Edição 114
Nem amargo nem ao leite. O gosto que os cerca de 2.500 participantes ativos e inativos da Fundação Garoto de Previdência estão sentindo ainda é insosso. Afinal, nada se sabe sobre o que a multinacional suíça Nestlé pretende fazer em relação ao plano previdenciário da Garoto, a maior empresa nacional no setor de chocolates e balas, que comprou recentemente. Com 73 anos de atuação na cidade de Vila Velha (ES), a brasileira Garoto instituiu seu fundo de pensão há sete anos, período que contabilizou um patrimônio de R$ 26 milhões.
A Fundação Nestlé de Previdência Privada (Funepp) tem, por sua vez, números mais expressivos que espelham a situação da empresa no Brasil. Com a aquisição da empresa capixaba, a gigante suíça passou a ocupar a primeira posição no ranking da Associação Brasileira das Indústrias de Chocolate, Cacau, Balas e Derivados (Abicab) e é a maior do setor alimentício no País, com faturamento anual superior a R$ 4 bilhões em 2001. Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), a Funepp contabilizava, em setembro de 2001, um patrimônio de US$ 110,9 milhões e um universo 14.200 mil participantes – entre ativos e assistidos.
A indecisão do comprador de uma Caixa de Especialidades no momento de escolher um entre diversos sabores disponíveis está sendo provada pela Nestlé. A multinacional ainda não decidiu o que fazer da fundação Garoto de Previdência. Segundo o atuário da consultoria Watson Wyatt, Newton Conde, existem ao menos cinco opções, que dependem exclusivamente das intenções da compradora com o futuro da brasileira Garoto. “Ela pode optar por manter os dois fundos separados, incorporá-los em um só, criar uma nova entidade, ou transferir os funcionários da Garoto para um fundo multipatrocinado ou para uma entidade aberta de previdência”, diz Conde.
Qualquer que seja o caminho, é de cerca de um ano o tempo que se leva desde a avaliação de retirada de patrocínio até a completa aprovação da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e a conseqüente autorização para funcionamento. “Em geral, a empresa leva perto de 30 dias para concluir a avaliação, que segue para a Secretaria para análise”, explica o consultor.
Caso Nissan – Segundo o consultor de investimentos da Iron House Fund, Luiz Carlos Moreira Lima, o destino do fundo de pensão da Garoto certamente não figura na lista de prioridades da Nestlé nesse primeiro momento, dedicado a colocar ‘ordem na casa’. Mas a multinaconal certamente já conhece os principais pontos da situação financeira da fundação. “Antes de adquirir uma empresa, a potencial compradora analisa o passivo atuarial do fundo que estará assumindo”, diz Moreira Lima.
Se o resultado da análise prévia do passivo do fundo mostra um rombo de grandes proporções, a interessada pode até desistir de realizar o negócio. Às vezes, no entanto, quando esse valor é subtraído do preço final oferecido pela compradora, a compra pode compensar. Este foi o caso da empresa japonesa do setor automobilístico Nissan que, mesmo contabilizando em seu fundo de pensão um déficit de US$ 3,3 bilhões – US$ 1,6 bilhão em ativos e US$ 4,9 bilhões de passivo – foi comprada pela francesa Renault. Para fechar o negócio, a Renault pagou US$ 5,4 bilhões por 37% de participação na Nissan. O fundo de pensão da montadora francesa, totalmente capitalizado, tinha ativos da ordem de US$ 700 milhões.
Analisar o passivo não é, no entanto, a única obrigação da compradora em relação ao fundo de pensão da empresa adquirida. Os cálculos de vesting e contribuições estão, segundo Moreira Lima, entre os outros pontos que igualmente merecem atenção em um processo como esse. As duas fabricantes deverão igualar o prazo mínimo para que o participante que queira se desligar da entidade possa sacar a reserva feita por ele e pela empresa. Apesar de aparecer na legislação com o prazo mínimo de contribuição de cinco anos, o vesting tem regras que variam de fundo para fundo.
A longo prazo, e se concretizada a fusão dos dois fundos, o consultor acredita que as características do fundo dominante devam prevalecer. “A entidade da Garoto tenderá a se parecer mais com a da Nestlé. E então teremos um único fundo, uma única cultura”, prevê.