Concorrência da SPC inicia guerra das taxas | Fundações pressiona...

Edição 99

Ao anunciar, no início desse ano, o nome dos três gestores que passariam a gerir os recursos dos fundos de pensão sob intervenção ou em processo de liquidação, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) deu, talvez sem o saber, o chute inicial em um jogo que se revelaria o das quedas generalizadas das taxas. Junto com o nome dos três gestores vencedores, Itaú, HSBC e BNP Paribas, foram divulgadas as taxas ofertadas por eles, de 0,1% para renda fixa e 0,2% para renda variável. Da noite para o dia essas taxas transformaram-se nos novos patamares do mercado.
Movidas por esse novo patamar, muitas fundações consideram que pagar taxas de administração acima dessas é uma prática ultrapassada. “Em quase todas as fundações, a referência passou a ser as taxas praticadas pelos gestores escolhidos pela SPC”, analisa o diretor do BMG, Bruno Amadei.
A escolha da SPC certamente influenciou na negociação da Funcef com um grupo de gestores (ver relação no quadro da página ao lado), aos quais repassou 90% da sua carteira de renda fixa (R$ 2,4 bilhões), entre FACs e FIFs, com taxas entre 0,025% e 0,20%. Antes da renegociação, iniciada em outubro do ano passado, as taxas eram de 0,30%, em média.
Para o diretor financeiro da Funcef, Luiz Cazetta, qualquer redução de taxas que ocorra neste mercado, seja obtida pela SPC ou por uma fundação, acaba servindo de referencial para o restante das fundações. Com a renegociação, a economia de custos da fundação será de 36%.
As taxas da Funcef serão escalonadas de acordo com o volume de recursos repassados e de acordo com os tipos de fundos, entre os quais estão DI, renda fixa ativa e derivativos conservador. Assim, o gestor contratado para administrar um FAC de R$ 100 milhões, por exemplo, receberá uma taxa de 0,025% sobre o total contratado e mais uma taxa para os valores que administrar diretamente em seus FIFs, sendo essa de 0,08% para até 75% da carteira, de 0,06% entre 75% e 90% da carteira e de 0,05% entre 90% e o total da carteira. Se repassar uma parte dos recursos, ou todo ele, aos gestores contratados para administrar os FIF, por essa parte receberá apenas os 0,025% da contratação do FAC (ver quadro).
De acordo com o diretor financeiro da Funcef, Luiz Cazetta, o escalonamento das taxas remunera o gestor de acordo com a sua performance. “A escala de remuneração é compatível com o esforço do gestor”, diz. Na renda variável, as taxas médias pagas pela Funcef são de 0,20% para os fundos passivos e de iguais 0,20% para os fundos ativos, acrescidos de uma taxa de performance para esses últimos. Segundo Cazetta, existe espaço para que as taxas médias praticadas no mercado caiam para níveis ainda mais baixos.
A Petros também obteve sucesso, recentemente, em processos de renegociação junto a 27 gestores: suas taxas de administração na renda fixa caíram de 0,70%, em média, registrada em agosto do ano passado, para atuais 0,19%. Entre os gestores escolhidos pela Petros, alguns cobram taxas de performance e outros fazem a cobrança “pura” da taxa de 0,19%.
Segundo o gerente financeiro da Petros, Alexandre Horstmann, “as maiores reduções no setor já aconteceram”. Ele diz que a maioria dos fundos (92%) cobra uma taxa de 0,19%, mas uma pequena parcela (8%) cobra apenas 0,17%. A carteira de renda fixa terceirizada é de R$ 3 bilhões, dos quais R$ 550 milhões cobram taxa de performance. Esse montante está nos fundos cujo risco de crédito é maior. A carteira de renda variável, de R$ 2,3 bilhões, é feita dentro da própria instituição.
Entre os que cobram taxa de performance da Petros estão a BankBoston Asset Management (BAM) e a asset do WestLB Banco Europeu. Entre os que não cobram estão a Unibanco Asset Management (UAM) e a asset do HSBC.
“O volume administrado compensa a menor cobrança da taxa”, diz o diretor comercial da UAM, Aílton Garcia. Segundo ele, nos casos em que os volumes de recursos são baixos, essas taxas muito baixas não compensam. “Avaliamos a remuneração total anual do contrato. O que determina, em última instância, aceitar o mandato não é nem o volume e nem a taxa. É o custo da carteira. Não trabalhamos com custos que possam comprometer o desempenho da carteira”, diz. Segundo ele, está havendo forte demanda por parte das fundações clientes da UAM, de pequeno a grande porte, no sentido de reduzir as taxas de administração.
Também no caso da Bradesco Asset Management (Bram) essa demanda existe, e a asset tem feito concessões em suas taxas. O diretor-superintendente da Bram, Robert Van Dijk, diz que houve um corte médio de 50% nas taxas desde o final do ano passado, de 0,40% para cerca de 0,20% na renda fixa. Van Dijk avalia que o atual processo de consolidação do mercado está criando novos parâmetros de taxas para a indústria de fundos (a Bram é uma das assets que faz a administração dos recursos da Petros, a uma taxa de 0,19% na renda fixa).
No caso do HSBC, as taxas não têm caído abaixo dos 0,20% garante o diretor de investidores institucionais, José Luiz Fagundes. Segundo ele, essa taxa foi ofertada apenas para as carteiras passivas das fundações sob intervenção, e não se aplica aos fundos ativos, fundos exclusivos e carteiras administradas. “Cada fundo tem um custo e a taxa também depende do volume a ser administrado”, diz. O HSBC, que não está entre os bancos escolhidos para gerir os recursos da Funcef, faz parte dos gestores que administram os recursos da Petros (ver quadro 2).
Para o diretor da BankBoston Asset Management (BAM), Flávio Pires, é preocupante a atual guerra de taxas praticadas no mercado, pois deve inviabilizar a manutenção de muitas assets no mercado. “Crescer com a cobrança de taxas muito baixas pode agregar mais custos que receitas”, alerta. Segundo ele, os custos para manter uma asset são altos, especialmente após a entrada em vigor da Resolução 2.829, no final de abril.
Para as fundações, a tendência de queda das taxas está beneficiando-as. O diretor financeiro da Brasiletros, Vitelmo Ferreira, revela que já recebeu propostas de dois bancos com oferta de taxas de administração abaixo de 0,20%. Segundo ele, a fundação ainda não aceitou a proposta dos bancos que ofereceram taxas abaixo de 0,20% porque ainda quer averiguar se essa taxa remunera bem os gestores e, ao mesmo tempo, garante qualidade à administração dos seus ativos.
A Brasiletros vem renegociando taxas com os gestores desde o início do ano passado. Ao longo de 2000, deixou de pagar taxas de performance para os quatro fundos de renda fixa que possui, após renegociações junto aos seus gestores. Hoje, paga 0,20% de taxa em seus fundos de renda fixa e de 0,30% para os fundos de renda variável. Na renda variável, a Brasiletros ainda paga taxa de performance a dois dos seus cinco fundos exclusivos, mas está negociando o fim delas.
Em busca de taxas mais baixas desde o final do ano passado, a Valia encontrou nas condições obtidas pela SPC um excelente argumento para levar à mesa de negociações com os gestores. Segundo o diretor financeiro da fundação, Manoel Cordeiro, ela paga hoje aos seus gestores taxas médias de 0,20% nos fundos de renda fixa e prevê novos recuos. “As taxas devem se fixar entre 0,10% e 0,15% no segmento de renda fixa”, avalia Cordeiro.
Ele não concorda com a avaliação de gestores, de que taxas entre 0,10% e 0,20% não remuneram os custos. “Os grandes volumes de recursos das fundações são interessantes para as instituições”, diz. “As instituições que hoje reclamam da queda das taxas se esquecem que praticaram taxas muito altas no passado”, lembra.
Para Cordeiro, a cobrança das taxas devem ser diferenciadas pelos serviços prestados. “Um fundo ativo que pague entre 102% e 103% do CDI não pode ter a mesma taxa de um fundo passivo. Neste caso, as taxas podem ser um pouco mais altas”.

Recomendação – Outro que foi obrigado a recuar diante da pressão baixista empreendida pelas fundações foi o Dreyfus Brascan. Por recomendação expressa da matriz, o banco passou a reduzir as taxas de administração para não perder fatias de mercado, conta o diretor comercial da asset, Roberto Pitta. A disputa por um cliente que dispõe, por exemplo, de R$ 200 milhões de recursos na renda fixa para serem administrados está bastante acirrada, com a oferta de taxas de até 0,10% ao ano. “Para não perder mercado, cortamos as taxas”, diz Pitta.
Os cortes nas taxas não são, entretanto, lineares. Elas aumentam na medida que os volumes são menores. Para administrar entre R$ 80 milhões e R$ 150 milhões, as taxas esbarram em 0,20% ao ano e para as quantias menores, entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, situam-se na faixa de 0,30% ao ano, diz Pitta. Para os recursos de renda variável, as mesmas quantias são administradas com taxas médias entre 0,35% e 0,45%.
Antes mesmo da concorrência da SPC, lembra Pitta, o processo de queda das taxas já vinha ocorrendo, tendo ganho maior velocidade após a primeira edição da Resolução dos Investimentos, a 2.720, em meados do ano passado. Depois dela, as fundações passaram a transformar um grande número de fundos espalhados em diversas carteiras abertas em uma quantidade menor de fundos exclusivos. Ao invés da fundação pagar, por exemplo, taxas de administração de até 1% ao ano em 20 fundos abertos, reduziu esse número para três fundos exclusivos com taxas de 0,20% ao ano.
“Para gerar uma determinada receita, antes eu precisava de R$ 1 bilhão e agora preciso de R$ 4 bilhões para gerar a mesma receita”, diz Pitta. Isso tem acentuado a disputa por novos clientes e market share.
Para o gerente de produtos do BBA Icatu, Alexandre Leal, a prática de taxas mais baixas não deve comprometer o desempenho do fundo. “As instituições têm o seu nome a zelar”, diz. De acordo com ele, a saída para quem não quiser entrar nesta guerra de preços será oferecer produtos diferenciados, novos serviços – como agregar trabalhos específicos de pesquisa e de avaliação de risco, entre outros.
André Pires, diretor do BNP Paribas, outro banco que venceu o processo de seleção da SPC, também considera preocupante a concorrência e os níveis de taxas praticadas no mercado. Mas ele não revelou se pratica as mesmas taxas concedidas à SPC para outros clientes. “Não existem padrões. As taxas praticadas dependem da estratégia comercial de cada instituição”, diz.

Abaixo do benchmark
Para boa parte dos gestores, a redução das taxas de administração aos níveis balizados pela concorrência da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) pode ser uma prática suicida. Para o diretor doWestLB, André Reis, os bancos que estão adotando a estratégia de reduzir as taxas para ganhar “market share” não conseguem oferecer por muito tempo um serviço de qualidade a preços tão baixos. Segundo ele, uma administração de R$ 200 milhões a uma taxa de 0,10% representa um ganho de R$ 200 mil por ano, ou R$ 16,6 mil brutos no mês.
“Essa remuneração não paga um gestor, considerando todos os encargos trabalhistas, e muito menos uma equipe”, diz. O gestor prevê que, após a consolidação pela qual o mercado deverá passar nos próximos meses, as taxas serão revisadas para cima.
O diretor do WestLB conta que o banco manteve um fundo de renda passivo com taxa de administração de 0,10% até outubro do ano passado, mas com desempenho bastante baixo. O banco percorreu o caminho contrário do que vem sendo adotado pelas fundações nas negociações: fez uma assembléia com os cotistas para propor a elevação da taxa para 0,25% e a necessidade de um tempo para melhorar a performance do fundo. “Houve resistência à mudança, mas hoje eles percebem a diferença e aprovam a iniciativa. O fundo está rendendo 101% do CDI, ou 0,16% acima do CDI já descontada a taxa de administração de 0,25%”, diz.
Reis observa que a competição está levando a uma redução muito rápida das taxas e não acredita que essa tendência se consolide no mercado. Segundo ele, as taxas médias mais praticadas hoje para a maioria das fundações, entre fundos passivos e ativos, ainda estão entre 0,20% e 0,40% na renda fixa e entre 0,45% e 0,60% na renda variável.
O diretor do West LB lembra que as taxas de administração praticadas hoje no Brasil estão abaixo das praticadas nos Estados Unidos e na Europa, onde os volumes administrados são bastante superiores aos do mercado brasileiro. Nos EUA, as taxas médias dos fundos de renda fixa ativos estão entre 0,30% e 0,40% e as dos passivos entre 0,18% e 0,20%. Nos fundos de renda variável, as taxas variam entre 0,40% e 0,60% para os fundos passivos e entre 0,50% e 0,70% para as carteiras ativas. Na Europa as taxas são ainda mais altas. Na França, as taxas médias praticadas no mercado, entre fundos passivos e ativos são de 0,56%.