Edição 353
Num ambiente que continua defensivo para os investimentos em geral, abalado por incertezas que vão desde o tamanho de uma recessão da economia mundial em 2023 até a queda nos lucros das companhias que compõem os principais índices de bolsas nos EUA e o comportamento dos juros naquele país, já aparecem alguns sinais de melhora em relação aos últimos 18 meses. Mas os gestores de fundos que investem no exterior reconhecem que ainda são tímidos.
Nesse cenário, as oportunidades em renda fixa nos EUA, ainda considerado um porto seguro, têm avançado entre os institucionais brasileiros como a principal novidade em relação aos investimentos em renda variável no exterior.
Com um movimento forte de correção de taxas de juros que teve repiques importantes no mundo, o ano de 2022 viu a expansão de um aperto monetário que já havia começado antes em alguns países emergentes, incluindo o Brasil, e que trouxe desafios múltiplos para o investidor. “A discussão hoje é sobre o término desse movimento a nível global, porque no Brasil já é consenso que o ciclo de aperto monetário terminou, mas lá fora ainda haverá novas altas”, observa Marcelo Pacheco, diretor executivo de gestão de ativos da BB Asset Management.
Embora neste início de ano predomine no mercado o otimismo em relação à inflação, explícito no fato de que a curva de juros futuros nos EUA começou a recuar, o gestor lembra que o trabalho do Federal Reserve não terminou e o mercado de trabalho naquele país continua forte, assim como a inflação de serviços. “Hoje o mercado vê um soft landing da economia americana, mas acreditamos que a calmaria seja temporária e o Fed deverá retomar uma postura mais hawkish, ou seja, com mais contração monetária e a volta das preocupações com os EUA no segundo trimestre”, diz
A alta do juro, que até agora foi sincronizada em todo o mundo, levou à correção em equities e no mercado de bonds, com perdas para a alocação nas duas classes de ativos. No mercado local, o juro de dois dígitos e o juro real acima dos objetivos atuariais das fundações não estimulam a demanda por ativos no exterior. “Para quem tem seu passivo atuarial coberto, há uma alternativa segura aqui, então é natural que haja maior demanda por ativos domésticos e houve uma volta dos recursos para o mercado brasileiro que ficou mais clara em 2022”, afirma Pacheco. Em 2023, apesar da perspectiva de redução da Selic no segundo semestre, as taxas seguem elevadas e não há um grande incentivo à diversificação internacional. “É até desafiador defender essa busca”, admite.
Na BB Asset, houve alguma saída de recursos desse segmento mas nada muito expressivo e a gestão assumiu uma postura mais defensiva para enfrentar as dificuldades do ano passado. “Carregamos um pouco mais de caixa e compramos papéis de empresas mais defensivas, além de bonds com prazos mais curtos, então protegemos as carteiras e conseguimos perder menos”, diz. Em 2023, a diretriz é reequilibrar essa postura para tomar uma dose maior de risco mas isso acontecerá aos poucos, porque a casa ainda vê riscos no horizonte. O momento é bom para os bonds porque a curva do juro cedeu um pouco em janeiro, porém o ano de 2023 será ainda desafiador e será difícil acertar o ponto de inflexão da inflação e dos juros lá fora.
“O mercado de bonds ficou, talvez, excessivamente otimista e ainda não é o momento de alongar posições. Vamos buscar aos poucos uma faixa de preços interessante”, explica. Ele vê espaço para correções tanto no mercado de ações quanto no de bonds, mas embora os bonds tenham voltado a performar bem, a perspectiva é melhor para as ações. “Ainda acredito que o mercado de equities deverá ter maior espaço porque os preços das empresas já haviam sido corrigidos e também porque essa classe não sofrerá com tanta força o impacto da nova onda de alta de juro como no caso dos bonds”, estima. Em ações, a asset já busca o ponto ideal para compra, depois de passar o ano de 2022 buscando o ponto ideal para venda.
Para os fundos de pensão, o momento de voltar a aumentar essa alocação ainda vai demorar um pouco, mas eles voltarão porque é apenas uma questão de timing, acredita o gestor. “No segundo semestre poderá haver algum movimento nesse sentido à medida que o juro local caia mas a verdade é que ainda vamos terminar o ano com Selic de dois dígitos”, diz.
Vivemos um momento de mudança para melhor em relação à reprecificação de ativos sofrida ao longo dos últimos 18 a 24 meses e que mexeu ao mesmo tempo com os mercados de renda variável e de renda fixa. Há sinais de que os bancos centrais devem parar de elevar os juros ainda no primeiro semestre de 2023 e de que a inflação está sendo domada, mesmo aquela mais persistente, avalia Luiz Philipe Biolchini, diretor de investimentos da Bradesco Asset Management (Bram). A tendência projetada pelos mercados prevê um ambiente de atividade econômica mais fraca e o principal fator de ansiedade está no tamanho do desaquecimento que virá, mas os sinais emitidos apontam para melhora na atividade em 2024, acredita.
Um dos principais drivers positivos vem da China, que reabriu sua economia e deixou de lado a política de Covid zero, o que significa maior demanda por commodities. “Essa reabertura organizada traz um alento para exportadores de commodities e o mercado já começou a reagir favoravelmente nos últimos meses”, diz Biolchini. Para o investidor, ele vê mais oportunidades, ainda que a perspectiva seja de espera por uma melhora mais consistente.
“O investidor brasileiro já começa a mostrar uma presença mais forte de ativos no exterior, em busca de diversificação geográfica e ativos cujo risco está menos sincronizado, isso dá mais equilíbrio ao mesmo tempo em que há uma rentabilidade diferenciada”, aponta. Isso significa que o investidor interessado no exterior já não dá tanto peso à exposição cambial e busca gestores com uma gama mais diversificada de produtos. “Ainda não chegamos a essa fase, mas a tendência é de que o segmento ganhe espaço novamente nas carteiras de investimento”, acredita. Por enquanto, o investidor tem nos ativos locais uma taxa de retorno do CDI com menor risco e mantém exposição reduzida a ativos de maior volatilidade, mas à medida que essa volatilidade começar a convergir para dentro das expectativas e houver a perspectiva de uma nova âncora cambial, isso deve melhorar.
A diversidade de produtos será decisiva, acredita o gestor, até porque há espaço hoje para produtos tanto de renda fixa quanto renda variável, com ou sem hedge cambial, mais ou menos focados em determinados países e ativos. A reabertura da China, por exemplo, pode significar um bom momento para alocar em emergentes. “A indústria de fundos avançou nas parcerias com gestores globais e fundos de fundos (FoFs) , que tendem a ter um peso cada vez maior”, aponta. Na asset, há fundos com permissão para alocar no exterior e aqueles com foco específico nos mercados globais, seja por meio de estratégias de renda variável, renda fixa ou multimercados quantitativos. “Tem crescido a classe dos fundos multimercados quantitativos que alocam de forma sistemática no exterior, que geram valor em cima de benchmarks globais e foram os que geraram maior retorno”, informa.
São quatro grandes frentes de fundos voltados para os institucionais: renda fixa, renda variável, multimercados e os Fofs, que incluem desde fundos que investem em ativos alternativos até renda fixa global. Ainda que a captação não tenha ido bem em 2022, a geração de bons resultados pelas estratégias quantitativas são um atrativo adicional, acredita Biolchini, para quando o investidor decidir voltar a esse mercado. A simplificação é outra característica marcante do momento: “No passado, com os juros baixos, esse investidor precisou buscar alternativas mais complexas, mas hoje o mais simples e mais direto em cada classe, sem muita alavancagem, voltou a ser uma oportunidade para investir no médio prazo. Os ativos mais tradicionais voltaram a dar bons retornos”, diz.
As alocações feitas pelos fundos de pensão no exterior estavam muito concentradas em bolsa e a normalização dos juros lá fora prejudicou bastante esse mercado em 2022, observa Fernando Lovisotto, sócio e responsável pelas estratégias de curto prazo da Vinci Partners. Para acentuar o impacto, essa alocação estava concentrada em ações de empresas ligadas ao crescimento, como as de tecnologia, o que ampliou ainda mais o resultado negativo. “Outro fator relevante foi o impacto da variação da moeda, pois a maioria desses investimentos estava sem hedge cambial, então foi uma rara conjunção de fatores que reforçaram as perdas”,afirma. Agora as empresas de tecnologia precisam ser avaliadas em dois mundos diversos, segundo o gestor: o das empresas novas, que tendem a continuar baratas, e as gigantes como Amazon e Google, por exemplo, que estão baratas mas continuam dando lucro e fizeram ajustes.
O mandato mais importante da gestora, um multimercado que combina renda variável à renda fixa e é de retorno absoluto, pode ou não fazer hedge cambial e manteve opções de proteção contra a alta do real frente ao dólar. Nos fundos exclusivos da casa, a exposição foi totalmente travada contra a variação cambial com opções de dólar ainda em janeiro de 2022. “Em setembro, passamos a fazer essa trava com dólar futuro, o que ajudou a reduzir bastante as perdas e ficamos no primeiro quartil de resultados. Foi a combinação de hedge e de balanceamento das carteiras que permitiu reduzir prejuízos”, conta. A casa tem hoje US$ 600 milhões sob gestão em exterior, volume que caiu desde o ano passado pela desvalorização, mas não sofreu resgates.
Daqui para a frente, acredita Lovisotto, o investimento no exterior terá que seguir na mesma toada porque o juro vai continuar elevado por algum tempo. “Esse nível de juro nos EUA, em torno de 5%, é bom para a renda fixa e os prêmios de crédito voltam a ficar atrativos, então uma carteira balanceada volta a ser interessante, com trava cambial”, avalia. Com o mercado de trabalho ainda aquecido nos EUA, as estimativas das casas gestoras seguem divididas em relação à probabilidade e ao tamanho da recessão. “Estão começando a precificar a recessão, mas as casas estão bem divididas nessa avaliação. O ideal é manter carteiras diversificadas em renda fixa e renda variável”, diz. A diversificação geográfica e setorial é importante, mas a maior parte das carteiras da gestora está alocada em EUA, com Europa e Ásia também, um mercado que ficou cinco anos parado mas agora está surpreendendo.
O ano de 2022 trouxe, além da alta volatilidade, mudanças estruturais no ambiente macroeconômico que poderão afetar os modelos de negócios ao longo dos próximos anos e a seleção de empresas a serem investidas. “Foi um momento de mudança importante no mundo, em que os bancos centrais, depois de duas décadas de estímulos, com juros zero ou negativos e sem inflação, passaram a elevar suas taxas para conter a inflação crescente”, observa Gustavo Aranha, sócio e diretor de distribuição da GeoCapital, gestora com R$ 1 bilhão sob gestão e 100% focada em investimentos internacionais.
Para a casa, que baseia seus processos de investimento na escolha de companhias cujos modelos de negócios sejam dominantes e tenham potencial de entregar bons retornos, o ano trouxe alguns resultados relevantes, apesar dos retornos negativos. Seu fundo de longo prazo, por exemplo, que investe em equities globais, terminou o quarto trimestre com retorno negativo de 16,07% a.a., em dólares, enquanto o MSCI World, no mesmo período, fechou negativo em 18,14% a.a., também em dólares, ou seja, ficou dois pontos acima do índice mas fechou o ano com uma perda. “Alguns investidores compreendem que a classe é volátil e não foi bem mas, por outro lado, também entendem que o “cavalo”em que apostaram foi melhor do que o índice”, diz.
As mudanças que afetaram os modelos de negócios exigem uma revisão no universo de cobertura. “Muitas teses foram retiradas porque mostraram fragilidades com as quais não queríamos conviver, como por exemplo as da Comcast, Coca-Cola e Illumina, entre outras. São teses que deixaram de fazer sentido entre as melhores do mundo a partir de 2022”, explica. A Illumina, por exemplo, revelou fragilidades pela redução na velocidade de adoção de equipamentos de sequenciamento genético e pela aquisição da Grail, transação que era importante para a tese mas acabou não acontecendo. Já a Coca Cola saiu do universo de cobertura porque a expansão de margens não ocorreu na rápida velocidade que a gestora esperava. Por outro lado, algumas empresas dominantes e de alto crescimento foram incluídas nesse universo, em especial companhias classificadas como de growth e tecnologia que estão com preços descontados. Entre elas, a Farfetch, que tem se posicionado como o principal marketplace de luxo.
Hoje a carteira inclui posições relevantes que não tinha no passado, como as da Visa, da Alphabet, da Microsoft e da Booking Holdings, por exemplo, porque ficaram muito baratas. “Mas olhamos uma a uma e fugimos das generalizações, tanto que uma Tesla, por exemplo, não entra no nosso universo de growth”, explica. Em 2023, o portfólio segue do mesmo modo, mas os resultados das companhias no quarto trimestre do ano, que começam a ser divulgados agora, já mostram que as boas empresas tiveram bons resultados apesar de expostas a um ambiente desfavorável ao longo de 2022. “Apesar disso, vai ser preciso observar com atenção essas empresas porque 2023 será um ano de menor crescimento e mais demissões, então vamos continuar a monitorar quais dessas companhias continuarão a apresentar bons resultados, até porque os próximos anos serão de juro alto”, diz.
Para os fundos de pensão brasileiros, o ano foi negativo do ponto de vista da alocação no exterior e há muita sensibilidade à volatilidade dos mercados, avalia o gestor. “O ano passado terminou com pouco apetite desses investidores pela classe, mas já vemos agora alguns clientes olhando possíveis posições casadas com equities no mercado local e talvez haja maior interesse no segundo semestre”, espera.