Edição 143
Não durou mais do que três ou quatro meses a lua-de-mel entre a Mellon e a Petros, unidas no final de 2002 por um contrato de administração fiduciária de ativos. Assinado em novembro de 2002 pela antiga diretoria da Petros, o contrato previa que o controle fiduciário de todas as atividades de investimento do fundo de pensão seriam feitas pela Mellon. Isso envolvia recursos da ordem de R$ 17 bilhões, na época, que em dezembro do ano passado, quando o contrato foi destratado, já superava a casa dos R$ 21 bilhões.
Já em fevereiro de 2003, quando a nova diretoria da fundação tomou posse, ficou claro que o contrato era desconfortável para ela. Com vínculos com a direção petista da patrocinadora, a nova direção do fundo de pensão recebeu de mau grado aquele contrato assinado em novembro de 2002, às vésperas das eleições que colocariam Lula na presidência da República.
Assim que tomou posse na presidência da fundação, em fevereiro de 2003, Wagner Pinheiro confidenciou que se sentia desconfortável com o modelo. Para ele, a decisão de assiná-lo, ou não, deveria ter sido deixada à nova diretoria e não ter sido tomada pela antiga, que sabia que permaneceria no cargo apenas poucas semanas após a posse de Lula. Eliane Lustosa, que era a diretora financeira da fundação, saiu inclusive antes, sem sequer esperar a posse do novo presidente. Carlos Flory, então presidente, ficou até a chegada de Wagner Pinheiro, ocorrida um mês e meio depois da posse.
Além do desconforto com a assinatura daquele contrato às vésperas de uma eleição presidencial que indicava ampla preferência para Lula, Pinheiro também questionava o valor dos serviços cobrados, cujas taxas incidiam sobre todos os tipos de ativos da Petros, inclusive os bens imobiliários. “Pagar uma taxa pela administração fiduciária de imóveis é um absurdo, pois não movimentamos esses ativos”, dizia ele à época. “É pagar taxa para administrar algo que fica parado por anos”.
A falta de sintonia entre as duas partes era notória. Em junho do ano passado, segundo o diretor comercial da Mellon, Roberto Pitta, a diretoria financeira da Petros chamou a administradora e comunicou que “o modelo do contrato era inadequado”. Entre outras coisas, porque previa uma sanção pecuniária à Petros no caso de rompimento e não previa o mesmo tratamento à administradora se a iniciativa do rompimento partisse dela.
“Mas, mostramos a eles que o contrato previa que teríamos que esperar o tempo necessário até que a fundação encontrasse outro administrador substituto”, explica Pitta. Não convenceu. O contrato previa um período de negociação para discutir as divergências, o que efetivamente foi feito, entre setembro e novembro de 2003. Nesse período, segundo uma carta publicada pela Petros no seu jornal interno aos participantes, foram encontrados vários “erros ou falhas” de execução do contrato. Isso daria à fundação o direito de romper unilateralmente o compromisso.
Para Pitta, o contrato tinha “realmente uma cláusula que permitia o rompimento unilateral caso ficasse comprovado a existência de 8 ou mais erros, no mês, na execução do contrato, mas os erros que a direção da Petros apontou são, francamente, ridículos”. Segundo ele, eram erros banais, como lançamento com datas erradas, por exemplo.
Rompimento – Segundo a assessoria de comunicação da Petros, a fundação não iria comentar o caso uma vez que ele está sendo tratado judicialmente. Segundo o diretor da Mellon, em dezembro a empresa foi comunicada do rompimento do contrato e instruída a repassar à BB DTVM a administração fiduciária de parte dos ativos, principalmente dos fundos de investimento. A parcela restante seria administrada internamente, por equipe da própria fundação.
Na carta que divulgou aos participantes, lê-se que “a diretoria da Petros, com a aprovação do Conselho Deliberativo, que é o órgão máximo da instituição, rescindiu o contrato de prestação de serviços de controle e administração de ativos e outros pactos com a Mellon Brascan DTVM, no dia 19 de dezembro de 2003”.
A Mellon está entrando com um pedido de “ressarcimento pecuniário” pelo rompimento do contrato, junto a uma câmara arbitral. Segundo Pitta, que evita falar em valores, o contrato previa a utilização dessas câmaras arbitrais, com um juiz indicado por cada parte, ao invés dos tribunais judiciais para dirimir essas questões. A Mellon está buscando discutir o assunto na Câmara de Comércio Brasil Estados Unidos.
Prejuízos – “Eles devem nos ressarcir dos nossos prejuízos”, diz Pitta. Segundo ele, a Mellon tinha feito investimentos pesados em sistemas de controle, back-office e compliance, além de empregar 20 pessoas exclusivamente no atendimento às demandas da fundação. O assunto ganhou tal relevância que o próprio presidente da Mellon dos EUA veio ao Brasil para acompanhar o andamento do caso, diz Pitta.
Além da Petros, a Mellon faz a administração fiduciária dos recursos das fundações da Volkswagem, da Siemens, do BNDES, da Bosch, da Cofap, da Previsa, Cifrão e Previnor. Sem os recursos da Petros, o volume administrado em fidúcia pela Mellon cai de cerca de R$ 30 bilhões para algo em torno de R$ 10 bilhões. “O rompimento do contrato com a Petros não arranha a nossa imagem”, diz Pitta. “Todo o sistema sabe que estamos saindo por uma questão política e não por incompetência”.