Edição 105
A obrigação de marcar os ativos a mercado – contabilizar na carteira a oscilação dos seus preços diariamente – imposta pela Resolução 2.829 está inibindo o aumento da demanda por títulos de longo prazo indexados a índices de preços. A contabilização diária dos preços desses ativos nos fundos exclusivos nas carteiras administradas e nas carteiras próprias dos fundos de pensão pode levá-los a registrar prejuízos que, na prática, não existem, o que acaba enfraquecendo a procura pelos papéis de longo prazo.
A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) estuda a possibilidade de mudar as regras de contabilização de títulos indexados à inflação, o que, para gestores de recursos e consultores, aumentaria significativamente a demanda por esses papéis. De acordo com o secretário José Roberto Savóia, para tanto, está sendo aguardada a regulamentação, pelo Banco Central, da contabilização dos ativos das carteiras dos bancos. “Procedimento semelhante será proposto ao Conselho de Gestão da Previdência Complementar”, afirma Savóia.
Segundo o diretor de renda fixa da Citigroup Asset Management, Paulo Caricatti, o potencial de crescimento da demanda por papéis de longo prazo é bastante amplo, mas certamente a marcação a mercado faz encolher esse potencial. “É crescente a preocupação dos fundos de pensão em comprar ativos para casar com os seus passivos atuariais, mas a volatilidade que a marcação a mercado traz para as carteiras restringe o aumento da demanda”, diz Caricatti.
O diretor do Citigroup explica que hoje o mercado convive com a marcação a mercado diária e a marcação na curva (na data de vencimento do papel) porque a Resolução 2829 obriga as fundações a marcarem a mercado apenas a partir de janeiro do ano que vem.
Ele prevê que se não houver exceções para a marcação na curva, sofrerão mais as carteiras próprias das fundações e as carteiras administradas, uma vez que os fundos exclusivos são obrigados, pelo Banco Central, a marcar a mercado. Caricatti diz ainda que os fundos exclusivos dificilmente compram papéis com prazo superior a cinco anos por causa da volatilidade nas cotas.
Para o gestor de risco da Eletros, Jair Ribeiro, a marcação a mercado deve ser entendida como um princípio correto, que torna a carteira das fundações mais transparentes, mas que não deve ser empecilho a que as fundações façam o necessário casamento entre ativos e passivos.
Segundo Ribeiro, como todo princípio a marcação a mercado deve comportar exceções, desde que com critérios claros e apenas para os papéis de difícil precificação, como os títulos com vencimento de prazo mais longo e baixa liquidez. “O amadurecimento do sistema passa pela marcação a mercado e as fundações gerem recursos precificados pelo mercado”, acentua Ribeiro.
De acordo com especialistas, a contabilização diária dos preços dos ativos é contraditória no caso dos fundos de pensão, uma vez que eles acabam carregando o ativo até a sua data de vencimento para casá-lo com seus passivos atuariais.
O consultor senior da Prandini Rabbat e Associados (PRA), Sérgio Malacrida, defende mudanças nas regras de contabilização dos títulos comprados pelas fundações para serem utilizados na carteira de hedge. Entretanto, ele pondera que devem existir critérios bem definidos e limites para a compra de ativos que ficassem desobrigados de marcar a mercado.
Segundo o consultor da PRA, as fundações não deveriam fazer a marcação a mercado no caso da compra de papéis públicos indexados a índices de preços, “de preferência, os mesmos que corrigem as suas metas atuariais”, e ainda no caso da compra de papéis privados também atrelados à inflação, desde que com baixa classificação de risco conforme a determinação da Resolução 2.829.
Além disso, a compra deveria estar restrita ao limite do passivo previdencial já concedido, ou seja, se uma fundação tem passivo de R$ 100 milhões – dos quais R$ 80 milhões são de benefício em fase de concessão e os restantes 20% ainda em benefício a ser concedido – , a compra estaria limitada aos 80% da parte do benefício já concedido.
Para o diretor de risco da Lloyds Asset Management (LAM), Gilberto Poso, existem argumentos tanto para justificar quanto para condenar a exceção à marcação a mercado. “O pleito é justo, apenas quando existe o comprometimento do fundo de pensão de carregar os ativos até a data do seu vencimento. Mas essa exceção só deveria valer para os casos das compras feitas pela carteira própria da fundação”, defende.
No caso das aplicações em fundos exclusivos, o gestor entende que a marcação a mercado deve existir, uma vez que não se pode dar tratamento diferenciado a cotistas de fundos abertos e fechados.
Poso explica que, como o participante é o verdadeiro beneficiado pela precificação da carteira, a marcação a mercado se justifica especialmente no caso dos planos de contribuição definida (CD). Nesses planos, como o benefício concedido varia de acordo com a valorização das cotas dos fundos, é essencial que os ativos sejam marcados a mercado.
Já para o participante dos planos BD, ele entende como “indiferente” a precificação do ativo, uma vez que ele não recebe seu benefício de acordo com a variação das cotas do fundo. Poso lembra, ainda, que todos os fundos da LAM são marcados a mercado, conforme determina o Banco Central.
Opinião semelhante tem o gestor de investimentos da BNP Paribas Asset Management, Gilberto Kfouri. Ele reconhece que faz sentido para as fundações pleitearem a não marcação a mercado de alguns ativos, já que os seus passivos também sofrem variações que não podem ser computadas.
O gestor da asset do BNP avalia ainda que os planos de benefício definido são menos problemáticos que os de contribuição definida, mas ainda assim existem problemas caso os seus ativos não sejam marcados a mercado.
Ele explica que se houver um fato no mercado que afete o risco do ativo e, consequentemente, o seu preço, o ajuste precisa ser feito e a empresa patrocinadora de um fundo de pensão, seja ele de contribuição definida ou de benefício definido, será obrigada a reconhecer esse ajuste em seu balanço.
Bancos oferecem às fundações a opção de não marcar a mercado
A consultora de risco e diretora da Risk Control, Eduarda de La Roque, avalia que o atual modelo de contabilização diária das oscilações dos preços dos ativos gera um desenquadramento das fundações.
Em seu entender, deve ser feita uma correção nas regras da contabilidade dos ativos dos fundos de pensão. “Essa contabilização gera um descasamento entre ativo e passivo que, na prática, não existe. É preciso que as regras de contabilização sejam reparadas”, recomenda. A consultora diz que, em conversas com técnicos da SPC, tem sentido a preocupação da entidade com esse problema. “Acho que essa questão deve ter uma solução em breve”, diz.
Para Fábio Valle Barros, analista de investimentos do fundo de pensão da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), a Funssest, a marcação a mercado fortalece a precificação de ativos, em especial os pré-fixados, e traz mais realidade para os ativos das fundações. No entanto, o analista entende que os ativos comprados para casar com o passivo “não têm razão de serem marcados a mercado”. Fábio Valle diz ainda que o banco no qual a Funssest fechou a sua custódia centralizada, o Itaú, oferece para a fundação a opção de especificar quais ativos quer que sejam marcados a mercado.
Informalmente, alguns ativos de baixa liquidez não vêm sendo marcados a mercado pelos bancos, confidenciam alguns gestores. No final de setembro, a Anbid colocou em audiência pública minuta de um novo capítulo do Código de Auto-Regulação, que visa padronizar as práticas dos participantes da indústria de fundos. Vale lembrar que a associação recomenda aos seus associados que façam a marcação a mercado.