A Fundação Ceres, cuja principal patrocinadora é a estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), está ampliando o espaço na sua carteira de investimentos para os ativos de risco, após uma década na qual ganhou basicamente com a valorização dos títulos públicos. Em nove anos, entre dezembro de 2010 e agosto último as reservas da fundação cresceram 183%, para a casa de R$ 7,93 bilhões, em grande parte impulsionadas pela renda fixa.
Para manter esse padrão de crescimento, com uma taxa de juros que não remunera a renda fixa como no passado, a casa já definiu uma política de investimentos que prevê duplicar a fatia de renda variável no ano que vem, para a casa dos 20%. As aplicações em ações somam hoje R$ 805,90 milhões, representando pouco mais de 10% do patrimônio, concentrados em papéis de cerca de 12 empresas que vêm superando com regularidade o IBrX 100. “Parte desse portfólio permanecerá sob os cuidados da nossa equipe de investimentos, com quatro profissionais, como forma de avaliar o trabalho que será executado pelos gestores externos”, assinala o diretor de investimentos da fundação, José João Reis.
A virada para a renda variável está se dando principalmente por causa da queda da taxa Selic, hoje no menor patamar de sua trajetória. Embora decidida a ampliar o patamar da renda variável, a Ceres ainda possui 82,7% do seu portfólio concentrado em ativos de renda fixa, sobretudo títulos públicos federais, o que indica acima de tudo uma marca de prudência nas definições da política de investimentos dos últimos anos.“Sempre fomos muito prudentes na definição da matriz de investimentos, o que não é, de forma alguma, sinônimo de conservadorismo”, diz o diretor-superintendente José Roberto Rodrigues Peres. Segundo ele, essa cautela tem garantido retornos expressivos para a fundação, que está completando 40 anos de atividades. Com 18 planos de benefícios, dos quais nove permanecem abertos a adesões (sete CVs e dois CDs), a fundação apresentava no segundo quadrimestre do ano um superávit técnico acumulado de R$ 414,03 milhões .
“A maior parte das nossas aplicações de renda fixa refere-se a papéis marcados na curva com remunerações de até 6,2% ao ano além da variação do IPCA”, observa Peres. “Eram retornos que atendiam às nossas metas atuariais, mas o fato é que o volume de vencimento de títulos neste ano superou a marca de R$ 1 bilhão. Teremos, portanto, de abrir espaço para ativos de risco no portfólio, pois a rentabilidade para renovação em títulos públicos, nos patamares atuais, é insuficiente para as nossas necessidades.”
O ajuste será executado de forma gradual, até porque o estoque remanescente de Notas do Tesouro Nacional da Série B (NTNs-B) e de Letras do Tesouro Nacional (LTNs), entre outros títulos públicos, ainda tem bom prazo de validade. A diversificação, de qualquer forma, já está em curso desde o ano passado: começou com uma aplicação em fundos multimercados, no valor de R$ 100 milhões, e tende a ganhar corpo. A entidade também avalia outras opções de investimentos, como fundos imobiliários (FIIs) e investimentos no exterior, sendo que para esse último deve iniciar em breve um processo de seleção de gestores. “A intenção não é optar por produtos específicos desta ou daquela asset, e sim por soluções e expertises em diferentes áreas”, comenta o diretor de investimentos, José João Reis. “O planejamento prevê a contratação de até cinco gestores em pelo menos quatro modalidades: fundos de renda fixa, de renda variável, imobiliários e lastreados em ativos no exterior.”
Revisão das metas – Outro item importante no roteiro da fundação é a revisão de suas metas atuariais, que chegam a até 5,7% ao ano além da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), algo como 0,4 ponto percentual acima da média do sistema, segundo levantamento da Previc. O projeto prevê cortes a partir de 0,5 ponto percentual nos referenciais de seus planos CVs e de benefícios definidos (BDs). “Decidimos por um ajuste mais rigoroso do que o recomendado pelo estudo de gestão de ativos patrimoniais, o ALM. Assim, a Ceres ficará em uma situação confortável por mais tempo”, diz Peres.
Estas e outras decisões vêm sendo tomadas com o uso crescente a ferramentas eletrônicas. Desde janeiro, a Ceres agregou nove sistemas digitais às rotinas de diversas de suas divisões. Uma das novidades é um programa que permite simulações infinitas e a atualização constante dos estudos de macroalocação de investimentos. “É de uma versão eletrônica, bem mais em conta, dos estudos de ALM, que custam, a cada rodada, até R$ 80 mil”, observa Peres, que prepara outras iniciativas do gênero. “Temos planos de adotar, ainda neste ano, robôs no relacionamento com o nosso público. A meta é elevar de 30% para 90% o autoatendimento.”
Redução de despesas – A busca por uma maior eficiência também se traduz na racionalização de despesas. Seguindo a onda em curso no sistema fechado de previdência complementar, a Ceres reduziu em cerca de R$ 19 mil reais os gastos com eletricidade graças à troca dos condicionadores de ar, no último trimestre de 2018, e o recurso a painéis fotovoltaicos para a geração de energia solar, há quatro meses. De quebra, também passou a economizar R$ 2 mil reais mensais ao mudar a periodicidade, de diária para semanal, da lavagem da calçada em frente à sua sede, em Brasília.
“Nossas despesas administrativas são inferiores à média das fundações com ativos totais na faixa de R$ 2 bilhões a R$ 15 bilhões, de acordo com pesquisa da Previc”, comenta Peres. “A redução desses gastos, hoje ao redor de 0,35% dos ativos, é uma das prioridades da Ceres.”
Plano Família – Além de beneficiar diretamente a população atendida pela casa, composta por cerca de 19 mil participantes ativos e assistidos, o esforço para redução de despesas tende a capacitar a entidade para a disputa de fatias de mercado com gestoras de planos abertos e outras EFPCs. O passo inicial nesse rumo foi dado em julho de 2018, com o lançamento do Família Ceres, que teve como instituidores a Associação Nacional de Aposentados e Pensionistas da Ceres (Anapec) e a Associação Mineira dos Aposentados da Extensão Rural (Emater). Assim como ocorreu com a maioria das fundações que apostaram no produto, a Ceres traçou projeções demasiadamente otimistas, agora sob revisão. “O plano apresentou uma rentabilidade muito boa, de 19%, no primeiro ano de operações, mas a sua venda é bem mais complexa do que imaginávamos. Eu mesmo levei seis meses para convencer minha mulher a aderir”, admite o diretor-superintendente.
As prospecções iniciais apontavam para um público potencial de 56 mil participantes a serem atraídos em cinco anos. Passados 16 meses, no entanto, as adesões somam somente 400. Superada a fase de euforia além da conta, a Ceres reduziu as suas expectativas para a casa de 1.800 adesões anuais, a partir de 2020, e buscou apoio especializado. “Contratamos uma empresa de marketing digital que vai nos ajudar a divulgar o Família Ceres nas redes sociais”, diz Peres. “Até dezembro, pretendemos elevar o quadro de participantes para 750.”
O reforço do quadro de patrocinadores é outro projeto em pauta. A EFPC mantém atualmente negociações avançadas com um potencial mantenedor e conta com os serviços de uma conceituada consultoria em previdência fechada para a identificação e a abordagem de novos candidatos. “De forma alinhada com essa estratégia, também pensamos, a médio prazo, em criar uma empresa voltada ao atendimento de entidades de menor porte. A intenção é gerar receitas com a prestação de serviços na área de previdência complementar”, adianta Peres.