De nocauteador a consultor de risco | Lutador de boxe durante a s...

Edição 99

No começo dos anos 90, ele circulava pela faculdade de economia da USP de chinelos de dedo, calça jeans e com uma mochila surrada às costas. Pesada, a mochila levava sempre um monte de livros de economia e de finanças, além das luvas que usava nos treinos do seu esporte preferido, o boxe. Peso pesado no ringue, o estudante Marcelo Rabbat tinha um estilo ofensivo de lutar, encurralando os adversários nas cordas e batendo duro em seguida. Costumava ganhar!
Ele não perdeu o estilo, só que hoje aplica-o em outra modalidade, na disputa pelo cobiçado mercado de consultoria de risco para fundos de pensão e asset management. Atuando há cinco anos na área, ele tornou-se o principal nome desse mercado. “Hoje, o mercado é praticamente dele”, define o diretor financeiro da Funcef, Luiz Cazetta. A fundação da CEF faz parte da sua gorda lista de clientes, que inclui nada menos de 60 contratos regulares com assets e fundos de pensão.
É a maior carteira de clientes entre as consultorias do seu tipo. As carteiras de seus concorrentes mais diretos possuem em média uma dezena de clientes. Calcula-se que o mercado total de consultorias de risco, incluindo as muito pequenas, movimente cerca de R$ 10 milhões ao ano, com pouco mais de uma centena de clientes ativos. “A nova regulamentação dos fundos de pensão vai tornar esse mercado bem maior”, analisa Rabbat.
Aos 34 anos, e conservando ainda o jeito meio desleixado dos tempos da universidade, Rabbat não deixa transparecer o rigor técnico do seu trabalho. “Ele sempre foi meio desleixado na aparência”, lembra um amigo da época do mestrado. “Mas quando surgia alguma dúvida na área de matemática financeira e estatística, era a ele que todos os colegas corriam para pedir ajuda”, conta o amigo da USP.
Rabbat foi o primeiro a adaptar as modernas teorias de análise de risco, surgidas após o acordo da Basiléia de 1990, à realidade do mercado brasileiro. Seu maior trunfo foi sair na frente na elaboração de sistemas que permitiram a utilização de modelos de controle de risco nas instituições do mercado nacional, a começar pelos bancos. “O que diferencia a consultoria de Rabbat das outras é a sua forte base técnica e o profundo conhecimento que ele tem do mercado brasileiro”, comenta Wagner Murgel, diretor do J.P. Morgan Fleming, que utiliza um dos sistemas de risco desenhados pela sua consultoria.
Quando começou, em 1995, seus primeiros clientes foram as tesourarias de bancos. Na época, a indústria de fundos ainda engatinhava. Em 1996, montou a consultoria PRA em associação com um ex-professor, João Carlos Prandini, e começou a desenhar os primeiros sistemas de controle de risco passíveis de aplicação no Brasil. Por diversas vezes ele teve que refazer suas metodologias, para adequar os modelos internacionais existentes às características do mercado nacional.
Dois anos após a associação com Prandini, o consultor fez nova aliança estratégica, dessa vez com o consultor e também professor da USP, Carlos Antônio Rocca. A bagagem trazida por Rocca, vindo de uma longa trajetória como principal executivo das Lojas Mappin e com uma passagem curta pelos escalões governamentais, era fundamental. “Éramos técnicos, não tínhamos forte relacionamento institucional”, afirma Rabbat.
Ao invés de trazer Rocca para a PRA, eles criaram uma segunda consultoria, a RPR, que dedica-se ao trabalho de campo enquanto a PRA, que não deixou de existir, mantém o controle sobre a base tecnológica. “O Rocca conseguiu abrir muitas portas, mas também vem contribuindo com sua experiência para o lançamento de novos produtos e serviços”.
Entre outras coisas, a associação com Rocca está abrindo as portas de novas empresas para a consultoria. Além dos 60 clientes atuais, dos quais 30 são assets e 30 são fundos de pensão, a RPR está começando a prestar assessoria financeira à empresas como a CPFL, a Cargill e a Odebrecht. Crescendo a uma taxa média anual de 30% nos últimos anos, a consultoria possui um quadro de 25 funcionários, entre consultores, técnicos e pessoal de escritório.

Funcef – Rabbat conta que o principal trabalho prestado para um fundo de pensão ocorreu durante a terceirização da carteira de renda variável da Funcef, no segundo semestre de 1999. O fundo de pensão da CEF contratou a PRA para desenhar um modelo de seleção de gestores para sua carteira de ações, avaliada na época em R$ 1,2 bilhão. A carteira começou a ser terceirizada em sucessivas tranches, a primeira no final de 1999, e até o momento já foram repassados cerca de R$ 700 milhões para as assets.
Os resultados do trabalho, que ainda é acompanhado pela consultoria, já começam a aparecer. Enquanto o Ibovespa caiu cerca de 10% em 2000, a carteira de renda variável da Funcef registrou resultado negativo de apenas 0,09%. De janeiro a abril deste ano, o Ibovespa ficou 1,25% negativo, enquanto a carteira da fundação subiu 2,75%. “Os modelos e sistemas da PRA são muito consistentes e estão contribuindo para a otimização de nosso desempenho”, revela Luiz Cazetta, diretor financeiro da Funcef.
Entre os grandes clientes da consultoria estão, além da Funcef, também a Sistel, o instituto estadual Rio Previdência, a Secretaria de Previdência Complementar e a Secretaria do Tesouro Nacional. “O projeto do Tesouro Nacional coroa o nosso trabalho”, sintetiza Rabbat. “É um trabalho imenso que envolve a análise de risco dos mais de 400 títulos emitidos pela STN, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro”.
Atualmente, a consultoria está concorrendo em 20 processos de seleção de fundos de pensão. Ela espera terminar o ano com crescimento de 50% em número de fundações e de 30% em faturamento de fundações. Um dos motivos é que o mercado começou a acelerar o ritmo de contratações após a aprovação da Resolução 2.829/CMN, no último mês de abril.

Filosofia – A filosofia da PRA é oferecer aos clientes um leque amplo de serviços, incluindo a capacitação dos seus operadores. Além de fazer serviços de controle de risco, seleção e acompanhamento do trabalho de gestores e ALM – Asset Liability Management (gestão do ativo casada com a administração do passivo), a consultoria faz também avaliação do desempenho e formulação de mandatos para assets externas e desenho da política de investimentos. O seu sistema de risco, denominado Risk Office, foi o produto que lhe abriu espaço no mercado das fundações.
Rabbat não arrisca uma previsão sobre o crescimento do mercado de consultorias para fundos de pensão no Brasil para os próximos anos. O consultor aponta duas incógnitas que ainda impedem afirmar que o mercado irá explodir: a sobrevivência dos fundos de pensão e a qualidade das próprias consultorias. “Depende do crescimento do sistema e do aparecimento de consultorias independentes e de qualidade”, comenta.
Segundo ele, o fato de várias consultorias manterem vínculos societários com grupos financeiros tira-lhes a isenção na análise dos trabalhos. “A maior qualidade de uma consultoria é a sua independência e neutralidade”, afirma. “Isso vale não apenas para a área de controle de risco quanto para serviços de consultoria financeira e ALM”.

Resolução 2.829 agita o mercado das consultorias de fundos de pensão
Depois de passar por um período de estagnação no final do ano passado e início de 2001, devido às indefinições em torno da Resolução 2.720/CMN, o mercado de consultorias para fundos de pensão voltou a ficar aquecido após a aprovação da Resolução 2.829/CMN no último mês de abril. Algumas empresas estão montando áreas novas de assessoria financeira para fundações. Outras, que já atuavam no mercado, estão lançando novos produtos e serviços ou reforçando suas equipes. A principal novidade, porém, é a formação de um consórcio entre a Risk Control, a Agrif e a estrangeira Barra para disputar esse mercado.
As três consultorias decidiram se unir com a intenção de alcançar a complementação de produtos e serviços. “Com a formação do consórcio, poderemos oferecer uma solução completa para as fundações se adequarem às exigências da nova legislação”, explica Eduarda de La Roque, diretora da Risk Control, consultoria ligada ao grupo BBM. A Risk Control possui atualmente três clientes fundos de pensão e sua especialidade, como o próprio nome diz, é o controle de risco. A Barra participa do consórcio com seu sistema de avaliação das carteiras de renda variável, além de prestar consultoria para o casamento da gestão dos ativos com a administração do passivo (ALM).
Na outra ponta do consórcio está a Agrif, cuja especialidade é a seleção e a análise do desempenho dos gestores e, principalmente, dos fundos de investimentos exclusivos contratados pelas fundações. À frente deste trabalho da Agrif voltado para os fundos de pensão está o ex-interventor da fundação Banorte, Osvaldo Moraes. “Estamos percebendo uma movimentação intensa das fundações na contratação de serviços de consultoria”, afirma Moraes.
Em conjunto, as três consultorias estão se propondo a lançar novos serviços tais como desenho de política de investimentos para os fundos, seleção de custodiantes e até a auditoria de risco. Com isso, esperam disputar, em melhores condições, um espaço maior em relação ao principal concorrente deste mercado, a consultoria Prandini e Rabbat. “Acredito que podemos crescer bastante principalmente entre as fundações com patrimônio até R$ 1 bilhão”, diz Moraes.

Algorithmics – Outra consultoria que pretende ganhar espaço entre os fundos de pensão é a canadense Algorithmics. A consultoria possui até agora um cliente de peso: nada mais nada menos que a Previ do Banco do Brasil. Suas especialidades são a asset liability management (ALM) e o controle de risco. “Estávamos focados no trabalho para a Previ. A partir de agora vamos apresentar os resultados alcançados no maior fundo de pensão brasileiro e sair a mercado”, revela Laura Cavalcanti, gerente de negócios para a América Latina da Algorithmics. A consultoria está programando um evento em que irá expor sua consultoria para a Previ no final deste mês de junho.
A Algorithmics está investindo em pessoal e sistemas em sua subsidiária brasileira. Ao longo de 2000, a empresa dobrou o quadro, chegando a 45 funcionários e garante ter investido cerca de US$ 5 milhões em sua unidade no país. Além do serviço de ALM para a Previ, a Algorithmics oferece um sistema de análise de risco para as fundações, denominado e-Risk. “Atualmente nosso sistema de risco é utilizado por cerca de 40 fundos de pensão e pretendemos dobrar este número até o final do ano”, prevê Laura Cavalcanti. A consultoria presta serviços aqui no Brasil também para as áreas de clearing da Cetip e para a CBLC.

Grandes consultorias – A Towers Perrin está oferecendo um “kit” de novos serviços para os fundos de pensão enfrentarem os desafios da Resolução no 2829/CMN. A consultoria estruturou uma nova área de serviços financeiros no segundo semestre do ano passado para auxiliar os fundos na adaptação das regras da antiga Resolução no 2.720. Com a queda da norma e a indefinição de regras, os trabalhos da área caminharam em ritmo mais lento na virada do ano. Agora, a Towers está lançando um pacote de serviços que inclui análise de risco das carteiras, criação de um índice, assessoria na montagem de planos de investimentos, entre outros. A área, que funciona sob o comando de Luiz Felipe da Mota, tem uma preocupação central que permeia todos os serviços: a viabilização de soluções via internet.
A William M. Mercer também está tentando avançar na área de consultoria financeira para fundos de pensão. Já funcionando há mais de dois anos, sua área de consultoria de investimentos para fundos de pensão está apostando no aumento da demanda pelo serviço de desenho da política de investimentos das fundações. “Após a aprovação da nova resolução, aumentou bastante a demanda pela assessoria na montagem de políticas de investimentos”, diz Lauro Araújo, coordenador da área de consultoria financeira da Mercer.