Curva salvadora | Fazer uso da marcação na curva foi a principal ...

João Marcelo Carvalho, da GamaEdição 260

 

Pelo desempenho da Bolsa brasileira e da renda fixa em 2013, não chega a surpreender que a rentabilidade média das entidades de previdência complementar fechada tenha sido a pior dos últimos anos, com um retorno negativo de 0,87% no ano passado, de acordo com estudo da Gama Consultores Associados. O número toma como base 108 planos, de 33 fundações, com patrimônio aproximado de R$ 280 bilhões, quase 40% do total do sistema. Como base de comparação, em 2012, a rentabilidade apresentada foi de 16,51%, e de 11,41% em 2011.

O grande destaque positivo do período ficou por conta daqueles fundos de pensão que tinham parte de seus ativos de renda fixa marcados na curva, que não sofreram a mesma volatilidade provocada pela elevação da taxa básica de juros daqueles marcados a mercado. Considerando as fundações que utilizaram o sistema de marcação na curva, a rentabilidade média no ano passado salta dos 0,87 negativos para 4,17% positivos. Por outro lado, quando isolamos os fundos de pensão que não tinham nenhum ativo marcado na curva, a rentabilidade despenca para 3,35% negativos.
Em 2013, da amostra da Gama, eram 32% os planos que tinham ao menos parte de seus ativos marcados na curva, contra 26% em 2012, e essa tendência deve seguir crescente em 2014, diz João Marcelo Carvalho, diretor da consultoria. “Planos com títulos marcados na curva e uma rentabilidade melhor em 2013 era um fato que se especulava, mas até então não havia um dado estatístico para comprovar isso. Uma tendência que temos observado é das entidades contratando estudos de ALM (sigla em inglês para Asset Liability Management) visando constituir suas carteiras de títulos públicos marcados na curva, já que isso faz com que a volatilidade do plano, e consequentemente a volatilidade do resultado diminua”, pondera Carvalho.
A tendência faz com que se acenda uma discussão que ficou morna por anos, de qual é a melhor maneira para se precificar os títulos de renda fixa dos fundos de pensão, na curva ou a mercado. Justamente desse tema que vem tratando a Comissão Técnica 4 do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC).
Para fazer a marcação na curva, lembra Carvalho, a entidade tem de realizar um estudo, relativamente simples, no qual fique comprovado que ela não terá de se desfazer daqueles títulos antes do vencimento como necessidade para fazer frente aos pagamentos dos participantes.
“Como o fundo de pensão tem como característica o longo prazo, faz sentido sim marcar o título na curva. Por outro lado, o passivo do fundo é de prazo tão longo que acaba tendo também o risco de reinvestimento, ou seja, marco o título na curva, levo até o vencimento, e vou ter de reinvestir sem saber a qual taxa”. A vantagem da marcação a mercado, por sua vez, é que ela lhe dá o retrato exato daquele momento de quanto recurso o fundo tem disponível em carteira.
Planos CD – Há quem diga que, no caso dos planos CD especificamente, não se deve fazer a marcação dos ativos de renda fixa na curva, porque se abre a possibilidade de uma transferência de riqueza entre os participantes. A explicação é a de que, como é muito comum o resgate dos investimentos por parte dos participantes nesse tipo de plano, e como a rentabilidade de um plano com o título marcado na curva é apenas contábil, ainda não concretizada, o participante que sai antecipadamente leva consigo a rentabilidade decorrente da marcação na curva.
Isso faz com que ele tenha um benefício em detrimento dos outros participantes que permanecem no plano. Ou seja, aquele que saiu com a cota do plano valorizada devido à marcação na curva deixou a desvalorização decorrente de sua saída para os demais participantes.
“Porém esse argumento tem sido relativizado, porque o plano CD pode fazer a marcação parcial de títulos na curva, de forma que aqueles recursos que se sabe que vão ser retirados fiquem marcados a mercado”, pontua o diretor da Gama.
Dos 32% dos planos da amostra da Gama marcados na curva, nenhum tem 100% dos ativos que segue este tipo de marcação. Os planos com títulos na curva têm, em média, 36,12% sob essa forma. “Sempre vai haver um percentual do patrimônio marcado a mercado que vai fazer com que a transferência seja relativizada”, explica Carvalho.
O caso com mais títulos na curva é de um plano com 90,2%. Trata-se de um plano somente com assistidos, no qual é possível ter uma previsibilidade maior do fluxo de caixa, e que teve uma rentabilidade de 3,07% no ano passado. Entretanto, não é em todos os casos que um plano com mais títulos na curva terá uma rentabilidade mais alta, já que isso depende de quando o título foi comprado. Uma NTN-B comprada em dezembro de 2012, por exemplo, entregava uma taxa de 4,12%, sendo que, em dezembro de 2013, esse percentual já estava na casa dos 6,5%. “Existem entidades que compraram títulos há mais de dez anos que chegam a render 12% mais o IGP-M, são títulos que não existem mais, que foram comprados no passado, quando a Selic era altíssima”, recorda o especialista.
BDs no azul – Na divisão por tipos de plano, são 46 BD dentro da amostra da Gama, que tiveram uma rentabilidade média de 1,28%. No caso dos CV, são 29, com uma rentabilidade média negativa de 1,47%. E entre os CD, são 34, com uma rentabilidade média negativa de 3,25%. “Essas rentabilidades estão muito relacionadas com os planos que têm mais ativos marcados na curva”, nota Carvalho. Dos 46 planos BD, 25 têm títulos marcados na curva; dos 29 CV, nove adotam a marcação na curva; e entre os CD, somente dois fazem uso dessa ferramenta.
“Nos estudos que fizemos anteriormente, o fator preponderante era a alocação de cada um dos planos na renda fixa e variável. Em anos em que a Bolsa ia bem, como 2012, aquele plano que tinha mais renda variável acabava tendo uma rentabilidade maior. Isso geralmente era o fator preponderante, mas o ano passado foi atípico, já que tanto a renda variável quanto a renda fixa foram mal”, diz Carvalho. O fato de ter mais ou menos ativos em renda fixa praticamente não influenciou a rentabilidade dos planos no ano passado. Um plano 100% alocado em renda fixa, e outro com 30%, apresentaram a mesma rentabilidade. O fator preponderante em 2013 foram os títulos marcados na curva e a mercado”, explica o diretor da Gama.
No ano passado, na média dos 108 planos, a alocação em renda fixa ficou em 70,41%, contra 70,96% em 2012, enquanto na renda variável a média esteve em 17,19%, ante 15,56% um ano antes.
Taxas atuariais – A média da taxa atuarial adotada pelos 108 planos das 33 entidades de previdência complementar fechada em 2013 ficou cravada em 5%, com a mínima em 3,80% e a máxima em 5,75%. Desse total de planos, apenas três conseguiram bater a meta no ano passado, todos da modalidade BD e com ativos de renda fixa marcados na curva. “Em média esses três planos apresentam mais de 50% dos títulos marcados na curva”, afirma Carvalho.
Além disso, o estudo da Gama mostra também que, na média, os planos ficaram 9,91% distantes de suas metas atuariais no complexo ano passado para os fundos de pensão. Em 2012, essa distância foi de 4,85%, só que positiva, ou seja, em média os planos superaram suas metas nesse percentual, em um ano em que, justamente a marcação a mercado, e a queda da Selic, geraram benefícios às fundações.