Fundações sem apetite | Lançamento das ações da Gol, Natura e ALL...

Edição 147

A euforia tomou conta da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) com a abertura de capital da Natura Cosméticos, Gol Linhas Aéreas e a América Latina Logística (ALL). As operações chamaram a atenção tanto pelo volume ofertado – cerca de R$ 1,5 bilhão (falta a oferta da ALL) – quanto pela forte procura dos investidores.
Em maio, a Natura Cosméticos vendeu 21,75% do seu capital, num total de R$ 678,2 milhões – uma procura dez vezes maior que a oferta. Em junho, foi a vez da Gol Linhas Aéreas ofertar 17,6% do seu capital, numa captação total em R$ 878,14 milhões. A América Latina Logística (ALL) distribuiu R$ 534,7 milhões.
Apesar de alguns grandes investidores, como as tesourarias de bancos e as assets, terem ficado com boa parte das ofertas – 10% da Natura e 16,5% da Gol – os grandes fundos de pensão ainda estão conservadores em relação aos novos papéis. Segundo avaliação de uma das maiores fundações do País, os fundamentos de empresas como Gol e ALL não conseguiram satisfazer as exigências deste segmento. Outro ponto importante foi o preço dos papéis. A maioria dos fundos discordou do valor estipulado pelo mercado.
É válido lembrar que questões legais também impedem as fundações de avançarem demais nos investimentos em renda variável. Uma delas é o enquadramento – previsto na Resolução 3.121 do Conselho Monetário Nacional (CMN) – que impede que estes fundos tenham mais de 50% do patrimônio alocados em ações.

Preço alto – O preço motivou também os fundos de pensão de médio porte a não aderirem às novas ações. Lauro Araújo, consultor de investimentos da Mercer Human Resource Consulting acredita que, principalmente no caso da Natura, o valor foi decisivo para estes investidores ficarem de fora. “Para as grandes e médias fundações, o preço foi algo muito importante”.
O alto patamar da taxa de juros, hoje em 16% ao ano, com juro real na casa dos 9%, também se apresenta como obstáculo. Segundo Araújo, embora já tenham começado a diversificar seus investimentos, a preferência das fundações ainda é a renda fixa, especialmente Notas do Tesouro Nacional (NTNs). “Como estes papéis estão rendendo acima da meta atuarial, as fundações ainda preferem investir neste mercado”, afirma o consultor. Dados de março da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) apontam que do total de patrimônio dos fundos de pensão investido, ou seja, R$ 221,6 bilhões, 63,5% estão alocados na renda fixa (R$ 140,9 bilhões).

Para estrangeiro – Embora a demanda pelos papéis tenha mostrado que havia espaço para colocação de uma fatia maior entre os investidores locais, a maior parte ficou mesmo com os estrangeiros. Para os especialistas, esta não é uma má notícia uma vez que as ofertas locais dependem do capital externo para ter sucesso. “Nosso mercado acionário está reduzido. Se ofertassem as ações somente aqui, talvez os controladores não tivessem sucesso”, acena o professor Keyler Carvalho Rocha, do Laboratório de Finanças (Labfin) da USP.
Da Natura, a primeira da fila, os internacionais abocanharam 70% dos papéis. A procura superou em dez vezes a oferta. No caso da Gol, a procura superou 6,5 vezes a oferta e os estrangeiros ficaram com 72% dos papéis. A exceção fica por conta da América Latina Logística (ALL) que ofertou 7,693 milhões de ações (67% do total) para o mercado brasileiro.
Para o coordenador das três ofertas na Corretora SLW, Robson Queiroz, apostar no mercado externo serviu como parâmetro para as empresas. “A procura de investidores estrangeiros é um indicador de sucesso”, afirma. Para ele, o nível de clareza das empresas ao ingressarem no Nível 2 de Governança Corporativa da Bovespa foi um forte atrativo ao mercado externo.
Queiroz justifica a escolha de ofertar a maior parte das ações para o investidor internacional como prudente. “A Natura, por exemplo, pegou um mercado interno em um momento muito ruim”, afirma. O analista de investimentos da Planner, Maurício Galego, complementa afirmando que grandes credores de empresas como a Gol, por exemplo, são estrangeiros. “A empresa fica mais confortável em vender ações aos donos de suas dívidas”, diz.

Efeito Natura – Para os analistas de investimentos, o sucesso da venda das ações de empresas estreantes acaba puxando a fila para que outras companhias façam o mesmo. “Muitos investidores viram o sucesso da Natura e fizeram reserva das ações da Gol e ALL só para não ficar de fora da operação”, afirma Galego. Para ele, este fenômeno batizado pelo mercado de “Efeito Natura” pulverizou ainda mais a operação, proporcionando que novos investidores entrassem na oferta.
Este efeito é histórico. Em 2001, a Vale do Rio Doce teve que fazer um rateio entre os investidores, pois a procura superou a oferta. “A grande responsável por este fenômeno foi a pulverização das ações da Petrobras”, diz Galego.
Para o diretor de administração de recursos de terceiros da Corretora Magliano, Armando de Toledo, a entrada destas empresas no Novo Mercado abre precedente para que outras empresas se preparem para apresentar suas ações neste novo segmento da Bovespa.
“Muitas empresas vão seguir este modelo”, acredita Toledo. As ações da Natura estão listadas no Novo Mercado, da Gol no Nível 2 e da ALL no Nível 1. O Novo Mercado de Governança Corporativa exige maior transparência e maior respeito ao acionista minoritário.

De olho no setor elétrico
Os grandes fundos de pensão estão de olho no setor elétrico. Enquanto as regras das Parcerias Público-Privada (PPPs) não saem, os fundos de pensão estão programando, juntamente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criar um fundo de participação para investir no setor elétrico. O objetivo é financiar fontes alternativas de energia, como pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), energia eólica e biomassa – e com a garantia de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa).
Entretanto, para o governo isso pode ser uma faca de dois gumes. Segundo Wagner Pinheiro, presidente da fundação Petros, para que os fundos de pensão invistam em PPP as aplicações em renda fixa, que hoje representam o financiamento da dívida do governo, terão que necessariamente diminuir. Ou seja: não há fórmula mágica ou dinheiro novo.

Nova proposta para o mercado de capitais
O lançamento das ações da Natura Cosméticos, Gol Linhas Aéreas e América Latina Logística (ALL) não foi a única iniciativa para incrementar o mercado de capitais nestes últimos meses. No último dia 17 de junho, o Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais, composto por 17 entidades do próprio mercado, apresentou ao governo propostas de incentivos tributários para investidores e empresas que pretendem listar suas ações na Bovespa.
A proposta prevê a redução de Imposto de Renda (IR) de 20% para 15% da alíquota de ganho de capital para quem negocia no mercado organizado. Além disso, o Comitê propõe redução do nível de isenção mensal dos atuais R$ 20 mil para R$ 4,1 mil e do Imposto sobre Operações Financeira (IOF). Já para quem negocia em mercados não-organizados, a proposta prevê o inverso. A alíquota subiria de 15% para 20% e a incidência de IOF passaria a vigorar nestes casos, o que não ocorre atualmente.
Segundo o documento apresentado pelo coordenador do Comitê, Thomás Tosta de Sá, a ‘troca’ de alíquotas e limites valeria também para o resgate de cotas de fundos e de clubes de investimento em ações.

Para empresas – Já para as empresas que pretendem listar suas ações na Bolsa, a proposta do Comitê é estimular adoção de padrões de governança corporativa e privilegiar aquelas que tratam melhor os acionistas minoritários. Para isso, o Comitê sugere redução de 20% no IR de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) de 34% para 27,2% para empresas listadas no Novo Mercado da Bovespa.
Para aquelas negociadas no Nível 2 de governança corporativa, a redução de 34% para 28,9% o recolhimento do IR. Às empresas classificadas no Nível 1, a redução de IR passaria para 30,6%.
O Plano Diretor do Mercado de Capitais existe há dois anos e já conseguiu grandes feitos. Em 2002, aboliu a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) do mercado de capitais. No ano seguinte, a campanha foi pelo uso de 1% do FGTS em companhias abertas, proposta ainda em tramitação no Congresso Nacional. Neste ano, além da redução de impostos, a batalha é também aumentar o número de empresas listadas.