Edição 105
Fechar 2001 com rentabilidade positiva no mercado de ações será uma missão quase impossível para os fundos de pensão. Quando muito, eles conseguirão reduzir ou anular as perdas acumuladas pelo Ibovespa ao longo deste ano, ampliadas após os ataques terroristas aos Estados Unidos. O Índice Bovespa acumulava perda de 30% no ano até meados de setembro, sendo que 18% apenas na semana que se seguiu à tragédia do dia 11, quando as torres gêmeas do World Trade Center vieram abaixo.
Esses resultados levaram a uma corrida para sacar dos fundos de ações. Apenas nos dois dias seguintes ao ataque aos EUA, os fundos de ações perderam R$ 530 milhões, segundo dados da Anbid. Em contrapartida, os fundos indexados ao CDI captaram R$ 1,1 bilhão nos quatro dias após a tragédia. No dia 24 de setembro, os fundos de ações perdiam R$ 1,6 bilhão e os fundos referenciados em DI e câmbio ganhavam R$ 2,8 bilhões.
Os números, bastante desanimadores, podem comprometer as metas atuariais das fundações. Um bom exemplo de que 2001 não será um bom ano para o mercado de ações e, conseqüentemente, para a carteira de renda variável dos fundos de pensão é a Eletros. Depois de encerrar 2000 com rentabilidade de 16,95% na carteira de renda variável (contra uma queda de 10,67% do Ibovespa), este ano a fundação perdeu tudo o que ganhou no ano passado. A carteira de ações acumula desvalorização de 17% até 21 de setembro.
Ao contrário do ano passado, quando sua área de investimentos fez uma bem-sucedida proteção da carteira, este ano a fundação deixou escapar o momento certo de proteger os investimentos em renda variável. “Perdemos o timing. Quando resolvemos fazer uma operação de hedge, o custo estava muito alto”, lamenta o gerente de risco da Eletros, Jair Ribeiro.
O responsável pela avaliação do risco da Eletros ressalta que a fundação prioriza a análise fundamentalista e as operações com derivativos são um complemento para obter maior rentabilidade. Como o cenário era bastante promissor para a Bolsa no início deste ano – avaliação compartilhada pelos especialistas do mercado de ações – a estratégia, naquela ocasião, foi esperar o melhor momento para fazer uma nova operação lucrativa. Mas a crise argentina veio e não deu mais folga à Bolsa e, para desestruturar ainda mais o mercado de ações, veio a tragédia nos EUA.
Ribeiro conta que, em dezembro passado, a Eletros desfez-se da operação feita no mercado de opções no início de 2000 e que lhe rendeu gordos lucros no decorrer daquele ano. Segundo ele, o ideal seria fazer uma nova operação no início de 2001, quando o custo do hedge ainda era baixo. “O Ibovespa estava na casa dos 17 mil pontos, próximo do patamar de janeiro de 2000. Mas nada, nem ninguém, poderiam imaginar que o índice atingiria a casa dos 10 mil pontos”, diz.
Sorte da Eletros é que a carteira de renda fixa estava menos exposta ao risco, o que serviu para compensar parte das perdas na Bolsa. Segundo o gerente de investimentos, Luiz Guilherme Nobre Pinto, logo após os ataques aos EUA a fundação desfez-se de uma operação de renda fixa feita em meados deste ano, que lhe garantiu rentabilidade de 118% do CDI. Cerca de 80% da carteira de renda fixa estava indexada aos fundos DI em meados deste ano, quando a fundação decidiu realocar 30% em operações prefixadas, que na ocasião pagavam prêmio bastante atrativo.
Não foi só a Eletros que perdeu o timing para evitar perdas na Bolsa. A Valia (Vale do Rio Doce) também amargou prejuízos. As perdas só não foram maiores porque a fundação mantinha ações defensivas em carteira, como as dos setores de mineração e petróleo, que em média perderam menos que os papéis mais líquidos da Bolsa. O menor impacto também se deveu ao fato de que a carteira de renda fixa estava quase 100% (98%) em investimentos pós-fixados, basicamente em títulos atrelados ao CDI e ao IGP-M.
Na carteira mais líquida de ações, a Valia contabilizava perda de 10% em meados de setembro, o que come quase todo o ganho global dos investimentos da fundação acumulado até agosto, de 12,39%. Apesar das perdas na Bolsa, a fundação ainda não se decidiu por uma operação com derivativos que minimize o prejuízo. “Estamos avaliando as alternativas. O hedge puro está muito caro e fazer operações travadas nos atuais níveis da Bolsa significa proteção para baixo da carteira. Em caso de alta as chances de ganhos ficam bastante reduzidas”, explica Maurício Wanderley, gerente de investimentos da Valia.
A fundação Ceres, dos funcionários da Embrapa, teve um pouco mais de sorte. Em abril e em julho deste ano, a fundação fez operações de trava no mercado de opções, que protegeu 87% da carteira à vista de ações, o equivalente a pouco mais de R$ 100 milhões. Ao mesmo tempo que as duas operações reduziram a exposição da fundação no mercado à vista, diminuindo os impactos das quedas, ela permite um ganho, ainda que limitado, no caso de a Bolsa voltar a subir. As operações têm vencimento em abril e em outubro de 2002.
“As operações trazem um conforto neste momento”, acredita o diretor financeiro da Ceres, Cleuber Oliveira. O ganho líquido com a operação de trava foi de cerca de 10% até agosto, o que vai ajudar a reduzir as perdas no mercado à vista, ainda não contabilizadas. Segundo ele, a fundação estuda a possibilidade de fazer nova operação de hedge para proteger toda a carteira de renda variável.
A Ceres estuda ainda a mudança da sua meta atuarial (atualmente IGP-DI mais 6% ao ano) para evitar o não cumprimento da meta atuarial, como aconteceu em 1999 e em 2000 (ver box). Este ano, pelo desenrolar dos acontecimentos, pode ser um novo ano de dificuldades para os fundos de pensão cumprirem suas metas atuariais, em especial as que têm suas metas fixadas em IGP-M ou em IGP-DI.
Metas comprometidas – O consultor da PPS, consultoria de risco, Everaldo França, prevê que, apesar da alta dos juros, o aumento dos índices de inflação tem deixado intranqüilas as fundações no que diz respeito ao cumprimento das metas atuariais. Ele acrescenta que as fundações que compraram papéis indexados ao IGP-M para suas carteiras próprias sentirão menos os impactos do atual cenário quando do amadurecimento dos planos.
Para auxiliar no cumprimento da meta atuarial, uma boa alternativa pode ser aumentar o percentual de títulos indexados à inflação na carteira, com destaque para os papéis em IGP-M, aconselha a consultora da Risk Control, Eduarda De La Roque. Ela, entretanto, desanconselha as aplicações indexadas ao câmbio. Na sua opinião, a maior procura por operações alternativas para tentar diminuir o risco, deve ser acompanhada de muita cautela e cuidados na hora de calcular o custo e o risco a correr.
Para as fundações, depois da perda concretizada, muito pouco resta a fazer, a não ser tentar reduzir e se proteger contra perdas futuras. O fundo de pensão dos funcionários da Companhia Siderúrgica de Tubarão (Funssest) decidiu assistir à deterioração do cenário e à queda da Bolsa sem fazer grandes mudanças na alocação. “Vamos sentir a queda da Bolsa e amargar perdas no final do ano, mas agora não é a melhor hora de sair. Não nos precipitaremos”, afirma o diretor de investimentos da fundação, Diamantino Alberto de Carvalho.
A ordem na Funssest é tentar minimizar as perdas. A fundação decidiu realocar 30% da sua carteira de renda variável (cerca de R$ 60 milhões) para o indexador IBX, que acumulou perda menor que o Ibovespa no mês de setembro. Enquanto o IBX registrava queda de 18,26% (até 24 de setembro), o Ibovespa perdia 30,98%. Segundo o diretor da fundação, o perfil jovem do fundo permite pensar um pouco mais no longo prazo “sem sofrer com turbulências passageiras”.
Líquida – Já a Funcef não pretende fazer nenhuma operação especial, por enquanto. Segundo o diretor de investimentos da fundação, Mário Serpa, embora os últimos acontecimentos tenham provocado uma deterioração dos indicadores econômicos, as questões conjunturais acabam não causando grandes impactos nos investimentos como um todo se não perdurarem por muito tempo.
“A estratégia que vem sendo adotada nos últimos anos privilegia a proteção do benchmark e não a sua superação.” Serpa explica que como o caixa da fundação estava líquido, com a venda da Sasse Seguros em fevereiro deste ano, os recursos foram direcionados para a renda fixa, o que reduziu o impacto na renda variável.
No início do ano, apenas cerca de 30% do patrimônio estava na renda fixa. Hoje este percentual está próximo de 45%. É sua intenção destinar recursos oriundos da venda de sua participação na Americel e Telet (no final de setembro) também para renda fixa. No mercado de ações, a exposição foi reduzida de 30% para 25%, com tendência a reduzir mais.
O diretor da Funcef ressalta que não é uma estratégia da fundação operar com baixa exposição em ações mas, longe de prever os últimos acontecimentos nos EUA, o cenário com o qual a fundação trabalhava já era o mais estressante entre os traçados.
Para gestores e consultores de risco, um dos motivos que faz os fundos de pensão perderem o momento certo de realizar uma operação estruturada e reduzir perdas é a morosidade na tomada de decisão, que deve ser tomada sempre em conjunto com os conselheiros.
“Embora mais preocupadas após os eventos dos EUA, as fundações ainda estão lentas nas tomadas de decisão”, avalia o diretor do Opportunity, Celso Portásio, que assegura não ter observado nenhum movimento mais acentuado para mudança de perfil de risco ou para operações mais estruturadas nos mercados por parte das fundações.
Já o diretor-executivo do Citigroup Asset Management, Roberto Apelfeld, constatou aumento das consultas por parte das fundações, dispostas a entender melhor como suportar esse novo momento de adversidade. “Foram feitas as alterações necessárias dentro de cada carteira, mas não houve nenhuma mudança significativa na política de investimentos”, diz.
Segundo ele, a asset do Citigroup já vinha adotando uma postura mais defensiva das carteiras, o que permitiu a redução das perdas, tanto nos fundos de renda fixa como nos de renda variável. O Citi Pensions, fundo de renda fixa destinado aos investidores institucionais, acumulava rentabilidade de 12,28% no ano, até 20 de setembro, enquanto o CDI subia 12% no mesmo período. O Citi Institucional Ações, por sua vez, caía 17,97% no mesmo período, enquanto o Ibovespa recuava 30,91%.
Prevenções – O fundo de pensão da Casa da Moeda, o Cifrão, que vinha reduzindo sua exposição em Bolsa desde o início do ano, prevê novos sobressaltos na rentabilidade da carteira. Em janeiro, quando todo o mercado acreditava que a Bolsa iria deslanchar, a exposição da fundação em ações era de 10%. Atualmente está em cerca de 6%. Esses recursos estão num fundo aberto com gestão passiva, que amargava quase o mesmo prejuízo do Ibovespa em meados de setembro, perto de 30%.
Embora a exposição em bolsa seja pequena, a Cifrão tenta reverter parte das perdas em operações de derivativos com ações que garantem uma taxa de renda fixa. Essas operações, geralmente utilizadas em momentos de crise, consistem na compra de papéis no mercado à vista e venda a termo, que normalmente rendem 100% do CDI.
A Mercatto é uma das gestoras que realiza essas operações. Segundo Paulo Veiga, diretor de análise da asset, não tem havido procura significativa por esse tipo de operação nas últimas semanas, pelo menos entre as fundações de pequeno porte que formam o grosso dos seus clientes institucionais. “Embora estejam muito preocupadas, as fundações ainda não adotaram nenhuma grande mudança”, conta. Segundo ele, as operações de derivativos que garantem uma taxa de renda fixa só são vantajosas se, num prazo de 60 dias (o mais utilizado neste tipo de trava), o prêmio pago for um pouco superior à curva dos juros futuros, para que a operação seja paga.
O diretor de análise da Mercatto avalia que os fundos de pensão brasileiros vêm adotando posições mais conservadoras, em estratégias semelhantes aos fundos de pensão estrangeiros desde as sucessivas crises externas. “Eles estão cada vez menos propensos a se posicionar em Bolsa e mais atentos aos fundos de renda fixa referenciados num benchmark, no caso brasileiro, o CDI”, analisa.
Referenciados em DI – O diretor de administração de carteiras do HSBC Investment Bank, Rogério Bastos, reforça essa tese. Ele entende que, quem estava em fundos referenciados em DI foi menos prejudicado no momento dos ataques terroristas aos EUA, ao contrário dos que estavam alavancados em Bolsa.
Segundo ele, a estratégia de investimentos adotada pelo banco logo após os atentados consistiu em diminuir fortemente a exposição em renda variável e em operações pré-fixadas.
“Adotamos cenários bastante distintos após o evento nos EUA. Foram montadas operações defensivas na Bolsa, migrando de papéis do setor de tecnologia e telecomunicações para papéis do setor elétrico e bancos, por exemplo. Na renda fixa, reduzimos fortemente as aplicações pré-fixadas e em papéis indexados ao IGP-M”, conta.
Ele explica que a redução em títulos atrelados ao IGP-M foi feita porque já houve ganho expressivo com esses papéis e não estão previstas alterações fora do esperado do indexador até o final do ano. O IGP-M acumulava variação de 7,33% até o final de agosto. Na Bolsa, o banco diminuiu sua exposição em cerca de 25%. O HSBC administra R$ 7 bilhões em recursos de institucionais.
Do IGP-DI para o INPC
A Ceres, fundo de pensão dos funcionários da Embrapa, pretende levar até o final deste ano ao Conselho de Curadores da fundação a proposta de mudança da sua meta atuarial de IGP-DI (mais 6% ao ano) para INPC (mais 6% ao ano).
A mudança começou a ser aventada desde o susto de 1999, quando o IGP-DI ficou em 19,9%, impulsionado pelos reflexos da desvalorização do real. “Foi um baque e tanto”, lembra o diretor financeiro da fundação, Cleuber Oliveira. Em 1999, a meta atuarial fixou em 27,19%, enquanto a rentabilidade global da fundação foi de 27,15%.
Com a volta da alta dos índices de inflação, os estudos para a mudança do indexador da meta atuarial ganharam força. Em sua opinião, fica muito arriscado e caro para a fundação manter uma meta atuarial indexada ao IGP-DI. “Corre-se sempre o risco de o indexador disparar novamente e comprometer o cumprimento da meta atuarial”, pondera, acentuando que a escolha do INPC se justifica por ser o índice mais próximo do consumo dos participantes dos planos.