Edição 115
Preocupadas com a eficiência dos seus investimentos, cujos retornos serão fundamentais para garantir as aposentadorias de milhões de pessoas no futuro, as fundações têm investido bastante na criação de instrumentos de controle para se proteger de fraudes. E embora recentemente dirigentes de alguns grandes fundos de pensão tenham tido seus nomes vinculados a suspeitas de fraudes no mercado de ações, em reportagem que foi capa da revista Época, o espaço para práticas desse tipo é cada vez menor.
Contribuem para isso novos instrumentos de controle dos investimentos, diretorias profissionalizadas, órgãos reguladores não coniventes e participantes cada vez mais atentos. Apesar disso, a segurança jamais será de 100%. “O risco de fraude sempre há, mas está diminuindo”, resume o superintendente da Abrapp, Devanir da Silva. “Mas, no caso relatado pela revista, acho que os fundos de pensão entraram na história mais como vítimas”.
Entre as medidas que as fundações estão tomando para se prevenir contra as fraudes estão a implantação de novas áreas de controladoria e compliance, a gravação de tudo o que se passa numa mesa de operações, a terceirização da gestão de ativos, a criação de comitês de investimento e revisão periódica das políticas de ativos, a dupla checagem das operações e a segregação de funções. O problema é que nada disso funciona bem se não existir, por trás, uma diretoria profissional e interessada em que funcione, ensina Eduardo Sampaio, presidente da Kroll, uma das maiores empresas do mundo na área de proteção contra fraudes e gestão de risco empresarial.
Para Sampaio, “além de bons sistemas de controles, é preciso ter na gestão dos fundos de pensão profissionais de mercado e não profissionais de carreira indicados pela patrocinadora”. De acordo com ele, várias fundações cujos nomes eram frequentemente associados a procedimentos não tão lisos no passado mudaram ao profissionalizar sua gestão e combinar isso com a implantação de novos controles.
A fundação Petros era comumente associada a negócios escusos, no passado. Com a decisão de profissionalizar sua gestão, há pouco mais de dois anos, isso começou a mudar. Hoje, na fundação, nenhum negócio é fechado sem que se observe um conjunto de normas de conduta, entre as quais a sua submissão a uma área de controladoria, o uso de benchmarks, o cuidado com o risco de crédito e o parâmetro das taxas do governo como mínimo aceitável de rentabilidade. Além disso, a fundação só opera com corretoras que tenham mesa de gravação para as operações e exige que todas as operações sejam feitas por escrito, com o aval das áreas técnicas. Se houver informações e conclusões divergentes sobre alguma operação, o responsável por ela deve assinar um termo de responsabilidade.
“Um dos grandes problemas da fundação é identificar os responsáveis por investimentos ruins feitos no passado”, diz a diretora de investimentos da fundação, Eliane Lustosa. Segundo ela, além do apoio da área técnica, a operação precisa contar também com o apoio da área jurídica. “Uma operação pode ser fantástica em termos de rentabilidade, mas se suas garantias não forem factíveis ela não se concretiza.”
A Petros também está escolhendo um banco que fará o back office de todas as suas operações, controlando externamente todos os processo criados internamente. Com isso, elimina o risco de que um monte de procedimentos internos sofisticados sejam anulados pela associação de várias pessoas ou áreas atuando de forma combinada. Segundo Eliane, quatro bancos estão participando da seleção.
Monitorar os riscos – Na Aerus, a profissionalização também está ocorrendo a toque de caixa. Com a chegada de Odilon César Nogueira Junqueira à presidência da fundação, em maio do ano passado, vieram algumas contratações de peso. Entre elas a de Beni Faermann, para a diretoria financeira, e a de Sérgio Fajerman para a gerência da recém-criada controladoria estratégica de investimentos. A nova área pretende, de um único local, monitorar todos os riscos e analisar o impacto que cada decisão de investimento traz à fundação no curto e no longo prazo. Segundo Fajerman, em dois meses, no máximo, será implantado um sistema para a gravação das mesas de negociação da fundação.
Além disso, para evitar abusos, os limites de investimento da Aerus em cada banco devem ser aprovados pelo conselho de curadores da fundação, após avaliação das análises internas e das análises de duas firmas de rating especialmente contratadas para esse fim, a Fitch e a Riskbanking.
As mudanças na Funcef começaram há dois anos, com a chegada de Edo de Freitas. Uma das primeiras medidas foi a criação da gerência de controladoria, colocada sob a responsabilidade de Itamar Jardim Júnior. Segundo ele, a área deve controlar desde as datas para remessa de documentos aos órgãos reguladores e fiscalizadores até o monitoramento diário das carteiras em poder dos gestores. “Abrir a carteira de fundos é de altíssima prioridade; olhamos tudo, taxa de juros, quem é a contraparte de risco de crédito, qual é o banco etc.”, diz.
Vinculadas à controladoria estão vários departamentos, entre eles o de programação econômico-financeira, responsável pelo acompanhamento das despesas e execução dos orçamentos, o de controle interno, que mapeia todas as operações desde onde começam até onde acabam, e o de controle de investimentos, que fiscaliza o processo de seleção das corretoras, as taxas de administração dos fundos, as liquidações das operações da mesa etc. “Não buscamos apenas segurança, mas também a qualidade da aplicação”, diz Jardim Júnior. “Procuramos a segurança, mas temos como benchmark o mínimo atuarial”.
No caso da Eletros, o gerente de risco da fundação, Jair Ribeiro, enfatiza que toda decisão de investimento é documentada e respeita o conjunto de normas de responsabilidade e procedimentos elaborado por auditorias, consultorias externas e integrantes internos, que prevê inclusive sanções e punições. “É um tripé de controle, profissionalismo e transparência muito bem elaborado, onde fica praticamente impossível ocorrerem desvios, sejam por ingenuidade ou por má-fé”, conclui.
As decisões de investimento na fundação da Eletrobrás dependem do comitê de operações e aplicações – uma brigada de nove pessoas composta por seis técnicos, um gerente de investimento, um gerente de risco e o diretor financeiro –, que se reúne diariamente para analisar o que foi feito no dia anterior e definir as estratégias de investimentos e os próximos investimentos. Apesar disso, os investimentos só são aprovados após a palavra final do Comitê Executivo de Investimentos (CEI) – formado por três diretores e pelas gerências de investimentos, de risco e de controle das operações.
Mas, será que esse conjunto de medidas controladoras poderá livrar as fundações das más notícias? Bem, elas pelo menos estão no caminho certo. Ao adotarem instrumentos de controle e nomearem diretores profissionalizados, criam uma barreira mais eficiente contra a ingerência política. Nos fundos de patrocinadoras estatais, principais alvos das denúncias, isolar a interferência política é fundamental. “Os problemas que têm surgido são nos fundos de pensão estatais, e todos eles são resultado do uso político da fundação”, analisa o professor da Fundação Getúlio Vargas, Flávio Marcílio Rabello. “Veja que não há nada pesando contra os fundos de pensão de empresas privadas”.
Assistencialismo – Para Eduardo Sampaio, da Kroll, os fundos de pensão brasileiros, nascidos há 30 ou 40 anos para atender às necessidades de aposentadorias de funcionários de empresas públicas, já nasceram imbuídos de uma mentalidade de benevolência e assistencialismo, conceitos que descambaram para a ineficiência e que acabaram se perpetuando no sistema mesmo com a privatização de grande parte das empresas que os patrocinavam.
“Ao contrário de um ambiente empresarial, grande parte dos mecanismos de controle das fundações de patrocinadoras públicas foram montados ali para não funcionar”, analisa o executivo da Kroll. Como resultado de desmandos de gestões passadas e do uso dessas fundações com finalidades políticas, hoje as suas patrocinadoras estão sendo obrigadas a fazer vultosos aportes para sanear os planos. “Agora, essas fundações estatais têm pela frente o desafio de consertar aquilo que nasceu errado”, avalia Sampaio.
Uma contribuição nesse sentido elas têm tido dos próprios órgãos fiscalizadores, como a SPC, que ao aumentarem a fiscalização e o controle sobre o sistema inibem as ações daqueles que pensam em fazer uso político dos fundos. Com isso, amplia-se o espaço para os dirigentes comprometidos com a fundação e sua rentabilidade, e não com os interesses da patrocinadora ou outros.
Entre os próprios fundos de pensão já é perceptível uma mudança de postura, tal como aconteceu nos EUA na década de 70. Lá, alguns grandes fundos, como a Calper’s, conhecidos pela histórica passividade diante das decisões vindas de cima sobre seus investimentos, passaram a participar mais ativamente das decisões de alocação dos recursos e a acompanhar efetivamente o destino do dinheiro e o retorno dos investimentos, explica Sampaio.
Nesse particular, o fundo dos professores universitários americanos, o TIAA, colocou um marco ao exigir assento nos conselhos deliberativo e fiscal das empresas e a exigir prestação de contas dos investimentos – foram os primórdios da hoje chamada governança corporativa, com os investidores acompanhando mais de perto os investimentos. “Guardadas as devidas proporções, já assistimos a essa mudança de paradigma também aqui no Brasil, entre os fundos brasileiros”, analisa Sampaio.
Onde mora o perigo
Hoje, o maior desafio dos fundos de pensão brasileiros é livrar-se dos projetos de aventureiros, sem respaldo técnico e sem perspectivas de retorno. Cada vez mais isso está sendo feito usando-se as áreas de controladoria e compliance, as auditorias de projetos, a definição estratégica de alocação de recursos etc.
São todas medidas válidas, mas o problema é que a cada uma implantada pelas fundações os oportunistas criam duas maneiras novas de burlá-las. Conhecidos como “clube do dinheiro fácil”, os fundos de pensão continuam alvos preferidos desses oportunistas de plantão, porém somente são visitados quando se sabe que quem está no comando é aberto a negociatas.
Vale ressaltar que as cifras envolvidas podem ser vultuosas. “Por melhor que seja o salário de um alto executivo de fundação, não se pode desprezar a força do poder econômico, a força da empresa interessada na aprovação do projeto e no investimento do fundo de pensão. E, com poder econômico, fica muito fácil conseguir as coisas”, diz Marcelo Gomes, consultor da GBE Peritos, empresa especializada em fraudes financeiras.
Segundo ele, uma forma de inibir essas práticas seria a contratação de auditorias externas para acompanhamento de projetos específicos, não apenas para os balanços atuariais normais dos fundos. “Com isso seria possível identificar mais precocemente eventuais tentativas de fraudes e de subornos. Mas cabe aos participantes decidir se querem onerar o fundo com mais esse gasto ou correr o risco de um rombo maior lá na frente. É preciso encontrar um meio termo.”
Para Eduardo Sampaio, da Kroll, a eficiência das análises das auditorias externas também é duvidosa. “Há muitas auditorias que prestam serviços de ‘mentirinha’. Há muitas ‘Enron’ vagando por aí” diz ele.
Todas as medidas que vêm sendo tomadas pelos fundos para inibir subornos e transações ilícitas, aliadas a uma legislação mais rígida e a uma fiscalização mais atuante dos órgãos responsáveis, são bem-vindas, considera o professor Rabello. Porém, no seu entender, o problema vai persistir enquanto o Governo continuar fazendo do fundo estatal um instrumento político, colocando em sua administração pessoas de seu círculo. “Não há controle que suporte isso. Precisamos de uma lei mais dura contra setores do próprio Governo que insistem em fazer uso do fundo de pensão para fins políticos”, sentencia.
Além disso, outra medida que pode levar à uma maior eficiência no sistema é a adoção dos planos CD pelas fundações. Segundo Eliane Lustosa, da Petros, o plano CD leva a uma maior fiscalização dos investimentos por parte dos participantes. “No BD isso não tem razão de acontecer, pois o participante recebe a sua aposentadoria de qualquer jeito. Já no CD, os resultados dos investimentos da fundação é que farão a diferença no final da sua vida laboral, na hora da aposentadoria”, diz ela.