Lucro abençoado | Fiéis a compromissos éticos, as fundações relig...

Edição 112

Com fé e uma “mãozinha divina”, as ordens religiosas estão construindo entidades de previdência fechada que já contabilizam um patrimônio superior a R$ 100 milhões e pouco mais de 8.200 participantes, entre ativos e inativos. Destacando-se por um rígido código de ética e uma carteira de investimentos ultraconservadora, as entidades previdenciárias das ordens religiosas foram criadas à “imagem e semelhança” das suas patrocinadoras, as Igrejas Luterana, Anglicana, Adventista e Católica. Entre outras coisas que as diferenciam no mercado, sua política de investimentos exclui participação ou compra de ações de empresas dos setores de fumo, bebidas alcoólicas e armamentos.
Instituídos há duas décadas, os fundos Luterprev (da Igreja Luterana), Fapieb (Fundo de Aposentadoria e Pensões da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) e Iaja (Instituto Adventista de Jubilação e Assistência) tiveram origens praticamente semelhantes: todos remontam às caixas de assistência e pensões, fundadas no início do século passado por imigrantes europeus recém-chegados ao País. A novidade em instituir um “caixa” para garantir a aposentadoria seria inicialmente destinada aos pastores e reverendos de suas comunidades. Com o passar dos anos, porém, esses “caixas” começaram a ser franqueados também aos fiéis dessas igrejas, tão carentes de uma aposentadoria tranqüila quanto qualquer filho de Deus.
A Igreja Católica tentou criar uma fundação nacional para atender aos padres idosos na década de 60. Nasceu o Iprec, Instituto de Previdência do Clero, que não conseguiu se manter principalmente por aceitar padres com idade já avançada. Agora, apenas a Arquidiocese de Fortaleza mantém uma fundação particular para seu clero. Fundada há 27 anos, a Previdência Sacerdotal de Fortaleza, PSF, conta com 150 participantes ativos e inativos. Ao ingressar o padre paga uma taxa de 3 salários mínimos e, ao aposentar-se, recebe meio salário mínimo e assistência médica gratuita. “Não há contradição entre pagar um plano previdenciário e confiar na providência divina”, afirma o Monsenhor André Camurça, um dos fundadores da PSF.
“Hoje, ou se é um grande player do mercado previdenciário – o que requer uma grande estrutura de negócio – ou então se é especializado em um determinado nicho de mercado”, afirma o diretor de gestão empresarial da Luterprev, Everson Opperman, explicando a estratégia competitiva do fundo. Com 21 anos de mercado financeiro, o executivo é formado em Administração de Empresas e já passou por gerências de bancos, além de ser atualmente também diretor da empresa Assessoria e Negócios e Investimentos, de Porto Alegre, RS.
A maior parte dos associados das três fundações religiosas vem das áreas rurais dos Estados do Rio Grande do Sul e da região Nordeste – consideradas “berço” dos primeiros imigrantes europeus. Além desse perfil de participante, o fundo da Igreja Luterana, constituído como um plano aberto sem fins lucrativos, abriga também os professores das 52 escolas da rede luterana e 15 outras empresas. “É o tipo de cliente que não confia no banco, mas sim na igreja”, comenta Opperman.
Segundo ele, um dos pilares do crescimento dessas entidades é a confiança do participante no fundo. “Um agricultor participante não quer saber se a meta atuarial foi ou não foi atingida ou como são feitos os investimentos das carteiras de renda fixa ou variável. O que ele quer saber é que está contribuindo para um plano e que irá receber a aposentadoria quando chegar a hora”, diz Opperman. “Para ele, o essencial é saber que o fundo irá honrar a palavra”.
A Luterprev, hoje com 4.500 participantes e R$ 10 milhões em ativos, herdou o modelo da Caixa de Aposentadoria e Pensões, surgida há exatos 77 anos e até 1993 exclusiva dos pastores. Como uma das últimas constituídas sob a vigência da Lei 6.435, de 1977, que permitia a criação de entidades abertas com ou sem fins lucrativos, a fundação dos luteranos administra diretamente os recursos dos participantes através de um Fundo Gerador de Benefícios (FGB), uma espécie de primo distante dos ricos PGBL. “O que o distancia do plano é justamente a garantia da rentabilidade, a garantia de pagar IGPM + 6% ao ano, enquanto os PGBLs atrelam o retorno à valorização dos ativos aplicados”, explica Opperman.
A própria diretoria do fundo faz a administração dos ativos e passivos, planejando a alocação das carteiras com base nas decisões de um conselho administrativo e da diretoria financeira, essa última funcionando quase como um comitê de investimentos. “Por sermos um fundo de pequeno porte, optamos por uma administração direta, sem intermediários”, diz o executivo.
Dos seus ativos totais, 97% estão alocados em papéis pós-fixados indexados ao IGP-M, entre eles Notas do Tesouro Nacional (Série C), debêntures e ainda fundos e ativos imobiliários. Fechando o ano passado com uma rentabilidade de 17,46%, a Luterprev não cogita de mudar sua estratégia de investimentos neste ano. “Porque mexer na estratégia se ela está dando certo?”, pergunta Opperman.

Infra-estrutura – Já o Iaja, o maior dos três fundos vinculados a ordens religiosas, tem uma política de alocação de recursos um pouco mais agressiva. Com um patrimônio de R$ 90 milhões, o Iaja aloca 85% dos seus ativos em renda fixa e o restante em uma carteira de renda variável recheada de ações dos setores de infra-estrutura, petróleo e instituições financeiras.
Criado em 1979 e patrocinado pela igreja adventista, a fundação Iaja congrega quase 4.100 participantes, dos quais 3.405 são ativos e 696 inativos – todos obrigatoriamente funcionários de dedicação exclusiva da organização, como os médicos e professores que atuam nos hospitais e escolas mantidos pela própria igreja. A administração dos ativos da fundação é terceirizada com os bancos Itaú, Bradesco e Citibank.
No caso do Fapieb, o menor dos três fundos religiosos, mais de 50% dos seus ativos que alcançam R$ 4,7 milhões estão alocados em imóveis. O fundo tenta adequar-se aos limites da SPC, que estabelece um teto de 15% para esse tipo de ativo. “Como acontece em todas as organizações religiosas, recebemos muitas doações imobiliárias, que fazem parte de heranças de família”, comenta o supervisor técnico do Fapieb, Manoel José Pereira Dias, que não vê outra saída senão vender os imóveis para enquadrar o fundo.
Apesar dessa concentração, a rentabilidade do Fapieb alcançou 13,07% até novembro de 2001. Com nove patrocinadoras (sete dioceses, um seminário teológico e um conselho executivo nos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo e cidades de Recife e Brasília) e quase cem participantes (44 ativos e 45 inativos), o fundo anglicano assegura unicamente a seus clérigos, que contribuem com a Igreja para a formação da poupança.
Instituída em 1975 seguindo o modelo do Fund Church Pension (fundo norte-americano patrocinado pela igreja luterana), o Fapieb sofreu intervenção em fevereiro de 2001, dirigida pelo interventor Erno Brendano por um período de nove meses. Com as contas em ordem, a fundação retornou à normalidade e reconstituiu sua própria diretoria, da qual faz parte Pereira Dias, administrador de empresas e ex-funcionário de carreira do Banco Central, onde permaneceu por 17 anos.
Segundo ele, a fundação pretende iniciar o processo de migração do atual plano de Benefício Definido para um outro, de Contribuição Definida, ainda no primeiro semestre deste ano. Se dado, esse passo permitirá aos dirigentes do fundo transferir a administração de suas mãos para o controle de um banco ou asset.
Estar um pouco distante dos processos tradicionais do mercado previdenciário tem lá sua vantagens, na visão de Everson Opperman. “Conseguimos identificar nossos clientes pelo nome, e não por um número”, explica o diretor de gestão empresarial da Luterprev. Entretanto, esses participantes pagam um pouco a mais pelo privilégio. As taxas de administração da Luterprev, devido ao seu tamanho reduzido, são bastantes salgadas. “Não temos escala para praticar taxas muito baixas”, reconhece Oppermann. “Mas, mesmo sendo um pouco elevadas, nossas taxas compensam pelo retorno”.