Edição 124
Não é de hoje que as empresas que possuem fundos de pensão estão avessas a assumir riscos provenientes dos planos de benefícios oferecidos a seus funcionários. Nos últimos anos, a tendência de migração dos antigos planos de benefício definido (BD) para os de contribuição definida (CD) atingiu dezenas de fundações, mas em muitos casos os novos planos ainda mantinham um alto grau de risco de desequilíbrios atuariais e financeiros. Agora, um novo modelo de saldamento de planos, que adota um mecanismo semelhante ao do vesting, ou benefício proporcional diferido, está congelando os riscos dos antigos planos BD.
“Muitas patrocinadoras que fizeram migrações de planos de benefícios nos últimos anos acabaram comprando gato por lebre, pois os novos planos CD ainda contêm riscos relevantes”, afirma Antônio Fernando Gazzoni, sócio-diretor do escritório de atuária Gama, idealizador do novo sistema de saldamento, que já está sendo aplicado em fundos de empresas como a CRT (telecomunicações) e a CEEE (Energia).
Segundo Gazzoni, muitos planos novos não utilizam metas atuariais adequadas e os passivos não estão bem equacionados, o que pode provocar surpresas futuras para as patrocinadoras, que não querem que os problemas em seus fundos de pensão prejudiquem seus negócios. Com o novo modelo, os participantes do plano BD podem migrar para um novo plano CD com a opção de deixar uma parte ou a totalidade de suas reservas em um plano saldado, que funciona como um vesting.
A Lei Complementar nº 109 regulamentou o benefício proporcional diferido e abriu a possibilidade de utilização deste mecanismo para incentivar a migração de planos. Como os participantes estão acostumados com a sistemática do plano BD, o vesting é um mecanismo que preserva os benefícios. “É uma forma de realizar uma transição que não seja traumática pois os participantes estão muito acostumados com a forma do plano BD”, comenta Gazzoni.
Migração – Originalmente criado para os participantes que se desligam da patrocinadora, mas querem deixar suas reservas no fundo de pensão para receber um benefício proporcional no momento da aposentadoria, o vesting agora está sendo aplicado para incentivar a migração de planos. O participante tem a opção de aderir a um novo plano CD em que uma parte das reservas acumuladas garantem um benefício saldado com valor certo e daí em diante passa a valer um plano CD. O novo plano também passa a utilizar metas atuariais mais atualizadas, tais como uma nova tábua atuarial ou um novo índice de reajuste dos benefícios.
Para aqueles que não quiserem migrar, existe a possibilidade de permanecer no plano BD. Porém, com a migração da maioria para o novo plano, é provável que os participantes que fiquem no plano antigo tenham as contribuições aumentadas. Em geral, apenas os participantes que estão muito próximos da aposentadoria optam pela permanência e a expectativa de migração com base ao novo modelo giram em torno de 95%. Para alcançar este índice também são oferecidos alguns incentivos adicionais tais como o resgate de uma parte das reservas ou a cobertura do serviço passado.
A principal vantagem é a impossibilidade de aumento nas contribuições dos participantes em caso de desequilíbrios futuros. No modelo de migração usualmente utilizado pelo mercado, não é raro que o participante tenha que aumentar sua contribuição para manter o custeio do plano. Por outro lado, a patrocinadora concorda em assumir o custo de um possível desequilíbrio porque sabe que o novo modelo é seguro. “Os participantes que migrarem não precisam mais ficar inseguros com possíveis aumentos de contribuições”, diz Wilson Trezza, diretor de seguridade da Fundação CRT. O fundo de pensão está se preparando para iniciar o processo de migração para um novo plano CD com a opção de saldamento para congelar o plano atual.
Tecnicamente, o fundo de pensão oferece um novo plano CD para seus participantes, no qual existe um plano de benefício proporcional diferido (BPD) em suas disposições transitórias. O plano de BPD ou vesting é criado apenas para os participantes que migraram do plano BD. Uma novidade deste modelo é a possibilidade de direcionar parte das reservas acumuladas para o plano saldado e outra parcela para o plano CD. Os novos funcionários podem entrar apenas no plano CD. O benefício proporcional é calculado com base na remuneração líquida, descontando a contribuição, e seguindo o reajuste do INPC mais 6% ao ano.
Reajuste – “Uma das características principais do modelo é a adoção do reajuste por um índice de inflação e não mais pelo reajuste da patrocinadora”, diz Gazzoni. Ele explica que a desvinculação do reajuste dos funcionários da ativa permite maior flexibilidade para a política de recursos humanos da empresa. Além disso, a utilização do INPC permite um grau de previsibilidade maior para as avaliações atuariais do plano. “As patrocinadoras e o mercado em geral estão preferindo arcar com riscos bem dimensionados do que jogar os problemas para um futuro incerto”, comenta o sócio-diretor da Gama.
A Deliberação 371 da CVM que determina a inclu-
são dos passivos dos planos de benefícios no balanço das empresas desde 2001 está obrigando as patrocinadoras de fundos de pensão a equacionarem os desequilíbrios de seus planos. “Com o novo plano, a patrocinadora evita sobressaltos pois o passivo está muito bem definido”, diz Wilson Trezza da Fundação CRT.
Expectativa de migração na CEEE é de quase 100%
Até o final de outubro próximo, a Fundação CEEE pretende concluir o processo de migração do atual plano BD para um novo plano do tipo CD que utiliza a fórmula do congelamento através do vesting. A expectativa é atingir um índice próximo a 100% pois o início do processo já vem surpreendendo os dirigentes do fundo e da patrocinadora com a migração de mais de 1.000 participantes, de um total de 8.000, em apenas duas semanas. “Os atuais participantes podem migrar a totalidade ou uma parte das reservas já constituídas para um plano CD com uma parte ou a totalidade do benefício saldado”, explica Ronaldo Vieira, presidente da Fundação CEEE.
O novo plano adota premissas atuariais mais modernas, tais como a tábua biométrica UP 84. Para os assistidos o índice de reajuste do benefício é o INPC mais 6% ao ano, substituindo o atual critério que acompanha as variações dos rendimentos dos funcionários da ativa. “O novo plano praticamente elimina riscos de graves desequilíbrios que estão presentes no plano BD”, comenta Vieira.
Para a CEEE, além da redução dos riscos, uma das vantagens principais é a inclusão de um grupo de aposentados no fundo de pensão que ainda recebem benefícios junto com os funcionários da ativa. Cerca de 2000 ex-funcionários que se aposentaram antes da constituição do fundo de pensão ainda são pagos pela CEEE. “O pagamento dos aposentados gera alto risco e incerteza do mercado em relação à situação da empresa e, por isso, eles serão incluídos no fundo de pensão”, explica o presidente da Fundação CEEE.
Juntando a capitalização referente a este grupo de aposentados e a transição para o novo plano, a empresa terá que capitalizar a fundação em cerca de R$ 600 milhões. Este valor será amortizado ao longo de 20 anos. “Teremos um passivo que poderá ser mostrado com transparência para o mercado”, completa Vieira. Com isso, o patrimônio do fundo deve saltar do atual R$ 1,5 bilhão para mais de R$ 2 bilhões. A Fundação CEEE tem atualmente 4 patrocinadoras e cerca de 12 mil participantes, sem contar os 2 mil aposentados que estão chegando provenientes da CEEE.