Mais distante do IGP-M | Com a crescente migração dos planos para...

Edição 94

O desafio de cumprir metas atuariais de inflação mais 6% ao ano, caso seja mantida a tendência de queda nas taxas de juros, tem conseguido tirar o sono da equipe que assumiu a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) no final do ano passado. Caso essas metas não possam ser cumpridas, e as fundações consigam modestos 4% acima da variação do IGP-M, por exemplo, o déficit do sistema poderia chegar a até R$ 50 bilhões, calcula a SPC.
O cálculo é considerado superdimensionado por muitos especialistas, pois parte do pressuposto de que todo o sistema persegue o IGP-M mais 6%, o que não acontece. Atualmente, mais da metade do sistema não tem esse índice como referência, principalmente os planos do tipo Contribuição Definida (CD), cuja responsabilidade é dar ao participante, ao final do período contributivo, o que ele conseguiu acumular no período.
Assim, o forte processo de migração dos planos de Benefício Definido (BD) para os CD está reduzindo os riscos financeiros do sistema. Muitas patrocinadoras estão deixando de ter a responsabilidade legal de cobrir possíveis déficits dos planos de benefícios no futuro. Mesmo que uma parte do sistema permaneça atrelada a metas atuariais, a tendência ao predomínio dos planos de CD torna essa parcela cada vez menor, segundo os especialistas.
O ritmo da migração é forte. Os dados da própria SPC mostram que no final de 1999 existiam 352 planos BD, 202 planos mistos e 136 planos CD, totalizando 690. A soma dos planos CD com os mistos era de 338. No fechamento de 2000, a balança inverteu-se pela primeira vez para o lado dos planos CD, que atingiram a marca de 385, com o número de planos BD regredindo para o patamar de 337.
Cabe lembrar que a contagem já leva em consideração a nova regra de classificação que eliminou a modalidade dos planos mistos. Segundo o Ofício Circular n.o 5, de 31 de janeiro último, o que vale para a classificação do plano é o benefício de aposentadoria programada. A nova orientação fez com que quase a totalidade dos planos mistos fossem reclassificados como CD, informa Alano Santiago Guedes, técnico da área atuarial da SPC.
Para os próximos meses, a expectativa é de que mais fundações venham a aderir a planos CD. Grandes fundos, como a Petros, a Funcef e diversos outros, já se preparam para realizar a migração de planos. O Supre, fundo de pensão patrocinado pela Sercomtel – empresa de telefonia municipal de Londrina -, por exemplo, acabou de realizar em fevereiro último o processo de migração do plano BD para o CD. A totalidade de participantes ativos e assistidos migrou para o novo plano CD. “A patrocinadora decidiu incentivar a migração para o novo plano por causa dos riscos financeiros do benefício definido”, diz Wander Luiz França, diretor administrativo e financeiro do Supre.
O fundo de pensão da Sercomtel foi criado em 1994 e desde então vem apresentando situação superavitária em todos os fechamentos anuais. Sua patrocinadora, porém, começou a perceber que o desempenho dos investimentos do fundo começou a ficar próximo da meta atuarial do plano nos últimos meses. A avaliação do final do ano passado veio apenas para confirmar os temores em relação ao risco do plano. A taxa de retorno de 9,9% havia ficado pela primeira vez abaixo de meta de INPC mais 6% ao ano, que atingiu 11,27% em 2000.
O Previndus é outro fundo de pensão que está preparando um processo de migração de planos ainda neste primeiro semestre do ano. A exemplo do que ocorreu com o Supre, a rentabilidade da carteira de investimentos do Previndus, que é patrocinado pela Firjan e outras seis associações, ficou abaixo da meta atuarial em 2000. “Pela primeira vez desde a criação do fundo em 1995, a rentabilidade não bateu a meta de IGP-M mais 6% ao ano”, diz Noêmia Vasquez, diretora de seguridade do fundo. Ela explica, porém, que a fuga do risco não foi o único fator que motivou a decisão de realizar a migração para o novo plano CD. “O plano de CD oferece maior flexibilidade para o participante em caso de desligamento da empresa, além de propiciar um melhor controle de gastos para a patrocinadora”, afirma.
“Em pouco tempo haverá poucos planos atrelados a metas atuariais”, prevê Valdner Conde, consultor da Atual, escritório de consultoria atuarial. O especialista revela que dos 60 fundos de pensão para os quais presta consultoria, cerca de 50 já migraram para CD ou estão em processo de migração.
Mesmo quem ainda não tomou a decisão de mudar o plano já está estudando a possibilidade. A amostra dos clientes da consultoria é formada por 60% de planos de fundos de estatais e 40% de entidades patrocinadas por empresas privadas.

Histórico – O processo de migração dos planos BD para os planos CD tem sido uma tendência crescente verificada desde meados da década de 90. Mas foi nos últimos dois anos que o movimento migratório tornou-se mais visível, por causa, principalmente, da necessidade de adequação à regra da paridade (Emenda Constitucional n.o 20), que incentivou a criação de planos CD por parte dos fundos patrocinados por estatais.
Até a aprovação da Emenda n.o 20, em 1998, a tendência de predomínio dos planos CD atingia apenas o setor de fundos de companhias privadas. Contudo, depois da criação da emenda, que obrigava os fundos de empresas estatais a ajustarem seus planos à regra da paridade, a tendência passou também a ganhar força neste segmento.
“Quase todas as fundações de estatais migraram ou estão migrando para CD por causa da paridade”, revela José Roberto Carreta, consultor sênior da William M. Mercer. O consultor explica que é praticamente inviável manter os antigos planos BD das estatais, da forma como foram desenhados, com contribuições paritárias.
Um caso que ilustra essa tendência é o da Eletra, fundação da Companhia Elétrica de Goiás (Celg). A patrocinadora tomou a decisão de promover a migração do plano BD para o plano CD devido à necessidade de adequação à Emenda n.o 20. “Com a migração para o plano CD conseguimos nos adequar à paridade e aproveitamos para resolver o problema de desequilíbrio do plano”, conta Luiz Fernando Brum, assessor jurídico da Eletra. O déficit do plano foi resolvido com um aporte de recursos da patrocinadora e o novo plano CD elimina os riscos de possíveis desequilíbrios futuros.
Como a tendência de migração atinge tanto o segmento das privadas como das estatais, em pouco tempo sobrarão poucos planos BD. Em termos numéricos, porém, os planos BD ainda irão pesar nas estatísticas do sistema, porque os participantes assistidos e alguns poucos ativos poderão permanecer com esta modalidade. Atualmente, dos planos BD que ainda restam, dezenas deles são formados por uma parcela minoritária dos participantes do fundo de pensão. “Os processos de migração de planos, em geral, têm obtido altos índices de adesão, mas sempre sobram alguns participantes, sobretudo os assistidos”, explica Valdner Conde.

Riscos – Apesar da redução dos riscos financeiros do sistema devido ao processo de migração de planos, alguns grupos de participantes e determinados tipos de benefícios permanecem atrelados às metas atuariais. Isso ocorre porque os participantes que já gozam do benefício na época de migração para o plano CD costumam permanecer no plano BD. Desta forma, os riscos financeiros ficam concentrados no grupo de assistidos, cuja reserva deve continuar seguindo uma meta atuarial.
Por isso, o processo de mudança de planos não é capaz de eliminar os riscos deste contingente, a não ser que o fundo de pensão promova uma campanha de migração também entre os assistidos. No caso da Funcef, por exemplo, deve ser realizada uma campanha de incentivo para a migração dos assistidos, além dos ativos.
Porém, as tentativas de migração dos participantes assistidos para planos CD ocorridas até agora não têm obtido altos índices de adesão.
Desta forma, o número de participantes assistidos de planos BD ainda é superior ao de planos CD. Segundo dados da SPC referentes ao início do ano passado, 69% dos aposentados e pensionistas pertenciam a planos BD, enquanto apenas 31% participavam de planos CD e mistos. A Secretaria não possui os dados referentes ao fechamento de 2000.