Edição 111
O Governo nunca teve à frente da Receita Federal um profissional tão eficiente em sua tarefa de arrecadar quanto Everardo Maciel. Pode-se até questionar os aspectos legais da sua MP 2.222, que prevê a cobrança do IR dos fundos de pensão, mas não se pode negar que a estratégia adotada por ele foi meticulosamente perspicaz: colocar os fundos de pensão contra a parede para, posteriormente, graças a algumas concessões, forçá-los a negociar a partir de suas bases. Em outras palavras, ele colocou o “bode na sala” para negociar depois!
Graças ao seu animal fedorento, ele conseguiu arrancar das fundações o que até há pouco tempo parecia impossível: fazê-las aceitar a idéia de pagar algum imposto ao governo. E isso não foi obtido através de uma decisão jurídica definitiva mas, surpreendentemente, de uma nova mentalidade que passou a ser exercitada pelas fundações, juntamente com suas patrocinadoras, de aproveitar as vantagens oferecidas pela Receita para acertar de uma vez por todas as suas pendências tributárias. Vale lembrar que há menos de seis meses nenhuma fundação aceitava a idéia de ter de pagar um centavo sequer à Receita. Agora, o empenho não está em não pagar, mas em desembolsar o menos possível.
De qualquer forma, uma decisão final sobre o tema será tomada numa assembléia marcada pela Abrapp para o próximo dia 29, em São Paulo, um dia após a posse de Fernando Pimentel na presidência da entidade. Ali será divulgada a postura da entidade em relação ao pagamento do IR atrasado, cujo prazo para opção expirará três dias depois, em 31 de janeiro. “Apresentaremos os aspectos jurídicos em função das medidas coletivas e a conclusão da entidade após as últimas negociações com a Receita. É papel da Abrapp mostrar os dois lados, mas a decisão terá de ser tomada pela fundação”, diz o superintendente geral da Abrapp, Devanir da Silva, citando que a Receita se preparava, a menos de dez dias do vencimento do prazo, para soltar um ato normativo e nova MP.
Já em meados de janeiro o clima entre as fundações era de aceitar as novas regras e tirar delas o máximo proveito. Com as novas regras flexibilizadas da Receita, que incluíram descontos de juros e correção, o valor acumulado devido pelas fundações no período de 1o de janeiro de 1997 a agosto de 2001 desceu de algo em torno de R$ 12 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões, a serem pagos ao longo dos próximos 6 meses (corrigidos pela taxa Selic). Somem-se a esse montante perto de R$ 720 milhões previstos para entrar mensalmente nos cofres do Governo, relativos à cobrança do IR novo. Com isso, as fundações passaram a ver com menos restrições as novas regras. Além dessa inesperada mudança, também surpreendeu a relativa tranqüilidade com que o mercado absorveu a nova postura das entidades de pagar IR. Ao contrário do que se imaginava, o início do recolhimento do IR atrasado não deverá causar grandes impactos no mercado financeiro. Em meados do mês, o mercado estava relativamente tranqüilo à espera da desmobilização de ativos para pagamento do IR acumulado nos últimos cinco anos.
Há várias explicações para esse ambiente calmo. Um dos motivos é a expectativa de liminares ou de alguma decisão favorável por parte do Supremo Tribunal Federal. Outro é que a maioria das fundações já aceita a idéia de ter de desembolsar algum recurso à Receita. E, por último, a aposta de algumas fundações de uma eventual prorrogação do prazo de 31 de dezembro, hipótese descartada por Savóia, mas aventada pela Receita. Receosa de uma baixa adesão no fim de janeiro, uma vez que apenas os que aderiram ao RET de 31 de dezembro poderiam optar pela anistia ao passado, o setor já trabalhava com a extensão do prazo de adesão à anistia até 28 de fevereiro. Segundo Devanir da Silva, a Receita estaria flexibilizando para permitir que as fundações manifestem sua opção pela anistia, pagando integralmente ou a primeira parcela, e tenham até o final de fevereiro para formalizarem a desistências das ações. “A desistência das ações envolve burocracia e os fundos podem não ter tempo hábil para fazê-lo”, conclui.
Para Fábio Mazzeo, diretor-presidente da Metrus, o cenário contra a imunidade definiu-se após o veto de FHC ao diferimento tributário e a decisão do Supremo desfavorável à Ceres. “Agora, o esclarecimento quanto à operacionalização da 2.222 é que vai dizer se o baque será maior ou menor. Temos de batalhar para tornar a questão o menos traumática possível”, resume. “Acho que o pagamento em seis meses é até viável, desde que o valor não seja o que a Receita está imaginando. Para quem tem provisão, é apenas uma questão de fluxo de caixa”. Pressionada, a Receita se preparava para emitir uma MP que, além da prorrogação do prazo, contemplasse situações de adesão ao RET mais específicas, permitindo, por exemplo, o enquadramento às novas regras tributárias em casos de fusões ou de criação de fundações a partir de janeiro de 2002. Estas teriam 30 dias após a autorização para funcionamento para manifestar sua opção junto à SPC.
Devanir da Silva prevê que a MP trate também dos créditos inscritos na dívida ativa da União, que pela MP 2.222 não seriam tributos geridos pela Receita e, portanto, não poderiam ser objeto da anistia. Outras mudanças, segundo Devanir, dizem respeito à possibilidade de a fundação apurar o imposto com base na segregação por plano e à questão do PIS/Cofins, estabelecendo como base de cálculos receitas administrativas, tanto para o passado quanto para futuro.
Consultas – Um dos grandes receios do mercado é de que, às vésperas do vencimento, haja uma corrida para a venda de papéis e uma derrubada geral do preço dos ativos. A perda de recursos no sistema será substancial, mas provavelmente atingirá os ativos mais líquidos num primeiro momento, evitando grandes perdas para os investidores. “Os resgates causarão um bom impacto, mas nada que o sistema financeiro não suporte”, afirma o diretor comercial da BMG Asset Management, Bruno Amadei. Um dos motivos dessa confiança repousa no fraco desempenho da Bolsa em 2001, levando as fundações a se desfazerem antes de títulos e debêntures e só mais tarde das ações, evitando prejuízos. O BMG, que administra perto de R$ 540 milhões de 40 fundações, recebeu até agora apenas consultas mas nenhum sinal de estratégias para desmobilização de ativos. O diretor da área de asset do Banco Alfa, Márcio Emery, concorda que os valores, nada desprezíveis, podem ser absorvidos, e diz ter observado aumento nas consultas sobre saques no fim do mês. O banco atende mais de cem entidades, com aplicações superiores a R$ 1 bilhão. “Os movimentos têm sido bastante organizados”, avalia, explicando que, até pelo enquadramento à Resolução 2.829, as carteiras já têm uma porção significativa em ativos líquidos com formação de preços bem razoável, das quais podem se desfazer primeiro.
Essa é também a opinião de Fernando Meibak, diretor da ABN AMRO Asset Management. “A preferência na hora de desinvestir recairá sobre a renda fixa e as carteiras de títulos públicos”, diz ele. “Com o cenário propício à redução das taxas de juros e perspectivas de melhora da economia americana a partir do segundo semestre, segurar um pouco mais os papéis de renda variável é mais interessante”, prevê Meibak.
Guilherme Cavalcanti, diretor comercial do Bank of America Asset Management também engrossa a fileira dos que não crêem em pane na Bolsa. “Os fundos não estão muito comprados em Bolsa e haverá espaço e prazo de no mínimo seis meses para enquadrarem de maneira gradual suas carteiras. Agora, quando vai começar a desmobilização ninguém sabe, mesmo porque tudo vem sendo exaustivamente negociado com a Receita. Vários aspectos ainda estão bastante confusos”. Cavalcanti, aliás, comemora o fim do longo impasse entre fundações e Receita e acha que agora, sim, o sistema pode voltar a crescer. “Muitas decisões de investimentos em previdência complementar não foram tomadas por conta de dúvidas e indefinições. Para o sistema financeiro é melhor trabalhar com regras definidas e não com base em liminares”, diz. Segundo ele, o Bank of America administra perto de R$ 3 bilhões de cerca de 60 fundos de pensão.
Pressão – Mas nem todos estão tão tranqüilos. “Será mais uma sangria para a indústria de investimentos, que já vem apresentando problemas nos últimos anos e, por naturezas diversas, está meio estacionada. Dispor desse montante de uma hora para outra é complicado”, diz o diretor do banco Pactual, Sérgio Cutolo. “Se várias instituições decidirem pagar a primeira parcela ao mesmo tempo, não há como evitar pressão vendedora sobre o mercado”, avalia o diretor de planejamento e controle da Sistel, Wilson Carlos Duarte Delfino. “A saída seria se programar antes”.
“Dependendo de como vai se desenrolar a desmobilização, podemos assistir a uma derrubada generalizada de preços no mercado. Poderá ser um pandemônio”, analisa Marcelo Neves, da Fundação São Rafael (Xerox). Para Sérgio Malacrida, da Consultoria Rabbat, Prandine & Associados (RPA), algumas fundações poderão ser levadas a mexer na renda variável em função do enquadramento. “Mesmo com as Bolsas num mau momento, algumas podem ser levadas a vender ações para manter o enquadramento à política de investimentos do final de ano”, diz.
No Pactual, as consultas por parte dos mais de 60 clientes fundos de pensão começaram ainda no final de 2000. “Algumas fundações iniciaram os cálculos e já começaram a se preparar para desmobilizar os ativos mais líquidos, mas ninguém ainda abriu suas estratégias”, diz Cutolo. Ele destaca que os dirigentes de algumas fundações estão desconfortáveis em aderir às novas regras, frente ao impacto que elas podem ter junto aos participantes. Afinal, agora os dirigentes respondem pelos seus atos. “Já há, inclusive, manifestações de algumas associações de funcionários e aposentados para impedir o pagamento”, diz, sem revelar nomes. Num caso extremo, o dirigente pode ser questionado pelos associados sobre seu posicionamento a favor da novas regras. “As entidades pleiteiam a participação maciça dos conselhos de curadores e de sua administração para dividir a responsabilidade”, analisa. “Agora mais do que nunca é muito arriscado decidir sozinho”, comenta Everaldo França, da PPS – Portfolio Performance, voltada para investidores institucionais. Para Savóia, a preocupação é infundada. “Seria de se estranhar que algum dirigente viesse a ser responsabilizado por cumprir a lei.”