De olho na governança | Empresas interessadas em atrair a atenção...

Edição 141

Dois eventos, separados por menos de 72 horas, podem indicar os atalhos que têm a capacidade de apressar o estreitamento da fronteira que separa o exigente grupo de clientes formado pelos fundos de pensão e o ainda verde mercado brasileiro de capitais. Na sexta-feira, o principal executivo da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, abriu o pregão da Bolsa de Valores de São Paulo. Foi a estréia da gigante exportadora brasileira, dona de um valor de mercado equivalente a US$ 20 bilhões, no Nível 1 de Governança Corporativa. Logo na manhã de segunda-feira seguinte, na Zona Sul de São Paulo, cerca de 20 quilômetros afastado do centro que abriga a Bovespa, o World Trade Center recebia o dirigente da Valia, Eustáquio Lott, para falar sobre governança corporativa.
Coincidências felizes devem ser comemoradas. A adesão da CVRD ao Nível 1 de Governança Corporativa coloca a principal companhia privada brasileira na linha de frente da frágil fronteira que separa investidores e empresas no mercado brasileiro de capitais. Com a Vale, já são três dezenas as Sociedades Anônimas que aceitaram, unilateralmente, tornar mais transparente e democrática a relação com os investidores. No Nível 1 de Governança Corporativa, as companhias listadas na Bovespa recebem o selo azul do respeito aos sócios, sejam eles grandes e detentores de voto – caso da Bradespar capitaneada pelo maior banco privado brasileiro, o Bradesco – sejam os acionistas humildes trabalhadores que estrearam no mercado acionário trocando minguados recursos do FGTS por parcas ações.
No lançamento, Agnelli prometeu superar as expectativas dos investidores e atender às demandas mais amplas de informações. Foi além: disse que aquele era um sinal indiscutível de compromisso com o mercado brasileiro de capitais.
O Nível 1 de Governança Corporativa custa mais às empresas. Entre despesas extras com assembléias além das exigidas pela CVM, divulgação de mais informações e eventuais custos em processos de recompra de papéis, por exemplo, uma S.A que veste a camisa da governança gasta até 15% mais do que uma S.A que prefere a penumbra do respeito mínimo à legislação brasileira.
O esforço não é em vão. Se o Índice da Governança Corporativa subiu este ano menos da metade do desempenho do Índice Bovespa por um lado, por outro, as ações desse grupo têm um valor de mercado cerca de 25% superior ao registrado por uma companhia de relação menos aberta com o investidor.
O Presidente da Abrapp, Fernando Pimentel, que também responde pela presidência da Sistel, diz que as fundações estão em uma fase em que o retorno é importante, mas a relação aberta com as empresas ganha espaço no momento de fazer a tomada de decisão do investimento. Para ele, empresas que aderem aos padrões de governança corporativa tendem a ter ações com mais liquidez no mercado. E, assim, facilitam a realização do lucro. “Como diz aquela letra de Xitãozinho e Xororó, ‘toda saída deve ter sua porta’”, brinca, fazendo referência à necessidade cada vez maior de que as alternativas para desmontagem de posições seja facilitada para os gestores dos recursos das fundações.

Renda variável – Na ponta dos gestores, também não há duvidas sobre o espaço que as empresas que aderirem aos padrões de governança tendem a ganhar no mercado, especialmente junto às fundações. O presidente da BB DTVM, a maior gestora de recursos do País, Nelson Rocha Augusto, faz um raciocínio direto para chegar à essa conclusão. Para ele, a queda dos juros está ocorrendo e continuará sendo a tendência no longo prazo. Será inevitável, diz ele olhando para o horizonte de meia década – pouco para o universo das fundações –, que a renda variável ocupe fatias cada vez maiores do portfólio, comendo lascas maiores dos ativos indexados à renda fixa. Mais do que isso. O Brasil só vai conseguir escapar do gargalo que prende o País a pífios 3% a 4% ao ano de crescimentos do PIB se a economia nacional conseguir alavancar a poupança, que terá que passar dos atuais 18% para a casa dos 25% a 30% ao ano.
E esse salto só será possível se o mercado de capitais liderar esse movimento. Imaginando um salto de 18% para 25% do PIB, o investimento líquido – já que não se contabiliza no Brasil taxas de depreciação na formação bruta de capital – isso representa fazer saltar o investimento anual da casa dos R$ 240 bilhões para mais de R$ 330 bilhões. Uma evolução da ordem de mais de R$ 100 bilhões de reais, a valores presentes. São quase duas vezes o valor de mercado da CVRD. Ou pouco menos de metade de todo o atual ativo das quase trezentas fundações do País.
Traduzindo. Não basta que as companhias que já atuam no mercado de capitais abram seus balanços e aceitem as regras da Governança Corporativa para que os reais das fundações se sintam mais confortáveis para trocar LFTs e LTNs e NTN-Ds públicos federais por ações ON. É fundamental que mais empresas se lancem no mercado de ações. Se não, a Bovespa será sempre um retrato pobre do desempenho de oito ou nove ações, a maioria sem os requisitos da governança. E as fundações não pisarão nesse terreno pouco firme. Aliás, lembra um conselheiro de uma grande fundação que preferiu manter-se no anonimato: “é por isso que os fundos de investimento que usam o IGC (Índice de Governança Corporativa) como referência ainda não decolaram”.

Fundos de governança – Algumas experiências serão testadas, já em 2004, entretanto. Gestores apontam que uma dezena de fundos lastreados em ações de governança corporativa devem sair do forno até junho do próximo ano. O problema, apontam, nem é criado tanto pela dificuldade de achar papéis em quantidade suficiente para montar uma carteira que seja, além de rentável, líquida também. Há um complicador extra: com que outra carteira ou índice comparar o desempenho de um fundo atrelado ao IGC? O Índice Bovespa, apontam, é mais um espelho de Teles acrescidas da Petrobras e um ou outro banco. Os índices do grupo IBX, com mais papéis de empresas de maior valor de mercado, têm um histórico mirrado, inferior a uma década. Resumindo o problema: haverá, para as primeiras carteiras, o bônus de navegar em céus mais previsíveis, graças aos padrões de governança que impõem a transparência como regra régia. Mas será como pilotar sem velocímetro.

Previ deve lançar fundo de R$ 300 milhões
A Previ pretende investir num novo fundo de governança corporativa, no valor de R$ 300 milhões, composto por ações de companhias abertas e com maturação de longo prazo. De acordo com o diretor de investimentos da fundação, Luiz Aguiar, 17 instituições já enviaram propostas para fazer a gestão do novo fundo. Atualmente, a Previ mantém fundos de governança corporativa com três empresas de gestão de recursos: Investidor Profissional, Dynamo e Fator.
O novo fundo representará uma duplicação dos recursos que a Previ mantém hoje com esses três gestores em fundos de governança corporativa. “Avaliamos que são uma ótima oportunidade de investimentos para a Previ”, confirma o presidente da fundação, Sérgio Rosa.
Em 2003 a Previ fez uma reestruração da sua carteira de investimentos, livrando-se de várias participações acionárias e imobiliárias que não estavam dando os resultados esperados. Nos projetos de maior potencial, mas que enfrentavam problemas, como Tupy, CPFL, Paranapanema, Ferroban, a fundação bancou mudanças e novos aportes.