Em busca da diversificação | Com taxa Selic nas mínimas e bolsas ...

Diversificação é a bola da vez no segmento de fundos de pensão. A Fapes, fundação dos funcionários do BNDES, vai aumentar sua exposição a ativos internacionais em mais de três vezes até o final do ano. A EmbraerPrev acaba de estruturar um fundo de fundos imobiliário enquanto InfraPrev e Postalis apostam em multimercados. E até mesmo os Fundos de Participações (FIPs), cuja imagem foi bastante arranhada por acusações de envolvimento com corrupção feitas por agentes da Polícia Federal e membros da força-tarefa da Lava-Jato nos últimos anos, voltaram a entrar no radar de entidades como a Fundação Itaipu (Fibra) e a Volkswagen Previdência Privada (VWPP).
O principal impulso foi dado pelo Banco Central (BC), que ao reduzir a taxa Selic para 6% no dia 31 de julho, na tentativa de estimular a anêmica retomada econômica, acabou de vez com qualquer esperança dos dirigentes de entidades previdenciárias de conseguir na renda fixa o retorno necessário para o cumprimento das metas atuariais.
Obrigadas a redirecionar os investimentos, as fundações começaram a examinar o menu de opções disponíveis. A bolsa, a princípio a primeira opção à renda fixa, não desperta o mesmo interesse que despertava até alguns meses atrás, uma vez que muitas entidades já aumentaram consideravelmente sua exposição ao segmento e também, após subir quase 80% desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff há três anos e aproximadamente 20% no acumulado de 2019, as oportunidades nesse segmento estão rareando. Resta a garimpagem nas novas classes de ativos.
“Os fundos de pensão tiveram que antecipar rapidamente a busca de novas classes de ativos, pois tanto a queda dos juros como a alta da bolsa aconteceram de forma muito mais rápida e intensa do que se imaginava”, afirma o consultor Guilherme Benites, da Aditus. Ele diz que a diversificação para outras classes, além dos títulos públicos e da bolsa, não é uma opção, mas uma necessidade. “A entidade até pode conseguir o retorno esperado se fizer a diversificação só com as ações, mas o risco para alcançar esse objetivo será muito alto”.
A EmbraerPrev ilustra bem o quadro. Em 2016, a carteira de renda variável ocupava 8% do total de R$ 3,1 bilhões. Subiu desde então e chegou agora em 21%. Sem espaço para seguir comprando ações no mesmo ritmo, a saída foi estruturar um fundo de fundos imobiliário. O veículo começou em maio com uma pequena fração (R$ 30 milhões) do total dos recursos, mas a depender do desempenho a tendência é dobrar o patrimônio em pouco tempo, diz Eléu Baccon, diretor superintendente da EmbraerPrev. “O fundo de fundos maximiza a diversificação ao não concentrar o risco em poucos emissores”, afirma ele. O veículo tem cerca de 15 cotas e a intenção é chegar a 25, mas barreira de entrada é alta – entram apenas lajes corporativas e shopping centers.
A aposta da EmbraerPrev combina com o perfil majoritariamente conservador dos seus participantes . “Os imóveis que sustentam as operações dão um conforto maior em comparação com investimentos mais arrojados como o exterior”, diz Baccon, que não esta sozinho no interesse pelos fundos imobiliários. Com a queda dos juros, a categoria experimentou um boom de crescimento – o número de investidores saltou de aproximadamente 100 mil em 2018 para cerca de 400 mil. E embora o investidor pessoa física ainda predomine nesse mercado, os institucionais vêm ganhando terreno rapidamente – em junho ultimo, a participação de pessoas físicas e de institucionais era de 61,4% e 35,3%, respectivamente, do total de R$ 100,4 bilhões. No ano passado, no mesmo mês, era de 80% e 15,7%. “Os fundos imobiliários ainda não estão tão bem precificados”, afirma Baccon. “Com a aprovação da reforma da previdência, que esperamos que aconteça logo, oportunidades interessantes podem surgir”.

Economia real – Mesmo tendo de deixar para trás o conforto dos títulos públicos, o diretor da EmbraerPrev não enxerga, sob uma ótica de longo prazo, a queda dos juros como um evento negativo para os fundos de pensão. “Acho até bom o fim do alto retorno do título público”, afirma. “Significa que a economia do Brasil está amadurecendo, se aproximando dos patamares dos mercados mais desenvolvidos”.
Ele diz que se os juros permanecerem baixos, a tendência é aumentar as oportunidades em ativos que se beneficiam da evolução da economia real. Com a Selic em 6%, esse é um fenômeno que já começa a ocorrer. Basta olhar para o aquecido mercado de ofertas de ações. Para se financiarem, as empresas buscam cada vez mais o mercado de capitais em busca de custos menores do que nos bancos. O primeiro semestre de 2019 foi o melhor dos últimos 17 anos em aberturas de capital (IPOs) e ofertas subsequentes (follow-ons) com R$ 29,3 bilhões em emissões, quase três vezes o total do ano passado (R$ 11,3 bilhões), segundo a Anbima.
Falando na economia real, o diretor de investimentos da Volkswagen Previdência Privada (VWPP) e vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luiz Brasizza, espera que os Fundos de Investimento em Participações (FIP) voltem gradualmente a receber aplicações dos isntitucionais. “Os FIP foram demonizados por conta de alguns poucos casos mal sucedidos que eclipsaram uma série de outros casos que foram bem sucedidos”, diz Brasizza. Ele cita a própria VWPP como exemplo. “Investimos em FIPs florestais que entregaram bons resultados, tanto que estamos avaliando novas oportunidades”.
Brasizza não é voz isolada dentro do sistema da previdência complementar fechada. “De forma mais ponderada e cuidadosa, olhando para casos anteriores que já se comprovaram eficientes, vejo o private equity novamente como uma opção de investimento alternativo”, diz Guilherme Leão, diretor responsável pela Comissão Técnica Nacional (CTN) de investimentos da Abrapp.
Visando renovar a carteira, a Fundação Itaipu (Fibra) é uma candidata a participar do eventual processo de retorno das entidades aos fundos de participações. “Temos nove cotas de FIP, sendo que a maior parte já entrou em período de desinvestimento”, afirma Marcos Litz, diretor de administração e processos da Fibra. “No momento não estamos analisando nenhum fundo de private equity, mas é uma possibilidade”.

Crédito – Além de tirar proveito do crescimento econômico via ações e participações, os títulos privados de renda fixa também têm atraído um interesse crescente dos investidores. De janeiro a julho, os negócios com debêntures somaram R$ 47,1 bilhões, volume 69% superior ao registrado no mesmo período de 2018.
“Pelas taxas de retorno maiores que as dos títulos públicos, os fundos de pensão certamente aumentarão o investimento no crédito privado”, afirma Leão. A previsão, no entanto, vai na contramão da tendência recente. Em 2012, o crédito privado respondia por 5,1% dos recursos do sistema. Caiu três pontos percentuais em seis anos e alcançou 2,1% em dezembro passado. Mas o diretor da Abrapp está confiante. “À medida que a economia comece de fato a reanimar, as empresas vão tirar os projetos da gaveta, emitindo ações e debêntures”, afirma ele. “Será muito positivo para os fundos de pensão aumentar os investimentos em ativos ligados a economia real, porque dessa forma vamos contribuir para alavancar a retomada da atividade com novos investimentos e geração de empregos”.

Exterior – Não serão apenas empresas brasileiras as beneficiadas com a injeção de recursos dos fundos de pensão, multinacionais globais também serão agraciadas. A Fapes que o diga. Sua exposição na renda variável está em níveis considerados adequados, ao redor de 28% e acima da média de 18,5% do setor segundo dados da Abrapp. Por isso, a decisão foi mais que triplicar a carteira fora do país, que passará de 3% para 10% do total de R$ 13 bilhões.
“Há pouco prêmio de risco no mercado local”, diz Victor Tito, diretor de investimentos do fundo de pensão. “Daremos um importante passo para diversificar o portfólio, acessando uma gama de opções de investimento, tanto em termos de ativos como de estratégias, muito maior do que no Brasil”.
Uma série de entidades tem dado preferência pelo investimento no exterior sem se expor ao câmbio, receosa com a forte volatilidade decorrente da guerra comercial e do Brexit. Mas não é o caso da Fapes. “O dólar tem uma forte correlação negativa com os ativos domésticos e traz uma diversificação muito interessante”, afirma Tito.

Multimercados – No Postalis, onde a busca por risco é mais comedida por imposição do interventor Walter Parente, os multimercados começam a despontar. Confiar a um gestor profissional, que tende a ser mais hábil para mudar o leme de direção conforme o cenário se altera, pareceu um bom caminho tanto para os gestores da casa como para o interventor da Previc, diz Hugo Lancarter, gerente de investimentos do Postalis. “Fazemos um trabalho rigoroso de seleção de gestores, com análises qualitativas e quantitativas, que foi muito aprimorado após o processo de intervenção”, afirma ele.
Também a InfraPrev tem recebido gestores de multimercados para ouvir propostas. Devido ao envelhecimento dos participantes, a entidade quer reduzir a exposição a ativos ilíquidos como fundos de participações e imóveis. A carteira de estruturados corresponde a cerca de 7% do plano de Contribuição Variável (CV), de R$ 3,2 bilhões. A diretora de administração e finanças, Juliana Koehler, vem em busca de compradores para os FIP no mercado secundário para destinar os recursos da venda aos multimercados. Mas não está sendo muito fácil se desfazer dos ativos. “Até agora conseguimos fechar apenas um negócio, o mercado secundário de FIP no Brasil é incipiente”, diz Juliana.
Mesmo que não consiga fechar negócios suficientes com os fundos de participações, a InfraPrev tem um plano B – vender imóveis, até mesmo para se enquadrar à Resolução 4.661. Dois negócios imobiliários estão em andamento. Se ainda assim não for suficiente, é possível sacar parte dos recursos em fundos DI para incrementar a exposição aos multimercados, que devem galgar dois pontos percentuais e chegar a 6% até dezembro. “O ALM para 2020 provavelmente vai indicar um novo aumento na classe”, afirma a dirigente da InfraPrev.
Marcos Litz, da Fundação Fibra, também recorreu aos multimercados recentemente. “Por estar pessimista com as incertezas do cenário global, optei por reduzir os recursos no exterior para investir em quatro fundos multimercados”. A carteira de ações tinha uma distribuição de 70% na bolsa local e 30% no exterior, e a parcela global foi reduzida para 20%.
Segundo a Anbima, os multimercados foram a categoria com a maior captação líquida da indústria de fundos em 2019, até julho. Nos sete meses do ano, essa classe captou R$ 37,9 bilhões, seguida pelos fundos de ações que captaram R$ 32,6 bilhões. A renda fixa, outrora líder do ranking de captações, recebeu metade disso (R$ 16,6 bilhões). “Quem não tomar risco não vai atingir a meta atuarial, gerando déficit e com a possibilidade de comprometer a solvência da entidade”, afirma Guilherme Leão.