Devagar com o andor | Bolsas batem recordes, mas os fundos de pen...

Edição 139

Para investidores, executivos e analistas que vivem o cotidiano do mercado de capitais é simplesmente delicioso relembrar os números da Bolsa de Valores de São Paulo em setembro deste ano. Notícias e números positivos não cansam de aparecer: pelo terceiro mês seguido, a melhor aplicação do País; a líder em rendimento, com valorização superior a 42%; média diária de negócios na casa dos 11 dígitos, acima de R$ 1 bilhão; saldo de aplicações estrangeiras positivo em mais de R$ 4,2 bilhões.
Com isso, parece consolidado o processo de recuperação do mercado brasileiro de capitais, que vem de uma temporada de três anos seguidos de baixas que levou o Índice Bovespa ao fundo do poço – 8 mil pontos em outubro do ano passado. A safra de boas notícias já começou inclusive a quebrar a resistência de um investidor mais arisco, a pessoa física. Pela primeira vez neste ano, a captação dos fundos de investimento voltados para a Bovespa foi positiva, batendo nos R$ 300 milhões.
Mas um outro personagem desse mercado ainda acompanha como um típico mineiro desconfiado essa retomada do mercado. “O cenário macroeconômico é favorável”, admite o diretor do PNB Paribas Gilberto Kfoury. “Mas as fundações se machucaram muito nos últimos anos”, completa. De fato, embora o horizonte de médio e longo prazos estejam com visibilidade bem menos cinza do que anos atrás, os fundos de pensão ainda não se animaram a voltar a investir pesadamente no mercado de ações. É que eles já viram roteiros parecidos com esse em anos anteriores, de quadros macroeconômicos favoráveis que depois se deterioram.
Do ponto de vista macroeconômico, realmente, o quadro é favorável às bolsas. A taxa básica de juros já caiu em um quarto: do teto de 26,50% para os atuais 20% – redução de quase 25%. O risco-país, medido pelo JP Morgan, reflete também a redução das taxas cobradas no exterior para financiar empresas do Brasil, cedendo de mais de 2,4 mil pontos para a casa dos 650 pontos. E embora a atividade industrial e as vendas ainda estejam patinando lá no fundo da lama, os indicadores de sentimento do consumidor e as encomendas de setores básicos, como o de embalagens sinalizam que a economia brasileira, como diria o médico Antônio Palloci, saiu da UTI.
Mas, para fundações que já conheceram roteiros parecidos e finais nem sempre felizes no passado, a palavra de ordem ainda é cautela. Principalmente para aquelas que embarcaram na Bovespa quando ela galopava nos 20 mil pontos e tiveram que apear abaixo dos 10 mil pontos. “O mercado está bom, mas temos que levar em consideração que temos responsabilidade com nossos dependentes”, afirma o gestor da Eletros, Jair Ribeiro. “Ainda mais quando temos uma fundação madura, como a nossa”. A Eletros tem 1.881 participantes ativos para 1.625 assistidos.
Ribeiro diz que a estratégia seguida pela Eletros nos últimos anos não será mudada, pelo menos no curto prazo. O negócio é assumir posições defensivas, para preservar o patrimônio aplicado em renda variável, que hoje representa segundo ele cerca de 25% dos recursos investidos pela entidade. “E ainda estamos acima da média de mercado”, aponta.
O sinal verde para que a Eletros parta com mais apetite para o mercado de ações virá quando os juros reais recuarem para a casa dos 6% ao ano. O que, segundo Ribeiro, só deverá ocorrer por volta de 2006. Uma leitura cantada quase que como um mantra por todos as entidades do sistema de previdência fechada.
“O problema é que quem entra tarde perde boa parte da valorização do mercado e acaba pagando um preço alto”, rebate o gestor da Dynamo, Cristiano de Mesquita Sousa. Ele reconhece que as fundações são, por natureza, conservadoras. Mas avalia que há espaços para entrar nessa estrada com segurança e pagando pedágios bem baixos. “Somos otimistas por natureza porque sempre apostamos na capacidade das boas empresas”.
Sem citar especificadamente uma empresa, a Dynamo assume posições com o foco voltado para horizontes de 2 a 4 anos. Diz que o pontapé inicial do crescimento econômico já foi dado. E que o governo está atuando também no ambiente microeconômico. “Quando o governo insere, no processo de reestruturação do setor elétrico, regras que favorecem as empresas que aderirem às exigências de governança corporativa, está incentivando o mercado de capitais”, aponta.
Rodrigo Leme, gestor da Schroder, concorda. Afirma que os estrangeiros pedem um desconto nas ações brasileiras exatamente porque temem o desrespeito aos acionistas minoritários ou questões nebulosas como o vazamento de informações. E, no ambiente geral, Leme também encontra motivos para acreditar que as Fundações vão ampliar as posições no mercado de capitais. Ele acredita que mesmo antes de os juros reais chegarem a 6% ao ano, haverá migração de parte do patrimônio das fundações hoje alocado em renda fixa para a renda variável. “As fundações estão muito leves em bolsa, abaixo do nível histórico por causa das crises dos últimos anos”, aponta. “A expectativa de queda dos juros mostra que será difícil bater a meta atuarial apenas com a renda fixa. As fundações terão que assumir riscos diferentes, apostar na gestão dos ativos”.
Entre os setores que a Schroder – que ampliou em 65% o volume do seu patrimônio administrado este ano – enxerga o melhor casamento entre retorno e segurança estão as ações das empresas de consumo, de bebidas e também os bancos. Embora ele admita que os papéis de telecomunicações e de energia estejam baratos, há o risco extra da regulação. Ele prefere buscar distorções entre papéis PN e ON de algumas empresas, manter a aposta em exportadoras de mineração, siderurgia e papel & celulose. Mas reconhece que a posição da asset nesse setor está perto do teto.
A conta que os gestores mais otimistas fazem é simples: historicamente as fundações têm uma posição na renda variável que oscila perto dos 40% do patrimônio. O que daria cerca de R$ 85 bilhões atualmente, considerando-se os mais de R$ 211 bilhões que as fundações detêm. Mas elas estão com menos de 20% desses recursos no mercado de capitais, o que significa que perto de R$ 40 bilhões poderiam atravessar a fronteira dos negócios com títulos públicos e pousar na Bovespa, na Soma e em operações de venture capital. Isso pode ocorrer antes mesmo que os juros reais batam nos 6% ao ano.
“As eleições tiraram o risco político do ar”, aponta o gestor da Mellon Global Investment, Felipe Cruz. Por isso, ele aposta que as fundações já estão analisando o mercado de capitais e devem chegar, já no próximo ano, a um percentual de 30% alocado em renda variável. Entre as empresas que podem atrair grande parte desses recursos estão os setores de siderurgia e de consumo, como destaques. Ele concorda com os colegas gestores que apontam os descontos, de até 50%, que há nos papéis de telecomunicações e de energia. Mas reforça que o risco regulatório ainda preocupa.
A mesma avaliação é feita por Gilberto Kfoury, do BNP. Para ele, as exportadoras e as empresas voltadas para o consumo interno devem receber melhor atenção nessa migração das fundações para a renda variável, provavelmente a partir do ano que vem. Há também um outro ponto que aproxima esses gestores, todos especialistas em gerir recursos de fundações, um dinheiro que precisa atravessar décadas e chegar robusto gerações a frente. É a necessidade de identificar companhias com grande potencial de crescimento e que tenham, por natureza, o compromisso de dialogar com o acionista minoritário. “O respeito ao minoritário será decisivo na atração dos investimentos”, diz Kfoury.