Chuva e reivindicações em Vitória | Em clima de eleição para a pr...

Edição 107

Reivindicações legais, articulações políticas, polêmicas, pesquisas, experiências internacionais e muitas novidades e negócios. Foram três dias intensos para o setor de previdência privada na capital do Espírito Santo, num clima de muito calor, chuva torrencial na abertura, com direito a alagamentos em vários pontos da cidade, e expectativas em torno de questões importantes para o setor, em discussão em Brasília.
Sob o slogan “Como proteger 50 milhões de trabalhadores e atingir 70% do PIB”, o 22o Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, promovido pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), bateu recorde em número de visitantes. Passaram pelo Centro de Convenções de Vitória cerca de 1.600 pessoas, entre dirigentes de fundos de todo o País, representantes de Governo e do sistema financeiro, contra um número de 1.400 da última edição em Salvador, no ano passado.
Não foram apenas os números que fizeram deste o maior evento da história de 22 anos do segmento. Os auditórios cheios revelaram o crescente interesse dos participantes pelos temas tratados, que abordaram desde a regulamentação por lei ordinária do sistema de portabilidade e a criação do benefício diferido até as mudanças legais em andamento, que permitem o surgimento de fundos complementares sem o aporte do patrocinador (apenas com a figura do instituidor).

O tema central do evento – o desafio de alcançar padrões internacionais em previdência complementar – provocou acaloradas discussões, principalmente no campo jurídico e tributário. Não à toa, pois hoje com 1,7 milhão de participantes e um patrimônio de R$ 139,4 bilhões, os ativos dos fundos de pensão brasileiros representam 12% do PIB, segundo relatório da Pension & Investment. Uma realidade ainda modesta se comparada à relação Fundos x PIB exibida pela Holanda (125%) e Suíça (117%), ou pelos Estados Unidos (96%).
“O sistema de previdência social no Brasil representa uma sobrecarga muito grande para o Tesouro, que não consegue proporcionar renda aos aposentados adequada ao nível de vida que eles vinham tendo durante sua fase produtiva”, afirma o presidente da Abrapp, Carlos Duarte Caldas.
Em seu entender, a solução se apresenta por meio do sistema de previdência complementar, que pode universalizar a seguridade social sem gerar custos para o Estado, mas o setor convive com a falta de clareza e estabilidade do regime tributário. “O sistema tem crescido de forma modesta ao longo desses 24 anos de legislação pois a instabilidade tributária atemoriza os interessados em criar fundos de pensão. Quem assume um compromisso por décadas precisa estar seguro de que o custo do plano estará dentro da capacidade de sua empresa, sendo monitorado e controlado por ela, ainda que as situações de mercado e de Governo possam influir na conjuntura econômica. Confiamos no bom senso e na capacidade dos dirigentes do País de afastar definitivamente o fantasma do passivo tributário que já dura quase duas décadas” disse.
As considerações do dirigente da Abrapp foram reiteradas pelo ministro Roberto Brant no discurso de abertura, recheado de ponderações sobre o sistema previdenciário público nacional e com críticas à falta de confiança da sociedade nas instituições públicas do País. “O brasileiro sofre de uma crônica desconfiança em relação a todas as instituições. Não foi à toa que um repórter me perguntou, há pouco, se eu teria coragem de confiar minha aposentadoria a um fundo de pensão. Pois eu afirmo que, pelo inestimável valor desse sistema, na minha gestão eu o retirei das páginas dos jornais. Mas não há como eximir o Estado de seu papel de regulador”, disse, antecipando-se à polêmica em torno da MP 2.222.
O ministro lembrou o papel dos fundos de pensão no modelo do sistema de previdência que vem sendo elaborado por sua pasta. “Conseguimos projetar quase que silenciosamente um sistema de previdência para o futuro que acreditamos ser o mais apropriado. Quando totalmente implantado, vai assegurar uma aposentadoria geral pública para todos os brasileiros e, a partir daí, cada brasileiro poderá cuidar de sua poupança pessoal e privada.”
Ressaltou que, nesse modelo, os fundos de pensão terão de desempenhar o papel estrutural que está reservado a eles, inclusive com o modelo para a previdência complementar dos servidores. “Mas a primeira coisa que temos de fazer é estabelecer um lastro profundo de confiança no sistema”, disse. Brant também criticou a resistência às mudanças também por parte dos congressistas. “Estamos há 11 meses para conseguir votar um dispositivo da lei complementar que cria os fundos de pensão da União, dos Estados e dos Municípios, de forma a deixar de assegurar privilégios para os novos participantes”, lamentou.
Por último, lembrou que o Brasil é um dos três países do mundo que não tem limite de idade para aposentadoria, é o único que assegura uma aposentadoria de 100% do último salário aos servidores e também o único que indexa o valor das aposentadorias e pensões do setor público aos salários dos profissionais da ativa.

Polêmicas – Basicamente três grandes regras que passaram por alterações recentes foram exaustivamente debatidas no Congresso de Vitória: a Lei Complementar 109, que praticamente dá o contorno da regra geral da previdência complementar no Brasil, e se encontra na fase de regulação; a Lei 108, que trata exclusivamente das empresas estatais patrocinadoras de fundos; e a lei do sistema público, ainda em discussão pelo Congresso, que estabelece os regimes de previdência de capitalização no âmbito dos Estados e municípios, prevendo para os funcionários públicos os mesmos padrões e os mesmos direitos em previdência complementar dos empregados do setor privado.
A Medida Provisória 2.222 mereceu capítulo à parte, recebendo duras críticas dos participantes, capitaneadas por Caldas, anfitrião do evento. “É uma medida totalmente equivocada, uma regra arbitrária. Fomos atropelados pela votação do Senado da regra de eliminação das medidas provisórias e, como o Governo teve de votar quase de forma açodada, tivemos esta situação contrária ao princípio da Lei 109. Fomos surpreendidos por uma posição de radicalismo da Receita ao estabelecer uma regra de tributação que contraria inclusive a disposição do próprio presidente. Existe uma grande discussão no governo porque é um ato unilateral da Receita e mantenho a confiança de que isso vai ser revisto. Aliás, não estaria no cargo de presidente da Abrapp se não tivesse plena confiança de que isso vai ser mudado”, garantiu.
Porém, para Brant, a questão já foi amplamente debatida no Governo “e, como membro dele, só posso discutir as questões até o momento em que elas são decididas. Foi tomada aquela decisão e não tenho mais nada a dizer. Também quanto ao diferimento tributário, o Governo decidiu dessa forma, então, até que surja um fato novo, esta é a posição oficial.”
E, concluindo: “A regulação dos fundos de pensão pode não ser exatamente o que os senhores dirigentes de fundos queriam, mas não temos medo do diálogo, da crítica nem dos conflitos de idéias. Aliás, a primeira coisa que fizemos na gestão de José Roberto Savóia foi colocar nosso projeto de regulação na Internet para que todos pudessem ver, criticar e contribuir para melhorar. O resultado final não vai ser plenamente satisfatório, tenho certeza, mas o importante é estabelecer um processo, um modo de trabalhar e um modo de dialogar com o setor”, disse Brant.

Vice, eu…?
O 22o Congresso revelou-se ambiente propício para os candidatos às eleições da Abrapp, Carlos Duarte Caldas e Fernando Pimentel, intensificarem a busca de votos. Caldas, que chegou à Vitória disposto a manter o cargo por mais um mandato, promoveu vários encontros a portas fechadas com lideranças regionais de todo o País, mas, às vésperas do prazo final para a divulgação da composição das chapas (no dia 9, sexta-feira), adotava como estratégia o sigilo sobre sua base de apoio. “Ainda estamos em negociação com algumas regiões”, desconversa. O executivo adiantou que é quase certo que Luiz Carlos Thomas Loureiro seja o seu vice na chapa da situação. “Ele fez um trabalho muito bom neste mandato”, elogia.
O candidato da oposição Fernando Pimentel, por sua vez, garante ter conseguido ainda no Congresso apoio de entidades do Nordeste, Rio de Janeiro e Brasília. Pelo menos até o fechamento desta edição o nome do vice de Pimentel ainda estava sendo negociado. “Esperamos que seja um nome de São Paulo, onde se concentra o maior número de entidades”, pondera Mazzeo, tido pelo mercado como o mais forte candidato ao cargo.
Alguns nomes já haviam sido confirmados pelo articulador político de Pimentel, Fábio Mazzeo. No Nordeste a diretoria operacional teria à frente José Altino Bezerra, da Chesf, enquanto a diretoria regional ficaria com André Gondim, da Faelba. Em Brasília, Paulo Zuba, da Faceb, deve assumir como diretor regional, e no Rio foram indicados os nomes de Antonio Jorge Vasconcellos da Cruz, da Previma, para a regional, e Nelson Albuquerque Nonô, da Previndus, para diretoria operacional. A proposta, segundo Mazzeo, é formar um conselho deliberativo equilibrado regionalmente, caso Pimentel vença o pleito.
Quanto aos comentários de que Pimentel teria convidado Caldas para vice-presidente, formando uma chapa única, o atual presidente dispara: “É uma hipótese totalmente descabida. É de pasmar que se faça uma proposta dessa natureza. Seria passar o recibo de que não fiz um bom trabalho à frente da Abrapp. Sem referência desabonadora ao oponente, que respeito muito como pessoa e como profissional, mas estaríamos diante de uma questão muito simples: todo um trabalho ao longo de todos esses anos difíceis para o sistema contra uma promessa.”
Caldas acentua que, se a situação fosse inversa (Pimentel como seu vice) ele até analisaria a possibilidade, como forma de criar uma situação de unidade importante para o sistema. “Mas sou o presidente e, pelo estatuto, tenho a prerrogativa de pretender uma renovação do mandato. Na minha gestão houve um aumento do prestígio da entidade como uma área de excelência técnica e que certamente se consolidará a partir da regulamentação que está para sair.”