Edição 74
Os 95 fundos de pensão ligados a estatais estão correndo contra o relógio para se ajustarem a duas determinações da Emenda Constitucional nº 20: a paridade entre as contribuições do participante e patrocinadora e o ajuste dos passivos aos ativos dos planos. A pressa é mais do que justificada, porque estas determinações passam a valer imediatamente após aprovação do Projeto de Lei Complementar n° 8, que está tramitando nas comissões do Senado Federal e deve ir a plenário neste primeiro semestre.
As fundações ligadas a patrocinadoras estatais estão sob forte marcação da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), órgão responsável pela fiscalização do sistema. Venceu no último dia 27 o prazo para que elas entregassem à Secretaria um cronograma de adequação às determinações da legislação. Apenas dois pediram o prorrogamento de prazo. “A SPC pretende sanear o sistema de uma vez por todas”, analisa o atuário Waldner Conde, que presta serviços para diversas entidades de previdência privada.
Na ponta do lápis, o ajuste de muitos fundos de pensão ligados a estatais revela-se uma tarefa bastante complexa devido aos desequilíbrios e passivos descobertos de seus planos. Cada qual está tentando resolver a sua equação particular. “As soluções não serão fáceis porque dependem de muita negociação”, afirmou o coordenador geral de atuária da SPC, Paulo Cesar dos Santos. “São 95 fundos de pensão ligados a estatais. Serão 95 soluções diferentes.”
Embora cada fundação demande uma solução específica para o seu problema, existem alguns caminhos comuns trilhados por muitas delas: o reconhecimento pela patrocinadora de compromissos passados com o fundo de pensão, a proposta aos participantes de migração de planos de benefício definido para contribuição definida e, por fim, a requisição de aportes de recursos junto à patrocinadora e ao governo federal para saldar rombos antigos.
Com os cronogramas em mãos, a Secretaria de Previdência Complementar saberá quais caminhos as fundações pretendem trilhar na busca da paridade e do equilíbrio entre ativos e passivos. A avaliação atuarial dos planos referentes a 1999, a ser entregue até o dia 10 de março, complementará o rol de informações necessárias para análise da SPC. “Estes dados facilitarão a análise dos cronogramas apresentados”, afirmou o coordenador de atuária da Secretaria, Paulo Cesar dos Santos.
O atuário Waldner Conde entende que o problema dos desequilíbrios em diversos planos não será resolvido do dia para a noite, como em um truque de mágica. “As exigências da paridade contributiva e da adequação entre ativos e passivos exigem um certo tempo porque envolvem inclusive mudanças estatutárias”, observa. Segundo Conde, uma forte tendência que se tem observado entre fundações vinculadas a estatais é a adoção de planos de contribuição definida. “A solução mais comum tem sido forçar a saída dos participantes dos planos de benefício definido”, afirma. No momento, diz o atuário, este movimento pode ser sentido claramente em setores em processo de privatização como é o caso dos bancos estaduais e de empresas de energia elétrica.
O Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), por exemplo, está em processo de federalização e de preparação para a privatização. No contrato de saneamento do BESC, está previsto um aporte de recursos para o seu fundo de pensão, a Fusesc. Em valores de hoje, a injeção seria de R$ 280 milhões, destinados ao saldamento do plano de benefício definido. Os recursos chegarão à fundação na forma de títulos públicos assim que for concluído o processo de federalização. Segundo o diretor-superintendente da Fusesc, Vânio Boing, isto deverá acontecer entre maio e junho.
Saldamento – Em 1997, o plano de BD da Fusesc registrou um déficit técnico de R$ 47 milhões, que recuou para R$ 32 milhões em 98. Houve uma nova elevação no ano passado, no entanto. O saldamento do plano BD, possibilitado pelo aporte de cerca de R$ 280 milhões, criará as condições para a implantação de um plano de contribuição definida, o que está previsto para meados do ano. “Nossa expectativa é implementá-lo no mais tardar até o mês de julho”, afirmou o superintendente Vânio Boing. O plano CD nascerá formatado às exigências da paridade da legislação. Assim, desde o início, a patrocinadora entrará com um percentual semelhante ao do participante, dentro do limite de 7% da folha de pagamentos.
A Eletra, a fundação da Companhia de Energia Elétrica de Goiás (Celg), também apresentou recentemente à sua patrocinadora uma proposta de criação de um plano de contribuição definida. De acordo com o diretor administrativo da entidade, Amadeu Gustavo de Faria, a patrocinadora aprovou a idéia mas ainda não provisionou os recursos necessários para o custeio do lançamento. A solução é urgente porque o atual plano de benefício definido vem apresentando déficits crescentes. “Temos registrado queda na arrecadação e aumento no volume de benefícios”, afirmou o gerente da área de benefícios da Eletra, Joaquim José Leite Ribeiro.
O déficit global do plano da Eletra saltou de R$ 9,8 milhões em 98 para R$ 57 milhões no ano passado. Resultado: hoje o déficit chegou a 44% do patrimônio total de R$ 128 milhões, contra cerca de 9% em 1998. “Estamos caminhando para o terceiro ano de déficit”, afirmou o gerente contábil da fundação, Domingos Caetano. “A patrocinadora não contrata e o plano de BD atual precisa de jovens para bancá-lo.”
Assim como no caso da Fusesc, o modelo de plano de contribuição definida da Eletra já incorpora a norma da paridade entre participantes e patrocinadoras. Depois de o plano ser encaminhado e aprovado pela SPC, haverá um processo de esclarecimento dos participantes, que durará 90 dias. Posteriormente, ocorrerá o processo de migração efetiva de planos, previsto para perdurar outros três meses. “Se a adesão for alta, o déficit se diluirá automaticamente”, avalia o diretor administrativo da Eletra, Amadeu Gustavo de Faria.
A Fundação Ceres inicia agora em março uma discussão com suas cinco patrocinadoras, entre as quais está a Embrapa, sobre o custo da mudança para um plano de contribuição definida. De acordo com o diretor de seguridade do fundo de pensão, Raimundo Alves de Araújo, o novo plano tem dois objetivos primordiais: o ingresso de empregados das patrocinadoras que ainda não participam da fundação e a preparação para a exigência da regra da paridade. Pelo modelo atual, de benefício definido, as patrocinadoras contribuem praticamente com o dobro do participante – 1,8 para 1. O plano CD já incorporou o modelo da paridade, em obediência à determinação da Emenda Constitucional n° 20.
Há dois anos, o plano BD da Ceres começou a registrar déficits, que foram puxados pela baixa rentabilidade das aplicações a partir da sucessão de crises internacionais. Em 98, o déficit chegou a 13%, mas recuou para 8% no ano passado. “Em 99, houve uma reversão de parte do déficit e neste ano esperamos outra redução”, afirmou o diretor de seguridade Raimundo Araújo. “Até o momento da implementação da paridade, queremos atingir o equilíbrio do plano.” A Ceres possui 10.167 participantes ativos e outros 2.645 assistidos para um patrimônio de R$ 690 milhões.
Reversões iniciais – Com todas as ações que vêm empenhando na preparação para a privatização ou na adequação à Emenda Constitucional nº 20, alguns fundos de pensão ligados a estatais já vêm registrando, como é o caso da Ceres, reduções nos déficits dos planos. “No nível imediato, estamos observando algumas reversões nos déficits”, disse o atuário Waldner Conde. Segundo ele, há dois fatores no entanto que, no longo prazo, podem comprometer estas reversões: os efeitos dos famosos Programas de Demissão Voluntária (PDVs) e a ausência absoluta de novas contratações pelas estatais, ávidas por cortes de custos.
No processo de preparação para a privatização, especialmente a partir de 1995, diversas empresas estatais adotaram PDVs. Estes programas afetaram diretamente o equilíbrio dos planos de previdência. “Com o PDV, o fundo de pensão passa a ter despesas maiores do dia para a noite”, comentou o coordenador geral de atuária da SPC, Paulo Cesar dos Santos. Por um lado, muitos participantes pedem demissão e deixam de contribuir para o plano. Por outro, existem participantes que se vêm em uma posição de risco e resolvem se aposentar. O resultado é o pior do mundo para um fundo de pensão: aumentam os compromissos com o pagamento de benefícios ao mesmo tempo em que as receitas encolhem.
Mas os problemas não terminam com as demissões voluntárias. As contratações das estatais em vias de privatização tornam-se muito escassas, o que reduz demasiadamente a oxigenação dos planos. “Como não recebem novos participantes, o quadro vai envelhecendo, o que aumenta o custo atuarial”, explica o atuário Waldner Conde.
Se por um lado a preparação para privatização agravou o problema atuarial de muitos planos de previdência de estatais, por outro forçou essas empresas a encararem de frente problemas que deixaram acumular debaixo do tapete no decorrer dos anos, quando não décadas. Na avaliação do coordenador geral de atuária da SPC, Paulo Cesar dos Santos, diversos fundos de pensão ligados a estatais estão enfrentando problemas hoje porque, na época de sua constituição, adotaram em seus planos certas perspectivas de rentabilidade muito positivas e não as modificaram no decorrer do tempo. “Muitos planos contavam com isso e agora, ao final de 30, 40 anos, tiveram de rever esta posição”, afirmou.