Maioria das fraudes tinha mesmo “modus operandi” | Relator da CPI...

Edição 281

 

Após oito meses de trabalho da CPI dos fundos de pensão, o relator da comissão, deputado federal Sérgio Souza (PMDB-PR), afirma ter identificado uma forma parecida de atuação de gestores e dirigentes de fundos de pensão em investimentos arriscados e muitas vezes fraudulentos. Elogiado por representantes do sistema de previdência complementar, como por exemplo, por parte do presidente da Abrapp (ler box página anterior), o trabalho do relator da CPI terminou com cerca de uma centena de indiciados. Além da parte investigativa, o trabalho da comissão encaminhou propostas para aprimorar a governança dos fundos de pensão. Leia entrevista:

Investidor InstitucionalQuais as principais conclusões da CPI?
Sérgio Souza – Nós conseguimos perceber que havia um mesmo “modus operandi” nas fraudes causadas aos fundos de pensão. Alguém aparecia e oferecia o investimento ao fundo. Esse investimento já vinha com uma intenção de fraude. Daí se tentava convencer os conselhos ou diretoria ou em alguns casos, uma única pessoa que tem o poder deliberativo de alçada de valores que permitiam investimentos substanciais.

IIQual a forma que o fraudador chegava ao fundo?
SS – Geralmente indivíduo que pretendia realizar a fraude, que tentava chegar até o fundo de pensão, se utilizava de uma pessoa do mundo político, do mundo partidário para abrir caminho para chegar aos dirigentes. Até chegar a uma pessoa que tem o poder de decisão, ao diretor de investimentos ou ao presidente.

II – Teve alguma fraude que chamou mais a atenção dos membros da CPI?
SS – Um dos casos que chamou a atenção foi do Trendbank, que foi criado especificamente para fraudar os fundos de pensão. Os valores e os prejuízos não foram somente dos fundos de pensão, mas também dos regimes próprios de vários estados e municípios e outros investidores. Era uma factoring que trocava notas promissórias e cheques e cobrava por isso.

IIE eles criaram um fundo de direitos creditórios também?
SS – Sim, o gestor teve a ideia de criar um fundo de direitos creditórios e daí entrou a intervenção de terceiros na apresentação como um investimento rentável. E nessa ação, o gestor criou um conjunto de dez empresas fantasmas para emitir os títulos de créditos.

IIOs investimentos apresentados aos fundos tinha boa avaliação de rating?
SS – Quando o investimento tinha uma boa roupagem, geralmente tinha uma avaliação positiva de uma agência de rating. Então, percebemos aí também uma falha, um empoderamento das avaliações de rating sem uma fiscalização dessas empresas. Para aprovar o investimento, contratava-se uma agência de risco para dar uma nota positiva. Com isso, havia o convencimento do conselho. Então, foi criado esse modus operandi.

IITem algum exemplo?
SS – Vamos tomar o caso do Banco BVA. As agências de rating diziam, “não, este banco está ótimo, está sólido, saudável”. Trinta dias depois o banco quebra. Em pouco tempo, o banco quebrou.

IIA CPI fez propostas para a estrutura de fiscalização?
SS – Sim, fizemos uma série de sugestão de medidas infralegais, ao Poder Executivo, de encaminhamento para criação da Agência de Previdência Complementar. Com isso, queremos dar maior independência, autonomia, para o órgão de fiscalização. Pretendemos trazer para o parlamento a análise da escolha dos diretores, a sabatina. Isso tira da indicação meramente política, coloca para uma indicação técnica e política. Cabe ao Senado avaliar a capacitação do diretor da agência.

IIComo foram selecionados os negócios investigados pela CPI?
SS – Decidimos investigar aqueles casos mais evidentes, que estavam já noticiados ou que passaram a ser noticiados a partir da instalação da CPI. Todos eles referentes aos quatro fundos de pensão. Não entrou nenhum outro. Poderia criar alguma nulidade se fôssemos além deles.

II – Quais foram os critérios para os indiciamentos?
SS – Procuramos selecionar os responsáveis pela criação dos fundos, pela gestão do dinheiro, pela aplicação dos recursos, esses que estavam envolvidos direta ou indiretamente. Nesses casos, fizemos o indiciamento tanto na condição cível quando criminal, dependendo do caso. Dentro dos fundos de pensão, procuramos identificar quem participou direta ou indiretamente da tomada da decisão daquele investimento.

IIPor que não houve indiciamentos de políticos, com exceção do João Vaccari, ex-tesoureiro do PT?
SS – Houve casos de citações de outros políticos, mas nos casos em que não conseguimos comprovar um mínimo de interferência, resolvemos não indiciar. Pode ser que algum caso tenha ficado de fora que a CPI não teve tempo de aprofundar, que envolvesse políticos mais conhecidos. Mas não poderíamos indiciar outras pessoas apenas com suposições. De qualquer forma, relatamos todos os citados e encaminhamos ao Ministério Público que, por sua vez, terá o tempo necessário para aprofundar as investigações.