Edição 023
Os mercados agrícola e pecuário sempre foram uma espécie de patinhos feitos no meio da bonita ninhada dos produtos financeiros e de investimentos em geral. Quando muito, os investidores ousavam participar do mercado futuro desses produtos, mas mesmo assim só os especialistas. Agora, isso pode estar começando a mudar.
A Comissão de Valores Mobiliários está elaborando regras para regulamentar um dos mercados mais aquecidos do momento, o boi gordo, tornando-o acessível aos investidores comuns. Na prática, mesmo antes da regulação, esse mercado já funciona hoje como um tipo de fundo de investimento, que distribui entre os seus cotistas a rentabilidade obtida pelo rebanho, diminuída da taxa de administração.
Entre os que aplicam nesse tipo de produto estão pequenos investidores, profissionais liberais e, cada vez mais, grandes investidores. “O perfil dos nossos investidores está mudando, ultimamente temos recebido muitos investimentos de grandes empresas”, diz o presidente da Fazenda Reunidas Boi Gordo (FRBG), Paulo Roberto de Andrade. “Até de alguns fundos de pensão temos recebido consultas e visitas, mas eles não investem, só querem conhecer a atividade”.
A legislação que regulamenta os investimentos dos fundos de pensão, no Brasil, não contempla inversões nesse tipo de produto. Mas, em países como Estados Unidos, Austrália e mesmo a vizinha Argentina, eles são permitidos. “Até o final do ano vamos lançar um fundo de investimento em pecuária de corte, no valor de US$ 4,5 milhões, com prazo de três anos”, afirmou em entrevista exclusiva a esta publicação o presidente da empresa argentina Unifund SA, Ricardo Scotti.
Na verdade, o fundo pecuário da Unifund será o primeiro daquele país. “Mas acreditamos que será bastante bem recebido pelos aplicadores”, afirma Scotti. Segundo ele, as administradoras de fundos de pensão (AFP) são fortes candidatas a comprar coras desse fundo pecuário, assim como têm comprado cotas dos fundos agrícolas da Unifund (para investimentos em culturas de girassol, trigo, milho e soja).
Atualmente, a Unifund possui um fundo agrícola de US$ 25 milhões, dos quais US$ 5 milhões provêm as AFP. Como o prazo desse fundo é de um ano, o aplicador distribui o investimento ao longo desse período, em várias vezes, de acordo com as necessidades da cultura. “Colocar tudo de uma vez, no início do fundo, desvirtuaria sua finalidade, pois quem aplica em fundo agrícola quer correr o risco agrícola quer correr o risco agrícola e não outro tipo de risco”, diz Scotti. “Se o dinheiro viesse de uma vez, teríamos que aplicá-lo temporariamente em outros investimentos até chegar a hora de usá-lo na atividade agrícola, assumindo assim riscos que não tem nada a ver com o risco agrícola.
Além desse fundo agrícola de 1 ano (é o quarto fundo agrícola de 1 ano da empresa), a Unifund está lançando um fundo agrícola de 6 anos, no valor de US$ 20 milhões (dos quais, cerca de US$ 5 milhões devem vir das AFP). Ele vai até 31 de dezembro de 2003. Existem 8 fundos agrícolas em funcionamento na Argentina, atualmente. “Os fundos agrícolas e pecuários são a saída para o financiamento do campo”, diz Scotti.
No Brasil, os condomínios para cria e engorda de bois crescem a uma taxa de 40% ao ano. “Acreditamos que, assim que a CVM regulamentar esse tipo de atividade como um fundo, termos um boom no setor”, afirma Andrade, da FRBG. “Se sem regulamentação já está bom, imagine com a regulamentação”.
A FRBG é responsável por 70% dos bois engordados sob esse sistema de condomínio, mantendo 130 mil cabeças espalhadas por 42 fazendas no país. Ao total, o setor mantém cerca de 170 mil cabeças em engorda.
Segundo Andrade, as empresas que compõem o setor têm se reunido com representantes dos ministérios da Fazenda, Agricultura, Justiça, do Banco Central e da CVM, para discutir a regulamentação (ver quadro acima). “As regras devem sair até o final do ano”.
Os fundos de investimento para engorda de boi, segundo Andrade, deveriam ter um ciclo de três anos, que é o tempo entre o nascimento e o abate do produto. Para outros tipos de produtos, como engorda de frangos ou para vacas de leite, o período deveria ser diferente. Os investimentos, assim como acontece nos fundos argentinos, também poderiam ser divididos ao longo do ciclo, evitando contaminar o fundo pecuário ou agrícola com riscos de outros investimentos.
De acordo com Andrade, o risco da pecuária é baixo em relação a outras atividade, desde que administração esteja a cargo de especialistas. Segundo ele, a atividade pecuária deve contar com gado de boa genética, as fazendas devem ter boas pastagens e programas nutricionais complementares. A perda de bois por morte, ainda de acordo com ele, não chega a 0,2% do rebanho.
Para ele, assim como os fundos pecuários estão praticamente prontos (dependendo apenas de uma regulamentação da CVM), os fundos agrícolas também poderiam ser uma realidade no país, a curto prazo.
CVM prepara regras
A CVM deve encaminhar ao Ministério da Fazenda, até o final de outubro, uma medida provisória transferindo do Ministério da Justiça para a CVM a competência para regulamentar o mercado de boi gordo. Atualmente, como esses mercados funcionam de forma similar aos carnês do “baú da felicidade”, a regulamentação é da competência da Justiça.
“Se chegou a um consenso de que o órgão responsável pela regulamentação desse tipo de atividade deveria ser a CVM”, explicou o chefe do departamento econômico da CVM, Euchério Rodrigues. Ele disse que a ideia da CVM é obrigar as empresas da área a funcionarem como companhias de investimento de interesse compartilhado, de capital aberto, com balanços públicos e auditoria externa independente. “Isso vai dar mais transparência ao setor”, diz.
Além disso, a CVM pretende controlar o tipo de propaganda (como o de um fundo de investimento) e obrigar ao seguro total do plantel. Estuda ainda se o investidor deve ter um (ou vários) bois individualizados ou ser sócio do projeto de engorda dos bois.