É hora de vôo solo | Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de polí...

Edição 155

Mesmo com todos os recursos tecnológicos e de transportes, os 450 quilômetros que separam São Paulo do Rio tornaram-se intransponíveis para Armínio Fraga e Luiz Fernando Figueiredo seguirem, juntos, à frente da Gávea Investimentos. A dupla, que fez nome no Banco Central (BC) durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, desfez a parceria na asset, embora tenha mantido a amizade e até mesmo outra forma de sociedade: um terá participação na empresa do outro.
Enquanto Fraga permanecerá no comando da Gávea, que terá grande parte de sua estrutura transferida para o centro carioca, Figueiredo abrirá, em São Paulo, a Mauá Investimentos – nome que faz referência ao Visconde de Mauá, empreendedor do Brasil. “Queríamos um nome brasileiro. Mauá significa algo que é elevado”, diz. O conceito presente no nome também se estenderá às aplicações da nova asset que, tanto no fundo local quanto no off-shore, terão foco no risco Brasil.
Figueiredo não revela o quanto Fraga e seu primo, Luiz Fraga, terão de participação na Mauá. Informa, apenas, que é uma fatia minoritária, colocando-os como terceiros maiores acionistas da nova asset. Na Gávea, Figueiredo, que detinha 25% e era o seu segundo maior acionista, também passou para terceiro, embora não revele esse novo porcentual. “Nossas empresas serão totalmente independentes e a participação cruzada foi apenas uma forma de mantermos uma parceria”, diz ele, ao informar que esse contrato vale por, pelo menos, três anos. Depois disso, “só o tempo dirá se continuaremos juntos, mas a intenção é ter mesmo uma parceria de longo prazo”, diz Armínio Fraga.
O ex-diretor de política monetária do BC trará nove pessoas da Gávea para Mauá. Todas já estavam em São Paulo e tinham experiência na gestão do fundo local, o Gávea Brasil. Ele conta que essa decisão foi amigável. “Fiz uma proposta para o Fraga, de trazer essas pessoas comigo, e ele aceitou”. Entretanto todos os profissionais que operavam na mesa de ações do Gávea Brasil ficaram no Rio e Figueiredo terá de contratar nova equipe de renda variável. Ele também fechará, em breve, acordo com o novo sócio-responsável da Mauá pela área de risco, cujo nome prefere manter em sigilo.
Figueiredo informa que trabalhará com cerca de 20 pessoas na Mauá, incluindo estagiários, office-boy e secretária. Entre os nomes já confirmados estão: Caio Megale, economista para Brasil, Lourenço Bastos Tigre, responsável pela mesa de operações em mercado local, e Mariliza Cardoso, responsável pela área comercial e que já havia trabalhado com Figueiredo no BBA. Outra pessoa que entrará na equipe é William Trosman, que será sócio-sênior e ficará responsável pelos produtos e operações especiais. Trosman, que foi chefe de Figueiredo no Banco Nacional em 92, trabalhava com gestão de fortunas (Family Office).
O suntuoso prédio em São Paulo que abrigava a Gávea, localizado na avenida Faria Lima, ficará com Figueiredo e, aos poucos, a repartição de equipamentos será feita e “de forma bastante tranqüila, já que a separação foi amigável”, diz. Já Fraga irá procurar outro prédio na capital paulista para montar seu escritório de representação, mas ele informa que ainda não sabe nem onde, nem o tamanho de sua nova equipe paulista. A única decisão é que ela será encabeçada por Amaury Bier, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda.
Fraga confirma que desde o início da parceria havia uma preocupação com relação à sinergia da empresa devido à distância do eixo Rio-SP. “Pensamos em buscar uma solução com integração on-line, mas sentíamos falta das mesas de operações juntas, do setor de análise próximo ao de gestão e de um maior grau de espontaneidade. Era um sonho estarmos juntos, já que nos entrosamos no BC”, diz Fraga.

Planos – Figueiredo montará a Mauá com base em três conceitos. Equipe. “Um grupo com vistas na melhor gestão possível. Não um one man show”. Foco. “No mercado brasileiro. No risco Brasil”. E relação de longo prazo com seus clientes. “A mais próxima da equipe”. O fundo local da Mauá irá surgir da cisão do Gávea Brasil, que ocorrerá a partir de março. Até lá, o Gávea Brasil terá cerca de R$ 800 milhões e Figueiredo considera que “uma parte menor” desse total vá para a Mauá, sendo a maioria de dinheiro novo. “O grosso do fundo virá de novas captações e não da cisão”.
Até porque, diz Figueiredo, muitos investidores gostariam de ter aplicado mais no Gávea Brasil, mas não conseguiram tendo em vista que o fundo fechou para captações quatro meses após ser aberto, em agosto de 2003. Os clientes do Gávea Brasil não terão custo algum – nem de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), nem de Imposto de Renda (IR) – por optarem pela migração, de uma parte ou do todo, de seus recursos. E, como as características do Gávea Brasil e do novo fundo da Mauá serão basicamente as mesmas, a decisão do investidor tenderá a ser estritamente pessoal.
Figueiredo diz não se preocupar com isso. “Há o interesse recíproco de que o outro vá bem. Essa indústria tem demanda reprimida e, em pouco tempo, os fundos estarão fechados para novas captações. Dessa forma, essa concorrência não se estabelece”, considera. O próprio Figueiredo revela que toda essa estrutura foi pensada exatamente para que, no momento da cisão, o investidor só tivesse uma decisão a tomar: em que fundo ficar. Até o track record (histórico de rendimento) será compartilhado pelos fundos de Fraga e de Figueiredo.
O ex-presidente do BC também não se preocupa com a possível migração, nem com problemas operacionais que eventualmente decorram dela, uma vez que na cisão também ocorre a migração dos ativos. Ou seja, não haveria a necessidade de se montar uma estrutura de maior liquidez. “Não houve mudanças de estratégia”, diz Fraga. Apenas no caso de saques, que ele estima que devam ser poucos, haverá carência de 30 dias.
Da mesma forma que o Gávea Brasil, o fundo da Mauá terá carência de 90 dias, a taxa de administração será de 2% e a taxa de performance ficará em 20% sobre o que exceder o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). A única diferença entre o fundo local de Fraga e o de Figueiredo é que o primeiro tem aplicação mínima de R$ 500 mil e o segundo, de R$ 250 mil. “Para acomodar melhor os clientes”, justifica o ex-diretor do BC. O fundo off-shore, por sua vez, terá um perfil próximo ao do fundo local. “Será quase um fundo espelho, com mesmo nível de risco”. Os fundos off-shore Gávea Fund, com patrimônio de US$ 500 milhões, e o recente off-shore Brasil, com US$ 40 milhões, não passarão por cisão. Figueiredo espera ter em seu fundo off-shore algo entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões.
O administrador de empresas, que considera seus fundos agressivos, diz que não trabalha com expectativas de retorno. “Quando você tem um target de retorno, o fundo acaba sendo alavancado e achamos que o risco só deve ser tomado se há oportunidade no mercado”, diz.
Ele considera, no entanto, que no longo prazo o retorno de seu fundo deve ser superior a 5% ao ano acima do CDI. Figueiredo conta que espera administrar, em um primeiro momento, metade do que Fraga: cerca de R$ 600 milhões. Isso, diz, para evitar riscos e centrar esforços na melhor gestão possível; filosofia que importa de sua passagem pela Gávea.
Todos esses números, informa ele, são teto, não meta. “Não temos a menor pressa em crescer”. Questionado como é começar de novo, Figueiredo revela que, de fato, sente “um friozinho na espinha”, mas acredita que “as coisas vão bem se se faz um trabalho para valer”. Ele não revela o quanto irá aportar na nova empresa, mas diz que seu dia tem começado cedo e terminado tarde. “É uma batalha diária”, completa.

Bastidores – No mercado, muito se especulou sobre o real motivo da separação dos dois. Houve até quem sustentasse que a diferença de estilos teria, enfim, desembocado em conflitos. Afinal, uns consideram Figueiredo um homem de tesouraria e outros vêem em Fraga um gestor de longo prazo.
Figueiredo nega as diferenças. “Somos parceiros de longa data”, explicando que, de fato, a logística é que dificultou o trabalho. “Só de não se estar em um mesmo ambiente gera ineficiência. São necessárias reuniões mais longas e por aí afora. Achamos melhor resolver essa questão antes que ela se tornasse um problema”, diz Figueiredo, ao receber a reportagem em sua casa em um bairro de alto padrão em São Paulo.
Fraga raramente vinha para São Paulo – mesmo que 89% de seus clientes estivessem na capital paulista –, enquanto Figueiredo ia duas vezes por semana para o Rio. Recém-casado, com um filho de três meses, e cheio de lembranças de não ter acompanhado de perto o crescimento de seus outros dois filhos, as viagens estavam se tornando incômodas para Figueiredo. Enquanto isso, seu sócio começou a transferir algumas operações de São Paulo para o Rio, em um sinal de que queria centralizar as operações. “O Fraga queria tê-las mais próximas. Eu, por outro lado, achava que, para o negócio, era importante estar em São Paulo”.
Figueiredo, que cuidava das mesas financeiras na capital paulista, começou a se sentir relegado da Gávea. Percebendo isso, Fraga, então, lhe pediu que fosse mais vezes ao Rio de Janeiro e que até ficasse por lá. Foi a gota d’água e Figueiredo achou que deveria desfazer a parceria. “Se a Gávea vai toda para o Rio e eu não posso ir para lá, então eu estou fora da Gávea. Foi um raciocínio simples”. Os dois tiveram uma discussão e ficaram uma semana sem tocar no assunto. “Ficamos emocionalmente abalados. Deixamos a poeira assentar e depois conversamos”, conta Figueiredo, informando que nesse período sequer conseguiu dormir.
O próprio Fraga admite: “o Luiz é uma pessoa do mercado, com experiência e capaz de comandar seu próprio negócio. Não fazia sentido ter um capital humano dessa magnitude em uma estrutura em que ele estivesse fora do centro”. Ambos, então, chegaram à conclusão de que deveriam tomar uma atitude para preservar a sintonia fina que tinham adquirido. “Eu disse para o Fraga se colocar nos meus sapatos. Como gestores, temos sempre que nos antecipar aos acontecimentos e não podíamos deixar o desgaste correr solto”, diz Figueiredo. “O acordo inicial era de que os dois escritórios seriam equilibrados. No final, haviam 37 empregados no Rio e 15 em São Paulo. São coisas da vida”, desabafa.