Da teoria à prática | Fundos de pensão de grande porte e assets d...

Edição 287

 

Apesar da baixa adesão dos fundos de pensão brasileiros aos princípios ambientais, sociais e de governança (ASG), alguns deles já buscam desenvolver metodologias internas para usar cada vez mais essa prática, mitigando assim os possíveis impactos de um investimento não responsável no futuro. Pesquisa recente da Sitawi, consultoria especializada em investimentos responsáveis, mostrou que o porte das entidades tem relação direta com a sofisticação que trata desses critérios em sua política de investimento. Contudo, ainda é preciso um refinamento, principalmente em questões sociais e ambientais, para que o risco seja medido antes e ao longo do investimento.
Com isso, começa a surgir a necessidade de que os fundos de pensão deixem de aplicar os princípios ASG de forma apenas aspiracional e passem a efetivar o que é discutido internamente ou em iniciativas como o Principles for Responsible Investments – PRI, que reúne seis princípios como deveres dos investidores institucionais de acordo com o melhor interesse de longo prazo dos beneficiários (veja no box).
De acordo com o diretor de seguridade da Previ e membro do conselho de administração do PRI, Marcel Barros, a fase meramente aspiracional em relação à aplicação desses princípios já passou. “Até a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, que foi há quatro anos, poderíamos falar em política aspiracional. Mas hoje, a sociedade já clama por mais transparência, respeito aos direitos dos cidadãos, e meio ambiente preservado. Não tem como ser aspiracional durante muito tempo”, opina Barros.
O diretor da Previ destaca que efetivamente é o momento de incorporar essas questões. “Não poderia dizer que no Brasil já deixamos de ver políticas aspiracionais, mas há uma grande quantidade de fundos de pensão aplicando efetivamente as práticas, embora muitas vezes essa aplicação não esteja detalhada na política de investimentos”, destaca Marcel Barros. Um dos pontos importantes, na visão do executivo, para que as práticas sejam mais efetivas é avaliar se o gestor ou administrador de um fundo no qual a fundação vai aplicar é filiado ao PRI ou tem algum compromisso socioambiental.
“Queremos esse compromisso de quem vai administrar nossos recursos, garantindo que ele não seja aplicado em algum tipo de investimento que possa trazer dano ao meio ambiente, que não cumpra com legislação trabalhista ou que não tenha transparência”, saliente Barros.
Esse é um ponto importante a ser tratado pelas entidades, já que a pesquisa da Sitawi destacou que os fundos de pensão que adotam critérios ASG apenas para a gestão interna, sem estender as exigências na terceirização da gestão. Quando perguntadas pela Sitawi se estimulam o uso de critérios ASG pelos gestores externos, 58% dos 50 maiores fundos de pensão brasileiros responderam que não. A mesma pesquisa mostra, contudo, que os maiores fundos de pensão do país têm maior expertise e recursos para desenvolverem políticas e práticas mais sofisticadas. “Estes fundos poderiam ser pioneiros em investimentos responsáveis no país”, aponta o relatório da consultoria.

Terceirização – De acordo com a responsável pelo PRI na América do Sul, Tatiana Assali, a prática dos princípios ambientais, sociais e de governança na região tem melhorado. “Tenho visto uma evolução nas práticas, entendimento e engajamento com o tema. Converso com grandes investidores e essa agenda tem crescido dentro das fundações e assets”, explica Tatiana.
A executiva salienta que, assim como a Sitawi, o PRI também identifica a necessidade de uma melhora no tratamento dessas questões na gestão terceirizada. “É um dos caminhos que precisa evoluir mais. Os fundos de pensão têm um grande capital sob gestão e uma força de mudança de mercado. Se eles exigirem o monitoramento e impacto dos investimentos nas carteiras terceirizadas, a tendência é o mercado todo se mexer”, complementa.
A Fundação Real Grandeza é um dos fundos de pensão apontados pela Sitawi como os que melhor aplicam os critérios ASG em sua política de investimentos. Na prática, a fundação trabalha com um sistema de avaliação de gestores na hora de terceirizar a gestão de seus fundos. O diretor de investimentos da fundação, Eduardo Garcia, explica que há cerca de sete anos, a Real Grandeza já tinha alguns dispositivos que falavam dessas práticas em suas políticas de investimentos, mas de forma mais aspiracional, como determinando a seleção de ativos que exerçam melhores esforços nessas questões. “Já existia entendimento que essa questão introduz risco dentro do produto do investimento. Por isso, procuramos um critério objetivo no trato da questão e desenvolvemos uma metodologia de avaliação com um questionário enviado aos gestores”, explica Garcia.
O questionário possui perguntas objetivas pontuadas de 0 a 3, sendo a nota de corte 1. “A nota vem de nenhum comprometimento a total comprometimento com as questões ASG”, diz Garcia. O questionário é aplicado tanto para as gestoras tanto para as empresas que serão potencialmente investidas pela fundação. “Além disso, exijo que os gestores incorporem nos regulamentos dos fundos o bloqueio de entrada de certos ativos. Temos filtros específicos, uma preocupação com imagem e não associamos o nome da fundação a empresas com imagem arranhada”, salienta o diretor de investimentos da Real Grandeza. Para o gestor que for signatário do PRI, a pontuação acaba sendo maior.

Gestores – Apesar de nem todos os investidores exigirem ou monitorarem a aplicação dos critérios ASG pelos gestores terceirizados, as próprias assets têm desenvolvido e aprimorado práticas internas para esse tipo de avaliação. Não é à toa que hoje o PRI conta com 22 gestores brasileiros como signatários, número maior que o total de investidores – 16. Além disso, pesquisa recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que de 69 instituições de diferentes portes consultadas, 70% afirmaram utilizar critérios ambientais, sociais e de governança no processo de decisão de investimento.
O levantamento mostrou, contudo, que como justificativa utilizada pelas instituições que não consideram os aspectos ASG, ou os consideram parcialmente na decisão de investimento, está a falta de demanda por parte dos clientes e a ausência de clareza sobre a relevância desse tipo de análise na avaliação de investimento. “Hoje os grandes fundos de pensão são signatários do PRI e têm políticas claras em relação a essas questões, mas na prática apenas um ou outro que pede essa análise”, diz a analista de ASG do Santander Brasil Asset Management, Luzia Hirata.
A asset é uma que, apesar da pouca cobrança dos clientes, desenvolveu uma metodologia para esse tipo de análise, que é realizada por um conselho. Composto por seis membros, o conselho conta com um representante da asset do banco e o restante composto por especialistas em determinada área de atuação, sendo elas ambiental, de governança e do mercado de capitais. De acordo com Luzia, o conselho foi formado para analisar os investimentos do Fundo Ethical, que existe desde 2001 e foi criado para aplicar exclusivamente uma metodologia de análise ASG nas companhias. “Desde então, temos aplicado essa metodologia e melhorado nos últimos anos. Utilizamos a estrutura que delibera sobre papéis que podem ou não entrar no Fundo Ethical em outros fundos da casa também”, explica Luzia.
A Itaú Asset Management também vem desenvolvendo e aprimorando uma metodologia de análise de investimentos em empresas de modo responsável desde que aderiu ao PRI, em 2008. A asset do banco iniciou o desenvolvimento de sua metodologia no segmento de renda variável e em 2010, implantou um modelo que quantifica o impacto que a não adoção de estratégias de sustentabilidade teria no preço dos ativos. “Se não conseguirmos olhar cada setor e ver o impacto financeiro de se adotar ou não uma boa prática, não teremos uma avaliação para tomada de decisão”, diz a superintendente de fundos da Itaú Asset, Tatiana Grecco. “Nosso questionamento foi como converter essas questões em um modelo que analistas e gestores pudessem usar no dia a dia dos investimentos”, complementa.
Para isso, a gestora optou por fazer uma análise em cada setor específico, entendendo como a empresa que potencialmente receberá o investimento está posicionada nesse setor e como ela se prepara para tratar dessas questões específicas em seu setor. “Por exemplo, o consumo de água é importante para indústria de bebidas. Se determinada companhia fez um investimento em reciclagem de água de quase 100%, em caso de escassez hídrica, essa empresa está melhor preparada e isso gera valor à empresa. Olhamos como a empresa está se preparando para tratar disso, sempre com foco no impacto financeiro. Para nós, sustentabilidade possui um viés econômico forte”, salienta Tatiana.

Renda fixa – As assets não têm apenas se restringido a esse tipo de análise nos investimentos de renda variável. Renda fixa também entra no crivo quando se trata de investimentos em crédito privado. A pesquisa da Anbima mostra que renda fixa corporativa representa 26% dos ativos analisados para investimentos sustentáveis. “Começamos a fazer essa análise e a ideia é ter uma oferta maior de empresas que atendem aos princípios ASG”, diz Luzia, do Santander Asset. “Temos uma análise interna de crédito feita para todos os papéis e adicionamos a análise ASG avaliando se a empresa tem boas práticas. Assim, se a empresa apresentar um risco grande, podemos até mesmo vetar a compra desse título”, comenta a executiva.
A asset do Itaú também ampliou sua análise para renda fixa, e para Tatiana Grecco, a análise nesse segmento é até mais clara, pois fica evidente que se a empresa tiver problema na geração de caixa, terá um default. “Quando olhamos essas questões em relação aos títulos privados, analisamos o impacto no fluxo de caixa. Por isso, é preciso ter um rigor maior para selecionar os papéis, e os investidores esperam isso”, salienta.
Previdência aberta – Crescendo cada vez mais em volume de ativos, a previdência aberta também tem se atentado para práticas de investimentos responsáveis em suas políticas de investimentos. É o caso da Brasilprev, uma das maiores empresas do segmento e que detém mais de R$ 180 bilhões em ativos. A empresa do Banco do Brasil e da Principal Financial Group tem a questão de sustentabilidade em seu radar desde 2004, mas ainda estuda como aprimorar o uso de critérios ASG na seleção de investimentos.
“Temos em nossa política de investimentos expressamente dito e aprovado pelos acionistas da Brasilprev que as questões ASG devem pautar as decisões de investimentos”, diz o superintendente de planejamento, infraestrutura e controles da Brasilprev, Marcelo Wagner. “Recentemente introduzimos uma metodologia que determina que os critérios de seleção de ativos não devem ser punitivos. Pelo contrário, devemos incentivar as boas práticas.”. Segundo Wagner, em vez de ter um critério que puna ou reduza investimentos em empresas que não tenham boas práticas, na hora de investir em dívida corporativa, a Brasilprev optou por aumentar o limite de crédito a empresas que estão fazendo um bom trabalho.
A Brasilprev tem também metodologias para análise de operações estruturadas, de instrumentos mais complexos de dívida, como fundos de investimentos em participações (FIPs) e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). “Não trabalhamos com empresas que não têm grau de investimentos. Ao longo do tempo, fazemos as calibragens do limite de crédito e a análise de exposição setorial”, explica Wagner. “Estamos vendo maneiras de incentivar o desenvolvimento desses temas no mercado de capitais no Brasil e acreditamos que todo investidor institucional tem que incorporar isso”, complementa o executivo.

Samarco foi alerta para investidores revisitarem seus ativos

Para o gerente de renda variável na Funcesp, Paulo de Sá, ainda há um processo muito lento no Brasil para que sustentabilidade seja uma variável importante nas carteiras dos investidores. “Governança já é uma variável bem precificada. Quem tem uma governança melhor, tem maior valor atribuído. Mas a empresa que olha a parte do ambiente e a parte social ainda não tem parâmetros para distinguir o que é um investimento que gera maior valor”, destaca. O executivo dá o exemplo da Samarco, mineradora brasileira controlada pela Vale e que teve o rompimento de uma de suas barragens em Bento Rodrigues, próximo ao município de Mariana, em Minas Gerais. “É um risco que não foi avaliado”.
Marcel Barros, da Previ, também destaca que a Samarco, a princípio, tinha todas as ferramentas, certificações e auditorias, e mesmo assim ocorreu um acidente de proporção inesperada. “É um alerta talvez para que sejamos mais efetivos na escolha do investimento. A Vale é uma empresa com barragens e, depois do acidente, pedimos para que ela revisse todos os procedimentos em relação às barragens. Vimos a importância de rever e acompanhar o ativo”.
Paulo de Sá complementa que o que ocorreu com a Samarco é uma demonstração que as fundações ainda não medem os riscos, mas sim o retorno. “Isso porque são muito pressionadas pelo resultado do ano. Acaba sendo difícil adotar critérios ambientais, por exemplo, pois ainda não há uma precificação disso. Acredito que o mercado precisa ter uma metodologia mais fácil e uma padronização de informação para termos parâmetros na hora de investir”, salienta.

Princípios para investidores que aderem ao PRI

• Incluir as questões ASG nas análises de investimento e decisão de processos;
• Ser controladores ativos e incorporar os temas ASG nas políticas e práticas de detenção de participações em empresas;
• Buscar a transparência adequada sobre as questões ASG por parte das entidades em que investe;
• Promover a aceitação e aplicação dos princípios dentro da indústria de investimento;
• Trabalhar em conjunto para reforçar a eficiência na implementação dos princípios;
• Divulgar suas atividades e progressos na aplicação dos princípios.

Fonte: PRI