Edição 128
O sonho de criar um grande empresa de metais não ferrosos, que dominou alguns fundos de pensão em meados da década passada, está fazendo água. Depois de sete anos amargando prejuízos com a Paranapanema, os fundos de pensão que a controlam estão buscando uma saída para a empresa, que inclui a venda do negócio no todo ou em partes. “Estamos buscando uma solução que represente a destruição do mínimo possível de valor para a companhia“, declara o gerente de participações da Previ, Ricardo Giambroni.
A Previ é a maior acionista da Paranapanema, com pouco mais de 50% do seu capital total (ver quadro). Mas isso aconteceu por uma fatalidade e não por opção, já que a fundação nunca tinha pensado em ter o controle do negócio, o qual imaginava dividir com um sócio estratégico. Comprada pelos fundos no final de 1995, junto com a Caraíba e a Paraibuna, a Paranapanema representava uma tentativa de repetir na área de metais não ferrosos a experiência que a Vale do Rio Doce havia realizado, na década anterior, na área de metais ferrosos. Contra todos os prognósticos do mercado, a Vale do Rio Doce havia crescido extraordinariamente e tornado-se uma das maiores companhias do mundo.
O projeto da nova empresa foi apresentado aos fundos de pensão em 1995, que compraram a idéia e empenharam-se em viabilizá-lo. A idéia era comprar a Paranapanema, uma velha conhecida dos operadores das bolsas que carinhosamente a tratavam simplesmente por “Paraná” durante os pregões, e usá-la como guarda-chuvas para as outras aquisições. O fundador e principal acionista da Paranapanema, Otávio Lacombe, havia morrido há pouco tempo e os filhos tinham visões antagônicas sobre o futuro do negócio, que começava a degringolar. Era o típico caso de uma boa empresa em dificuldades, nesse caso administrativas. Os fundos já tinham comprado outras empresas em dificuldades, como a Embraer e a Perdigão (nesse caso financeiras), e conseguido reerguê-las.
O caso Paranapanema parecia ser mais um caso desses. Como não conheciam a área procuraram um especialista para ajudá-los, a Vale do Rio Doce. A empresa olhou os estudos que tinham sido apresentados aos fundos e concordou que fazia todo o sentido juntar numa só as diversas empresas de não ferrosos: Paranapanema, de estanho; Caraíba Metais, de cobre; Paraibuna, de zinco; e a Eluma, de distribuição de cobre, que já era dos fundos mas que sozinha não tinha nenhuma perspectiva. A Vale gostou tanto da idéia que se propôs a entrar no jogo, tornando-se a sócia estratégica para operacionalizar a nova companhia.
Outra que também entrou no projeto, à época, foi a CSN. Ela, como usuária de estanho para a produção de folha de flandres, queria participar da empresa fornecedora. A multinacional Anglo American também flertou com o projeto, comprometendo-se a entrar na sociedade. Também o BNDESpar prometeu entrar como sócio da nova empresa, trocando a participação que detinha na antiga Paranapanema por ações da nova holding que seria formada.
Tudo azul – Embalados por estudos falhos, que ignoravam que a alta lucratividade das empresas era resultado de preços exacerbadamente altos no mercado internacional (que não poderiam manter-se), e pelo interesse dos sócios estratégicos como a Vale do Rio Doce, a CSN e a Anglo American no projeto, os fundos de pensão Previ, Petros, Aerus, Sistel e Telos deram o passo fatal. Fecharam a compra da Paranapanema, por um valor de cerca de US$ 110 milhões, em valores da época. Compraram também a Paraibuna e a Caraíba, usando o caixa dessas próprias empresas para pagar aos antigos donos. Na época da compra, a Paranapanema tinha em caixa US$ 90 milhões, a Caraíba US$ 70 milhões e a Eluma US$ 20 milhões, somando US$ 180 milhões. Desse total, a Paranapanema usou R$ 124 milhões para pagar aos antigos controladores da Paraibuna e Caraíba, descapitalizando completamente o novo negócio.
Isso, que à primeira vista poderia parecer uma insensatez, na verdade tinha uma lógica. Como a Vale, a CSN e a Anglo American entrariam a seguir na sociedade, elas aportariam os recursos necessários à formatação e aos investimentos do novo negócio. Acontece que essa perspectiva, embora compromissada anteriormente, nunca se realizou.
A Vale do Rio Doce, de onde inclusive haviam saído os principais executivos que dirigiriam a nova Paranapanema, como o atual presidente Dennis Braz Gonçalves, voltou atrás nos seus planos. “Nunca ficou muito claro porque a Vale do Rio Doce voltou atrás, tem gente que diz que o governo, que na época controlava a companhia, não quis que ela entrasse para não dar razão aos que gritavam contra uma suposta estatização das empresas privadas”, conta uma fonte que participou de perto das negociações. “Mas ninguém sabe, ao certo, o que aconteceu”.
A Anglo American também deu para trás, pois ao invés de colocar dinheiro na operação ofereceu pagar a sua participação com uma mina de nióbio em Catalão (GO), que não interessava à nova empresa. Assim, depois de muitas idas e vindas, a participação da multinacional também foi descartada. Por último, a CSN concordou em entrar na empresa, mas com uma cláusula contratual que permitia sua retirada em até 60 dias, se ela assim decidisse. O que ela queria, na verdade, era negociar internamente, já como acionista, um preço mais vantajoso para o estanho que compraria da Paranapanema. Como não conseguiu o preço que almejava, optou por também retirar-se do projeto.
Os fundos acabaram ficando sozinhos, donos de empresas e de minas de metais sobre as quais nada sabiam. O BNDESpar, que aceitou entrar na nova empresa, na verdade trocou a participação que tinha na antiga Paranapanema por debêntures da nova Paranapanema, tornando-se um credor e não um acionista. A nova empresa nascia com o caixa praticamente vazio, raspado que tinha sido para o pagamento dos ex-donos da Paraibuna e Caraíba.
Esqueletos – Esse foi só o começo do problema. A seguir, para entender o novo negócio, os executivos começaram a esmiuçar as empresas compradas. No ato da compra elas somavam 60 em contrato, incluindo as coligadas, mas na prática foram encontradas 73 empresas. As empresas iam surgindo à medida que se buscava a raiz das despesas. Algumas eram simplesmente fantasmas, só existiam para empregar e pagar protegidos.
A folha de pagamentos da Paranapanema, como passou a chamar-se a nova holding, incluia naquela época 39 altas personalidades, entre parlamentares e figuras públicas da vida nacional. A empresa também possuía uma mansão em Brasília, usada para lobby, com quase uma dezena de funcionários contratados para mantê-la. Ao decidir-se pelo fechamento da mansão o presidente da empresa, Braz Gonçalves, foi um dia pessoalmente à Brasília comunicar a decisão à um ilustre hóspede, que a ocupava com uma graciosa companhia. “Vim comunicar-lhe que o senhor não faz mais parte da nossa folha de pagamentos e que esta casa está sendo fechada, neste momento”, sentenciou ele. “Pediria que o senhor e sua companhia deixassem a casa”, concluiu.
Com o caixa quase vazio e as despesas correndo soltas, a companhia viu um novo problema aparecer. O preço dos metais começou a cair. “Quando a empresa foi comprada, os preços estavam no seu pico internacional”, raciocina o diretor financeiro e de relações com o mercado da Paranapanema, Antonio Aranha Andrade, que também veio da Vale do Rio Doce na época da compra. “De lá, só poderiam cair, mas os estudos usados na compra não mostravam isso”.
De fato, no business-plan da nova empresa, o preço do estanho subia de US$ 6,2 mil por tonelada em 1995 para US$11 mil nos anos seguintes. De lá pra cá, entretanto, ao contrário do que apontava o estudo o preço do estanho só ultrapassou um pouco os US$ 6 mil durante alguns meses de 1997 e no começo de 1999. Hoje, o preço do metal está em torno de US$ 4 mil por tonelada. No cobre, que estava em US$ 2,9 mil a tonelada em 1995, a queda não foi menos dramática, despencando para menos de US$ 2 mil hoje.
Nessa situação, o investimento que a mina da Paranapanema exigia, para mudar o processo de extração do estanho, tornou-se inviável. Conhecido como Rocha Sã, o projeto mudava a forma de extrair o mineral, de aluvião para extração. Sem ele, orçado em cerca de US$ 120 milhões, a mina corre o risco de deixar de ser produtiva e hoje se mantém ativa somente reprocessando os rejeitos do processo de aluvião pesado original. Dos US$ 120 milhões necessários à mudança do processo de estanho, apenas US$ 20 milhões foram gastos.
A Paranapanema não tem os US$ 100 milhões necessários à conclusão do projeto Rocha Sã, indispensável para a continuidade do negócio, hoje rebatizado de Mamoré Metalurgia e Mineração Taboca. Sem ele, o negócio é inviável. Os sócios, todos eles fundos de pensão, estão buscando uma saída para o empreendimento.
Dívidas – Um dos grandes problemas do empreendimento é a sua atual estrutura de capitais. Como os aportes dos sócios estratégicos originais não foram feitos, porque eles acabaram não entrando, a empresa teve que lançar mão do seu caixa original para pagar os donos antigos. Para investir, ela teve que emitir debêntures, que mesmo compradas pelos acionistas a INPC+6% ao ano, ainda assim representam dívidas.
Com o peso dessa dívida, os lucros operacionais que a empresa produz hoje não são suficientes para permitir seu desenvolvimento. No ano passado a Paranapanema vendeu a Paraibuna ao grupo Votorantim, por US$ 106 milhões, usando os recursos para abater parte das dívidas. Mesmo assim, elas são enormes.
A estrutura consolidada das dívidas da Paranapanema, que representa uma soma de R$ 680 milhões com vencimentos espalhados por várias anos até 2007, é a seguinte: deve R$ 280 milhões aos fundos controladores (Previ, Sistel, Aerus e Telos); R$ 160 milhões à Petros; e R$ 240 milhões ao BNDESpar. Essas dívidas são resultado de várias emissões de debêntures, algumas trocando títulos velhos por novos.
Recentemente a Paranapanema contratou a Dynamo para fazer um estudo de reestruturação acionária e de busca de sócios ou compradores para a empresa, ou para suas partes. “Estamos num momento crucial da vida da Paranapanema, os projetos que não podemos tocar queremos vender ou, se não encontrarmos essa via, podemos até pensar em uma solução mais radical”, declara o gerente de participações da Previ, Ricardo Giambroni.
A idéia entre os acionistas é que se deve reconhecer o prejuízo e sair do negócio, no todo ou parcialmente. A intenção é vender Mamoré Metalurgia, Mineração Taboca, Eluma e Cibrafértil (produz fertilizantes), que não dão lucro ou têm margens baixas, e encontrar um sócio estratégico para Caraíba Metais, que é lucrativa operacionalmente.
A Caraíba Metais é hoje a jóia da coroa. Do lucro operacional (antes das despesas financeiras) projetado pela Paranapanema para este ano, que deve ficar em torno de 13% para um faturamento estimado em R$ 1,8 bilhão, 70% serão provenientes da Caraíba. Ou seja, operacionalmente a companhia é lucrativa, o que falta é resolver o problema da sua estrutura de capital, que é deficitário. “Operacionalmente fizemos o dever de casa, somos uma empresa competitiva, o que mata são as dívidas”, diz Aranha Andrade.
Para os fundos de pensão, os resultados da Paranapanema são um espinho na garganta. Quando comparados a investimentos como o da Perdigão, Embraer, Vale do Rio Doce, cujos resultados positivos são sempre celebrados, o da Paranapanema é um anátema. “A sucessão de erros estratégicos na hora de comprar a empresa é espantosa”, diz um crítico do projeto. “Agora, é hora de dar um stop-loss, reconhecer os prejuízos e cair fora”.