ESG avança nas fundações | Demanda de EFPCs por empresas que adot...

Edição 360

Investimentos em ativos que seguem práticas ESG, três letras que significam iniciativas nas áreas ambientais, sociais e de governança, vêm ganhando espaço na carteira e na gestão de fundos de pensão. É verdade que em velocidade ainda moderada, tanto em função da ausência de maior número de gestoras especializadas no mercado, quanto pela necessidade de amadurecimento do setor e de aprimoramento de métricas para avaliar o desempenho das empresas. Mas fato é que o interesse vem aumentando e os investidores institucionais estão à frente desse processo. Motivos não faltam para que os investidores vejam com interesse empresas e negócios que adornados com o acrônimo ESG. Elas tendem a ser mais duradouras e empresas com foco no longo prazo conseguem gerar retornos acima da média. Além disso, a adoção de agenda sustentável norteando os negócios aumenta as chances de garantirem bons desempenhos no futuro e de ganharem maiores fatias de mercado.
“O mais importante é incluir os princípios ESG em todo o processo decisório. A tendência é que essa integração faça parte de toda a cadeia”, diz Alessandra Cardoso, consultora especializada em investimentos sustentáveis. Nos dois últimos anos, fundos como o Real Grandeza (dos empregados de Furnas, Eletrobras, Eletronuclear) Volkswagen Previdência Privada (da Volkswagem do Brasil) e Funepp (da Nestlé) ou ampliaram a agenda ESG ou começaram a investir em ativos sustentáveis. Em qualquer dos dois casos, o cenário é positivo.
O Real Grandeza, dono de um patrimônio de R$ 18,5 bilhões, saiu na frente. A fundação, que tem hoje 12% de seus recursos geridos por terceiros selecionados através de processos que levaram em conta aspectos ESG, ensaiou os primeiros passos nessa trilha em 2006, quando assinou o Carbon Disclosure Project. Recentemente aprimorou a agenda, com a contratação de gestores especializados em investimentos sustentáveis. É com base nessa escolha que as ações ESG estão concentradas
“Fazemos seleção de gestores atribuindo notas, e um dos blocos de avaliação é dedicado à ESG. As gestoras que têm práticas e diretrizes ESG e são signatárias de programas específicos recebem melhores notas”, diz Patrícia Queiroz, diretora de Investimentos da fundação Real Grandeza, que em 2009 aderiu ao Principles for Responsible Investment (PRI). A atribuição das notas é feita de acordo com critérios quantitativos e qualitativos, variando entre 10 e 8 para gestoras com fundos comprometidos com práticas orientadas por princípios sustentáveis até chegar à faixa entre 4 e 3 para aquelas que só adotam algumas medidas ESG. Para as demais, sem qualquer preocupação com o tema na alocação dos ativos, as notas ficam entre 2 e 0.
Segundo Queiróz, as decisões de investimentos da Real Grandeza buscam o melhor para seus participantes em termos da relação risco x retorno, mas também levam em conta nos processos de investimento a adoção por investidas de práticas que visem o melhor para o meio ambiente e para a sociedade e que valorizem os mais altos níveis de governança. “Vemos o tema ESG como um princípio e uma cultura”, diz Queiróz.
Segundo ela, “quando uma entidade como a Real Grandeza cobra da gestora um tratamento específico em relação ao tema ESG há uma espécie de efeito multiplicador, na medida em que a gestora repassa esse tratamento para todos os seus fundos e estratégias”. Ainda de acordo com Queiróz, o que torna possível esse efeito multiplicador é o fato “dos gestores possuírem posições em muitas empresas do mercado.”

Estratégia global – A Funepp, fundação previdenciária dos funcionários da Nestlé, aderiu à agenda ambiental mais recentemente, em 2021, ano em que fez sua primeira alocação em um fundo ESG gerido pela BlackRock. A decisão veio após o lançamento pela matriz na Suíça, no fim de 2020, de uma política de investimentos responsáveis, válida para todos os fundos de pensão da Nestlé no mundo. “A estratégia global orientava sobre a incorporação no portfólio de investimentos com métricas ESG”, diz Priscila Carvalho, gerente de investimentos da Funepp.
Com uma carteira de investimentos de R$ 3,4 bilhões, a fundação optou por alocar em estratégias ESG sua carteira de investimentos no exterior, resgatando de um fundo da BB Asset e aplicando num fundo da BlackRock, o BlackRock Fia Globais ESG IE, que reproduz o desempenho de cerca de 1.200 papéis globais que compõem o MSCI World ESG. No primeiro semestre de 2023 o fundo rendeu 6,51%. “O fundo desempenhou muito bem em 2021, quando tivemos a melhor performance da carteira, recuou em 2022 e agora segue acima do benchmark”, diz.
A alocação, que em 2021 chegou a representar 9% do patrimônio da Funepp, quase no limite máximo permitido pela legislação de investimentos no exterior, caiu para 4,3% em 2022, para 3,4% em 2023 e atualmente está em 3,2%. “O ajuste foi feito em linha com o cenário que atingiu os mercados globais. Fizemos a redução para mitigar os riscos da carteira em um movimento que foi geral e muito relacionado ao momento vivido pelos fundos globais”, diz Carvalho.
Com relação às métricas, Carvalho conta que a matriz na Suíça exige que os gestores contratados sigam os critérios do código PRI, com as devidas exigências de sustentabilidade para a gestão dos recursos. “Uma vez que terceirizamos nossos recursos para gestores, é fundamental que tenham a chancela e sejam signatários da PRI. É preciso monitorar os fatores ESG, mas olhando também os critérios de desempenho econômico-financeiro”, diz.

Salários diferentes – A VWPP foi outra fundação de previdência a criar um fundo ESG. Em 2021 a diretoria da entidade contratou a XP Advisory para criar um fundo de fundos voltado à sustentabilidade. Constituído como um multimercado, o fundo que atualmente tem com patrimônio de R$ 330 milhões investe basicamente em renda fixa, em títulos de dívida de empresas que incorporem princípios ESG em sua gestão.
“Vamos supor que uma emissão de títulos privados atenda a todos os requisitos financeiros, mas há diferença salarial entre gêneros na companhia (emissora) ou vazamento de produtos químicos na natureza ou problema de transparência na divulgação de informações ao mercado. Se tais problemas ocorrerem, a ideia é que, dependendo da gravidade da situação, não se aprove o investimento”, diz Thiago Santucci de Almeida, diretor de Investimentos da VWPP, R$ 3,3 bilhões.
A seleção de gestores – atualmente são nove fundos – é feita pela XPA, que analisa processos e filtros adotados pelos gestores dos fundos na decisão de alocação de recursos. A seleção dos fundos investidos leva em conta se o gestor analisado é iniciante, avançado ou se é referência no quesito ESG, com um nível diferente de exigência para cada situação. “Nossa ideia é criar um círculo virtuoso. Conforme vamos trabalhando com os gestores, que avancemos junto com eles para que se tornem referência em algum momento”, diz Almeida.
O fundo teve retorno de 100% do CDI neste ano, já que pelas suas características de renda fixa não passou ileso da turbulência no mercado de crédito privado no início do ano. “Isso prejudicou, já que estava com retorno superior, mas é um desempenho em linha com outros fundos que não seguem práticas ESG”, diz.
Os planos da VWPP incluem incorporar a agenda ESG no processo de seleção de gestores para outras carteiras, além de buscar produtos no mercado mais voltados a questões ligadas a impactos sociais. “Queremos alocar parcela do nosso capital em empresas com propósito, que tenham como objetivos retorno financeiro obviamente, mas que também busquem transformações socioambientais positivas”, diz.
Atualmente, segundo ele, esse segmento de fundos de impacto está mais restrito à venture capital, por se tratar de empresas menores, com pouca liquidez e horizonte de investimento de longo prazo. “É algo que já começamos a olhar, mas demanda atenção maior. É um negócio mais profundo do que aquilo que já fazemos hoje em dia. Não será um fundo de fundos, a ideia é investir em fundos já existentes no mercado”, explica Almeida.