Fundações na trincheira | Nem as previsões dos analistas, de que ...

Edição 133

O mercado está otimista com a perspectiva de uma guerra relativamente curta e sem grandes imprevistos. As bolsas mundiais e a brasileira estão se recuperando e o risco do país continua caindo. O dólar também está caindo, o que deve reduzir a pressão sobre a inflação. Apesar de tudo isso, os fundos de pensão continuam bastante conservadores e não pensam em voltar tão cedo para a renda variável, mesmo com os atrativos preços dos papéis, que estão lá embaixo.
O conservadorismo dos fundos contrasta com o otimismo dos analistas de mercado, que estão indicando a bolsa como uma das melhores opções para quem quiser recuperar as perdas de anos anteriores (ver box). Mas, depois de dois anos em que as fundações tiveram grandes dificuldades para bater suas metas atuariais, e com a alta volatilidade que ainda ronda os mercados mundiais, quase ninguém se arrisca a deixar as crescentes taxas que vêm sendo oferecidas pelos títulos públicos federais.
“Estão todos muito reticentes ao risco, apesar do cenário otimista previsto para o desfecho da guerra”, explica Lauro Araújo, diretor da Mercer Investment Consulting. Uma das razões principais do conservadorismo é o alto índice de fundos que tiveram resultados financeiros abaixo de suas metas em 2001 e no ano passado. Segundo dados da consultoria, baseados em pesquisa junto aos seus clientes, cerca de 60% das fundações não bateram a meta em 2001 e 80% não bateram a meta em 2002.
Outro motivo forte que explica a aversão ao risco por parte das fundações são as atrativas taxas de rentabilidade oferecidas tanto pelos títulos públicos quanto pelos privados, que estão pagando IGP-M mais prêmios superiores a 10%. “Com o cenário de instabilidade criado pelo período que antecedeu a guerra, os fundos preferiram carregar títulos que garantissem com segurança o casamento dos ativos com as metas atuariais”, revela o consultor da Mercer.
A Sabesprev, fundo de pensão da Sabesp, aproveitou os leilões de NTN-Cs realizados no final do ano passado para indexar suas reservas de benefícios concedidos. Os títulos, indexados ao IGP-M e mais taxas que variam de 9,85% a 11,5% ao ano, garantem o cumprimento das metas atuariais de uma carteira de R$ 140 milhões destinada ao pagamento dos benefícios dos assistidos. “Compramos as NTN-Cs com base em um estudo de ALM, mas o cenário de guerra influenciou na decisão”, afirma César Soares Barbosa, diretor financeiro da Sabesprev. O estudo de ALM foi apresentado em outubro do ano passado pela consultoria Risk Office.
Atualmente, o fundo da Sabesp está avaliando os efeitos da guerra sobre seus investimentos, mas não tomou nenhuma decisão de mudança nas últimas semanas. “Como os recursos da carteira de benefícios a conceder está nas mãos dos gestores externos, eles mesmos estão tomando as decisões necessárias no sentido de obter as melhores rentabilidades”, explica César Barbosa. Em geral, os gestores estão mais conservadores, mantendo uma média de 14% a 16% dos ativos aplicados em renda variável. “Temos um mandato que permite uma exposição de até 30% em renda variável, mas nossos gestores estão bem abaixo disso”, revela o diretor financeiro da Sabesprev.

Benefícios a conceder – Barbosa revela que a fundação está realizando, em conjunto com a consultoria Risk Office, um estudo para definir um novo modelo de gestão para toda a carteira de benefícios a conceder, avaliada em mais de R$ 300 milhões (ver nota na página 7). O diretor acredita que o desfecho da guerra, no caso de haver alguma complicação, poderá influenciar no resultado do estudo. “Desde o atentado de 11 de setembro, quase todas as nossas decisões têm sido influenciadas, direta ou indiretamente, pelo contexto de conflito entre os EUA e o terrorismo do qual a guerra atual é parte”, explica Barbosa.
O Postalis, fundo de pensão da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), também está preferindo a renda fixa, em especial os títulos públicos federais pós-fixados. “A bolsa continua muito volátil e só voltaremos a analisar novos investimentos em renda variável após o término da guerra”, diz José de Sousa Teixeira, diretor superintendente do fundo. Ele acredita que a guerra pode influenciar negativamente as empresas que atuam com importação e exportação, afetando o rendimento da bolsa. O fundo não tem vendido papéis de sua carteira de renda variável, que representa hoje cerca de 15% dos ativos totais.
Teixeira acrescenta, ainda, que os investimentos em títulos públicos são os mais indicados neste momento para levar a fundação a bater sua meta de rendimentos fixada para 2003. Apesar da meta atuarial do fundo estar fixada em INPC mais 6% ao ano, a expectativa traçada pela fundação é de alcançar rendimento de IGP-M mais 8% ao ano. Atualmente, o fundo mantém 78% do total de sua carteira de investimentos, avaliada em R$ 1,3 bilhão, investidos em renda fixa.

Momento certo – Alguns fundos de pensão que já vinham adotando políticas de investimentos mais conservadoras desde o final do ano passado, estão aguardando a redução da volatilidade do mercado e das incertezas que ainda rondam a guerra. “Já havíamos reduzido bastante a exposição em renda variável no final do ano passado e agora estamos aguardando para decidir o melhor momento de voltar”, explica Benni Faerman, diretor financeiro do Instituto Aerus, fundo de pensão multipatrocinado de empresas do setor aéreo.
Ele conta que o Aerus já havia transferido cerca de um quarto dos seus ativos de renda variável para a renda fixa antes do fechamento do ano passado. Com uma carteira de investimentos avaliada em R$ 1,2 bilhão, o Aerus reduziu as aplicações em renda variável de 32% em fevereiro de 2002 para 24% em fevereiro passado. Em contrapartida, a fundação aumentou os investimentos em títulos públicos indexados ao IGP-M e IGP-DI, que representam aproximadamente 9,5% e 7,5% do patrimônio do fundo, respectivamente.
Agora, apesar da subida da bolsa e das perspectivas positivas para a economia brasileira, Benni Faerman acredita que ainda não é o momento de aumentar a posição em bolsa. A maior preocupação continua sendo a inflação, que apesar de ter reduzido o movimento de alta deve fechar o ano entre 14% e 17%, segundo previsão do Aerus. “Em um cenário de guerra prolongada, o petróleo pode voltar a subir e o câmbio pode pressionar novamente a inflação. Em virtude das indefinições, preferimos manter uma postura conservadora nos nossos investimentos”, afirma Faerman. Nesse cenário pessimista, a bolsa oferece maior risco devido ao prejuízo que enfrentariam empresas exportadoras, como a Vale do Rio Doce e outras do ramo siderúrgico.
A Petros, fundo de pensão multipatrocinado da Petrobras e outras empresas, também está adotando uma postura conservadora. “Estamos direcionando os novos recursos para títulos de renda fixa pós-fixada, aproveitando a alta dos juros. Por enquanto, não estamos tomando nenhuma outra decisão que envolva novos investimentos”, afirma Wagner Pinheiro, presidente da Petros. O dirigente está analisando a postura a ser tomada com relação à carteira de renda variável. “A bolsa está subindo e temos duas alternativas: ou protegemos a carteira de giro com índices futuros ou vendemos”, revela.
Os investimentos em novos negócios não devem ser fechados antes do término ou definição da guerra. A Petros estuda a realização de novas parcerias com a Petrobras, mas devido ao cenário de incertezas que ronda o setor de energia mundial, as decisões devem ser adiadas. “Não é possível tomar nenhuma decisão de investimento em projetos de energia de longo prazo neste momento de guerra”, diz Pinheiro.

Oportunidades no mercado de ações
Diz o ditado popular que, depois de chegar ao “fundo do poço”, as coisas só podem melhorar. No caso da bolsa de valores brasileira, que apresentou resultados negativos nos últimos três anos com o Ibovespa chegando abaixo dos 10 mil pontos, esse ditado vem a calhar. Vários analistas ouvidos por Investidor Institucional acreditam que as coisas tendem a melhorar na renda variável.
O cenário começou a clarear algumas semanas antes da guerra. O Risco Brasil está caindo e levando o dólar junto. Com o início do conflito as bolsas mundiais começam a se recuperar e a Bovespa não ficou atrás, o que está criando um cenário cada vez mais otimista para a renda variável. “Com a redução do risco do país, a bolsa voltou a ser boa opção para os investidores, mas ainda permanece a alta volatilidade”, avalia Antônio Machado, administrador de renda variável do Opportunity.
Os fundos de ações e os multicarteira são boas opções para os fundos de pensão, segundo o administrador do Opportunity. “Os fundos multicarteira oferecem mais possibilidades de ganho porque operam com diversos tipos de ativos”, diz. Para ele, a renda fixa não é tão atrativa neste momento porque o juro real não está tão alto devido à inflação alta.
Para o economista e estrategista do Banco Modal, Alexandre Póvoa, a bolsa pode ser uma opção atrativa para alguns fundos de pensão, mas não para todos. “Os fundos com planos CD e aqueles que conseguiram bater suas metas atuariais nos últimos anos podem elevar a exposição em bolsa lentamente”, recomenda. O economista não sugere, porém, que a exposição seja maior que 20% da carteira total, pois a bolsa ainda apresenta risco alto. Póvoa acredita que há dois focos principais de risco: o descontrole da guerra e a desarticulação do governo federal.
A perspectiva positiva para a bolsa foi sinalizada com a queda do risco do país e a valorização dos papéis da dívida brasileira no exterior. “O próximo passo deve ser uma valorização das bolsas, o que já se nota nos últimos dias”, afirma Póvoa. Para os fundos de pensão que ficaram abaixo das metas, o economista do Banco Modal recomenda o aproveitamento das excelentes oportunidades com as taxas de juros. “Quem perdeu mais nos últimos anos deve permanecer mais conservador”, diz. Os papéis indexados ao IGP-M são opção adequada para os fundos que possuem planos cujas metas são balizadas com este índice.
Com posição mais conservadora, o diretor da Mercer, Lauro Araújo, acredita que pouquíssimas fundações devem se aventurar na bolsa neste primeiro semestre. “Se o ano passado tivesse sido bom, os fundos poderiam aproveitar as boas oportunidades apresentadas pelos papéis da bolsa que estão muito baratos”, explica. O consultor afirma, porém, que a bolsa pode continuar barata o ano inteiro e as fundações não podem tolerar o terceiro ano de resultados negativos consecutivos.