por base 110 Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), revela que metade dos planos já ajustaram suas tábuas atuariais nesse período. Entre as entidades que efetuaram a mudança, 50,9% tinham ganhos atuariais acumulados que ajudaram a equilibrar as reservas. Porém, em 23,6% dos casos a situação era diferente e acabou exigindo que alguns planos elevassem as contribuições futuras.
O trabalho de revisão nas premissas é um procedimento que deve ser feito anualmente. Entretanto, saber o momento certo para mudar a tábua é uma análise que requer períodos mais longos, entre cinco e dez anos, para evitar que a influência de fatos isolados, como acidentes ou incêndio, por exemplo, sejam traduzidos de modo errado. “Devemos estar atentos ao que é movimento e ao que vai ser tendência no tempo. Se há tendência, independente de qual premissa seja, torna-se necessária a alteração”, diz Isaura Beatriz Pereira Rodrigues, coordenadora da Comissão Técnica Nacional (CTN) de atuária da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e gerente de atuária da Valia, o fundo de pensão da Companhia Vale do Rio Doce.
Expectativa Maior – Embora a expectativa de vida do brasileiro tenha aumentado para 71 anos, o mercado de previdência complementar trabalha com uma expectativa de vida maior para seus participantes e utiliza como parâmetro três modelos de tábuas internacionais: GAM, AT e UP, cujas iniciais em inglês significam, respectivamente, Group Annuity Mortality, Annuity Table e Unsured Person.
Mas, na aplicação dessas tábuas, as diferentes realidades são levadas em consideração, uma vez que cada fundação tem planos e situações de trabalho diferenciadas, além de peculiaridades por região. “A escolha da tábua deve traduzir a realidade da massa atuarial. Em planos que pagam benefícios predominantemente por sobrevivência, projetar mais mortes do que vai ocorrer na realidade ocasiona constantes perdas atuariais”, diz Sandra, da Mercer.
Entre os fatores que reduziram a necessidade de grandes aportes de recursos, em conseqüência da alteração da tábua, está a mudança de plano de Benefício Definido (BD) para o de Contribuição Definida (CD). As fundações que continuam no regime de BD, na revisão dos parâmetros, têm seus custos elevados para pagar os benefícios. Se o fundo estiver deficitário, o prejuízo é dividido entre patrocinador e participante, quando este participa do custeio do plano. Para minimizar os riscos, cerca de dois terços do mercado migrou para planos do tipo CD, segundo a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
Atualmente, as regras de governança corporativa – presentes na Resolução nº 13, de outubro de 2004 –, também contribuem para garantir que as hipóteses sejam ajustadas regularmente, seguindo tendência internacional de se elevar a transparência do mercado. Sernache, da Towers Perrin, observa a postura de auditores externos, que cobram de empresas que negociam ações na Bolsa de Nova York uma justificativa de cada hipótese adotada, seja ela de natureza econômica ou biométrica. “Ações tomadas agora terão efeitos em dez ou 20 anos. Todos estão envolvidos no reposicionamento da saúde financeira do plano”, diz.
O procedimento para examinar a tábua é previsto pela legislação desde 2002 a partir da Resolução nº 11 do antigo Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC), que prevê que o piso deve ser no mínimo igual ou superior a tábua “AT-49”. “Se no passado não houve uma avaliação mais rigorosa, agora está havendo. Os ajustes são feitos em um ambiente de normalidade”, diz o diretor-superintendente da Previc, Adacir Reis.
Na prática, porém, a “AT-49” se encontra defasada e não corresponde à realidade de muitos fundos, o que ocasiona atualização dos parâmetros atuariais para uma tábua mais conservadora. Há quem defenda uma mudança na legislação. “A ‘AT-83’ seria a tábua ideal para o piso”, comenta Conde, da Watson Wyatt.
A questão da tábua de sobrevivência remete ao período de alta inflação no País, no qual se mascarava a análise real das premissas. Naquela época, o crescimento salarial girava em torno de 20%, mas na realidade significava recomposição de perdas passadas. “Após a estabilização da economia, com o crescimento salarial de um dígito houve um efeito menor sobre o custo e passou-se a ter maior preocupação com a sobrevida”, finaliza Isaura.
Comissão Consultiva de Atuária inicia atividades em maio
A discussão sobre as principais questões atuariais fará parte da rotina da Comissão Consultiva de Atuária, que iniciará suas atividades em maio. Criada pela ex-SPC e aprovada pelo antigo CGPC, a Comissão será composta por aproximadamente 15 membros, que serão escolhidos entre técnicos e especialistas do mercado. “Queremos promover um debate aberto e transparente para haver maior compreensão dos temas mais relevantes de atuária”, diz o superintendente da Previc, Adacir Reis.
Ainda em abril, a SPC divulgará mais detalhes sobre o funcionamento e atuação da entidade, mas sabe-se que os temas das pautas das reuniões abordarão desde ética atuarial a métodos de financiamentos. “Nosso propósito é dar organização mínima ao debate atuarial e valorizar a comunicação, tornando o sistema mais compatível para a massa de participantes”, diz Reis.