Edição 355
As recentes discussões em torno da redução da taxa de juros, meta de inflação e do novo arcabouço fiscal, introduziram um viés de maior conservadorismo à política de investimentos da Funcorsan, fundo de pensão dos funcionários da Companhia Riograndense de Saneamento. Como consequência, a fundação se prepara para reduzir a exposição ao risco, diminuindo gradativamente sua alocação em renda variável dos atuais 7% para algo mais próximo do seu target, que é de 2% da carteira nessa classe. Embora gradual, essa redução da exposição de renda variável na carteira da fundação, de cerca de R$ 2 bilhões, deve ser implementada ainda no primeiro semestre deste ano.
“Isso vai permitir reduzir a volatilidade da carteira e também aproveitar esse momento de instabilidade da economia, com os juros ainda elevados, para ampliar a participação de títulos de operação compromissada e títulos públicos na carteira”, diz o diretor de investimentos da fundação, Admilson Stodulski. No cargo há mais de 10 anos, Stodulski diz que a estratégia deverá ser realizada “de forma cautelosa, de forma a não gerar impacto negativo na carteira dos participantes”.
Ele ressalta que a diretoria está atenta ao mercado, acompanhando diariamente sua evolução, e que uma retomada das alocações em ativos de risco não pode ser descartada, mas isso só ocorreria numa situação de melhora das perspectivas econômicas do país, que incluísse a aprovação do novo arcabouço fiscal e uma maior assertividade sobre a taxa de juros e as perspectivas de inflação. São pontos sobre os quais, segundo ele, o mercado têm dúvidas em relação aos compromissos do novo governo que, nas últimas semanas, tem travado uma queda de braços com o Banco Central pela redução dos juros.
“Enquanto essas duas equações, inflação e taxa de juros, não estiverem bem resolvidas, teremos dificuldades para gerar rentabilidade com renda variável e exterior”, avalia o diretor de investimentos. Ele ressalta que, embora os planos sejam de reduzir a exposição à renda variável, a fundação poderá recuar da medida se vier pela frente um cenário mais positivo. “Notamos que há ativos de renda variável descontados, mas só valem a pena num cenário mais promissor. No momento, não estar exposto à renda variável ainda é mais positivo para o plano como um todo”, diz Stodulski.
Ele cita que, apesar das fundações perseguirem um horizonte de investimentos de longo prazo, as cobranças são de curto prazo. A perspectiva de resultados desfavoráveis nos balanços anuais, segundo ele, podem pressionar por mudanças de estratégias no curto prazo, em decorrência de eventual baixa tolerância do patrocinador e dos participantes à rentabilidades que fiquem abaixo dos benchmarks.
Segundo Stodulski, a atual decisão de reduzir a exposição à renda variável não é reflexo da rentabilidade abaixo da meta atuarial em 2022, quando rendeu 8,85% ante o alvo de 10,29%. “Desde 2022 tivemos uma perspectiva negativa sobre este ano. Percebemos hoje que deve demorar para haver uma retomada da economia”, diz. O fundo também passa por um plano de equacionamento que passou a funcionar neste ano, após um resultado ruim em 2021, quando rendeu 2,29%, 13 pontos percentuais abaixo da meta atuarial. Segundo Stodulski, com a operação a Funcorsan obteve um equilíbrio técnico ajustado em relação à contabilidade.
Os recursos obtidos com a venda de renda variável serão direcionados à renda fixa, que deve aumentar de 76% para 80%. O foco será em títulos com maior liquidez, como Letras Financeiras do Tesouro e operações com NTN-F, num fundo exclusivo da Funcorsan com gestão da Votorantim Asset Management. “Queremos estar prontos para eventuais oportunidades, tanto no mercado nacional quanto no exterior”, diz Stodulski.
Mas no momento não é o caso de aumentar a exposição a exterior. Segundo o diretor da Funcorsan, “a tendência atual é desinvestir totalmente de exterior”, zerando os 0,5% que possui nessa carteira hoje. Além disso, a exposição a segmentos como multimercado e multimercado estruturado devem permanecer com alocação em 5,5% e 10,5%, respectivamente.
“Entendemos multimercados como uma boa alternativa, porque temos bons gestores do ramo no Brasil. Eles têm uma capacidade de alocação muito rápida. Com os movimentos táticos que são exigidos, gestores conseguem fazer uma gestão de forma mais eficaz”, afirma.
Em relação a crédito privado, ele diz que “a fundação tem pouco apetite”. Foi o que fez, na sua opinião, com que as carteiras da fundação não fossem afetados pela queda das Lojas Americanas, da qual não tinham nenhuma exposição: “Só aceitaríamos investir nesse segmento em papéis AAA, e com o rating feito por agências renomadas”.
Para Everaldo Guedes, CEO da PPS Portfolio Performance, que atende 60 fundos de pensão, o movimento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) de reduzir a exposição ao risco começou em 2022. “Acho que é uma tendência que começou no 2º semestre do ano passado, e que continua, porém com menor intensidade do que um ano atrás”, diz. Segundo ele, a avaliação é resultado da observação das “contas do nosso grupo de clientes”.
Guedes afirma que o conservadorismo das EFPCs foi causada por uma combinação de juros altos com um “ruído político muito forte”. Segundo ele, “com a abertura dos yields das NTN-B longas, houve uma redução natural de risco das carteiras pelos gestores”. Ele também cita a existência de muita incerteza internacional, “por conta dos Bancos Centrais levando os juros além do que os mercados estavam pensando”.
Além desses fatores macro, também existem fatores particulares que podem influenciar a decisão de algumas fundações: “Muitos planos vêm de dois anos ruins de resultados, e os participantes ficam muito aborrecidos com isso. O participante quer ver resultado, e geralmente falta um pouco de compreensão dele, que cobra muito. Ele não quer saber se tem guerra na Rússia, se há pressão inflacionária”, afirma. “Ele quer resultados”
Também podem existir pressões dos patrocinadores, em fundações patrocinadas por empresas privadas, segundo o consultor. “A própria diretoria cobra muito, o que acaba empurrando os dirigentes para redução do risco, para aproveitar o juro real”, diz.
Sobre um eventual aumento na exposição ao risco pelas fundações, o consultor avalia que no momento é improvável uma alteração nas carteiras. “Só com uma mudança muito forte nas perspectivas do Brasil e nas políticas macroeconômicas, fazendo o mercado entrar em ‘lua de mel’ com o governo, o que não me parece que está acontecendo no momento”, diz.
Ele também cita a mudança de perspectiva e a desancoragem sobre o processo inflacionário no país. “Falava-se que a inflação seria temporária, mas quando ela começou a se sedimentar, o feeling de que era algo mais passageiro mudou, e a renda variável sofreu”, afirma. Segundo ele, esse pessimismo não se restringe ao Brasil. “Em conversas com fundos soberanos e fundos de pensão do hemisfério norte, o maior risco em geral ainda é a inflação”.