Edição 136
Depois de enfrentar um período de forte instabilidade cambial no ano passado e início de 2003, os fundos de pensão estão fugindo dos índices de reajuste de benefícios vinculados a preços de atacado. A volatilidade dos índices gerais de preços (IGP, IGP-M e IGP-DI), que são mais sensíveis ao câmbio e sofrem maior influência da inflação medida junto aos empresários, vem provocando sucessivos desequilíbrios atuariais aos planos de benefícios que os adotam como referência. Em troca, as entidades fechadas estão preferindo adotar índices referenciados nos preços ao consumidor (IPC, INPC e IPC-A) para definir sua política de reajuste e também sua meta atuarial. O maior fundo de pensão brasileiro, a Previ do Banco do Brasil, é o principal exemplo que comprova a tendência.
Com um patrimônio de 45,5 bilhões, a Previ enfrentou um impasse no início de maio passado quando tinha que dar o reajuste a seus aposentados e pensionistas. Segundo as regras de seu plano de benefícios, o reajuste teria que ser feito com base no IGP-DI que tinha subido nada mais nada menos que 31% nos últimos 12 meses. Porém, se o reajuste fosse concedido integralmente, o fundo de pensão amargaria seu terceiro ano consecutivo com déficit, o que o obrigaria a tomar medidas como a redução dos benefícios ou o aumento das contribuições dos participantes ativos. Além disso, o déficit da entidade, calculado em R$ 5,01 bilhões no final de abril, havia ultrapassado a provisão do fundo de paridade, avaliada em R$ 4,7 bilhões, que a Previ espera reverter para seu patrimônio até o final do ano (ver box).
Em uma decisão bastante arriscada, a direção da Previ decidiu conceder um reajuste inferior ao definido em seu regulamento. Com base em um cálculo que projetava a eliminação do déficit para o ano de 2003, o percentual definido para o reajuste foi de 18%. “Refizemos a projeção da reserva matemática e definimos um reajuste que, ao mesmo tempo, pudesse repor as perdas da inflação e estancar o déficit”, explica Fernando Amaral, diretor de seguridade da Previ.
A mudança no reajuste referente ao ano anterior provocou inúmeros protestos por parte dos participantes assistidos e deve resultar em demandas judiciais. “A mudança no índice de reajuste costuma gerar questionamento por parte dos participantes e ações na Justiça por quebra de contrato”, afirma Valdner Conde, atuário da Watson Wyatt. O especialista defende que as mudanças de índice devem ser evitadas ao máximo e, caso a direção do fundo e a patrocinadora decidam realizá-la, deve-se procurar um amplo consenso com os representantes dos participantes.
Depois de alterar o reajuste referente ao ano anterior, a Previ realizou um estudo e, com base nele, abriu uma discussão que culminou com uma proposta de mudança do índice de reajuste e da meta atuarial. O IGP-DI está sendo trocado por um índice baseado na variação dos preços ao consumidor. “O mais provável é a adoção do IPC-A que é um índice que mede a inflação dos preços que atinge as famílias que ganham até 40 salários mínimos, que reflete a maior parte dos assistidos da Previ”, revela Fernando Amaral.
Uma segunda alternativa seria a adoção de uma cesta de índices, IPC, INPC e IPC-A, todos eles vinculados à inflação de consumo. Como o IPC e o INPC são baseados em outras faixas de renda, 5 e 8 salários mínimos respectivamente, a cesta refletiria uma média da remuneração dos participantes. “O mais importante é que o reajuste reponha as perdas de poder aquisitivo dos assistidos e, por isso, um índice vinculado aos preços ao consumidor é mais adequado que o IGP-DI”, defende o diretor de seguridade da Previ. Amaral demonstra posição contrária à adoção para o plano da Previ do INPC, que é o índice utilizado atualmente pela maioria dos fundos de pensão. “O INPC reflete a inflação para uma faixa de renda abaixo da média dos participantes da Previ”, explica. A aprovação pelo conselho deliberativo da Previ do novo índice estava previsto para o início do julho.
O diretor da Mercer Human Research Consulting, Edson Jardim, concorda que os índices vinculados aos preços ao consumidor são os mais apropriados para remunerar as variações dos benefícios. “Além de refletirem melhor as perdas salariais, os índices de inflação de varejo não apresentam tanta volatilidade quanto os índices gerais de preços, os IGPs”, explica. O especialista da Mercer comenta que, nos últimos três anos, houve um descolamento substancial entre a inflação medida no atacado e a do consumidor, o que contribuiu para que os fundos de pensão que utilizam IGPs como indexador não atingissem as metas atuariais.
Previndus – A Previndus, fundo de pensão da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), mudou o índice de reajuste de benefícios e sua meta atuarial no início do ano passado. Anteriormente o regulamento do plano de benefícios definia o IGP como indexador. “Resolvemos adotar o INPC porque analisamos que é o índice mais apropriado para repor as perdas salariais”, afirma Carlos Duarte Caldas, superintendente da Previndus. Graças a essa substituição, o fundo de pensão conseguiu bater a meta atuarial em 2002, superando-a em 3,07%. Se fosse mantido o IGP, a meta não seria atingida. “Apesar dos resultados positivos no desempenho de nossos investimentos, vínhamos encontrando dificuldades de bater a meta atuarial nos últimos anos devido à alta do IGP”, revela Caldas.
Além da tendência de substituição dos IGPs, outra tendência um pouco mais antiga é o desatrelamento do reajuste dos benefícios dos assistidos da política salarial da patrocinadora. Neste caso, a preferência pelo novo índice recai sobre o INPC. A Faceb, por exemplo, deve mudar o regulamento de seu plano de benefícios para abolir a política de reajuste das pensões e aposentadorias vinculada às variações salariais do pessoal da ativa. “Aprovamos internamente a adoção do INPC mas ainda temos que levar o assunto para a patrocinadora”, conta Paulo Zuba, presidente da Faceb.
O dirigente explica que a mudança é uma reivindicação do próprio participante que teve seu benefício achatado nos últimos anos devido à política de reajuste da patrocinadora estatal. A alteração do índice do plano da Faceb ainda deve se prolongar, pois a direção do fundo pretende aproveitar o momento para fazer uma reforma do regulamento, adaptando-o às novas regras de portabilidade e benefício proporcional diferido, aprovadas na Lei 109 e que se encontram em fase de regulamentação.
Petros – Outro fundo de pensão que também deve desvincular o reajuste dos benefícios da política salarial do pessoal da ativa para adotar o INPC é a Petros, o segundo maior fundo de pensão brasileiro, com patrimônio de 19,9 bilhões. O atual plano de benefício definido ainda utiliza a fórmula de reajuste vinculada à variação salarial das patrocinadoras. O problema é que as mudanças nos planos de benefícios da Petros foram parar na Justiça e, por isso, a mudança de índice ainda não foi realizada.
Os últimos dados disponível sobre os índices utilizados pelos fundos de pensão foram publicados pelo Top Atuarial, que é um levantamento exclusivo realizado por Investidor Institucional. Comparando os dados das edições publicadas em 2001 e em 2002, é possível notar um aumento de 16% no número de entidades que utilizam índices de preços ao consumidor. Inversamente caiu 15% a quantidade de fundos que possuem índice de atacado.
Uma análise realizada por Roberto Casagrande, aluno de doutorado de contabilidade e controladoria da FEA-USP, baseada no Top Atuarial, mostra que os fundos de pensão que utilizam metas vinculadas a índices de atacado seguem uma política de investimentos mais agressiva. Os fundos que possuem metas baseadas em IGP concentravam em média 20% dos investimentos em renda variável. As entidades que utilizam índice de preços possuíam em média 15% do patrimônio aplicado em renda variável.
Outra constatação é que os fundos que utilizavam índices gerais de preços possuíam mais participantes ativos do que aqueles com INPC e outros da mesma família. Os primeiros tinham em média 85% de participantes em atividade, enquanto ou outros, 68%. “Quanto maior a quantidade de participantes assistidos, maior a tendência de adoção do índice de preços ao consumidor”, constata Casagrande.
Crítica ao IGP – “O IGP não é apropriado para ninguém. É um índice com problemas conceituais”, afirma Ricardo Braule, membro do conselho consultivo do IPC-A do IBGE. O principal problema do IGP, aponta o especialista, é a mistura indevido de preços de atacado com preços ao consumidor, com maior peso para o primeiro. O IPA (índice de preços de atacado) entra na fórmula de cálculo do IGP com 60% de peso, enquanto o IPC (índice de preços ao consumidor) tem 30% de peso. O restante é completado pelo INCC (construção civil) que tem apenas 10% de peso.
Outro problema é a volatilidade do índice vinculada às variações cambiais. “O principal componente do índice geral de preços, o IPA é muito sensível ao dólar”, afirma Braule. Ele explica, porém, que no longo prazo os índices tendem a se equilibrar. Se o dólar se estabilizar, a tendência é que os índices de consumo superem os IGPs. E isso já está começando a acontecer de forma bastante contundente. Depois de valorizar 28,23% nos últimos 12 meses, o IGP-M ficou 1% negativo em junho, registrando a maior baixa de toda sua história desde que começou a ser calculado em 1989.