Canadá e Reino Unido demandam ativos de seus fundos de pensão

O governo do Canadá intensificou apelos aos grandes fundos de pensão do país para que redirecionem parte de seus ativos — avaliados em cerca de 3 trilhões de dólares canadenses (R$ 11,49 trilhões) — à investimentos locais.

A estratégia faz parte de uma agenda mais ampla de “nacionalismo econômico” e busca mobilizar até 500 bilhões de dólares canadenses (R$ 1,91 trilhão) em novos investimentos voltados a infraestrutura e inovação, como meio de enfrentar a desaceleração econômica do país e a queda das exportações para os Estados Unidos.

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times a ministra da Indústria do Canadá, Mélanie Joly, afirmou ter tido “muitas conversas com nossos bancos e fundos de pensão. Há um sentimento de que precisamos pensar primeiro no Canadá e que precisamos colocar nosso capital em nosso país”, disse ela.

Joly vem liderando essa iniciativa como parte de uma nova estratégia industrial, que visa tanto atrair capital estrangeiro para sustentar o crescimento e criar empregos quanto fortalecer o investimento doméstico. O governo federal já eliminou um antigo limite de 30% que restringia a participação dos fundos de pensão em vários tipos de negócios canadenses, e prepara incentivos fiscais e regulatórios para que o capital previdenciário possa fluir para projetos de infraestrutura, energia limpa e tecnologia.

O governo canadense também criou o Escritório de Grandes Projetos, cuja finalidade é acelerar a aprovação de investimentos estratégicos, e avalia a possibilidade de flexibilizar regras que limitam a entrada de investidores privados — especialmente fundos de pensão — em empresas municipais de serviços públicos.

O primeiro-ministro do país, Mark Carney, lançou a campanha “Compre Canadá”, voltada à priorização de fornecedores e produtos com conteúdo local. A medida surge em um contexto de enfraquecimento do PIB e de queda de 7,5% nas exportações no segundo trimestre deste ano, segundo dados do serviço Statistics Canada.

Índices ainda baixo – Apesar dos esforços, o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) — maior fundo do país, com mais de 714 bilhões de dólares canadenses em ativos (R$ 2,73 trilhões) — mantém apenas cerca de 12% de sua carteira em ativos do país, enquanto 47% está alocada nos Estados Unidos. Outros fundos, como o Ontario Municipal Employees Retirement System (OMERS), Ontario Teachers’ Pension Plan (OTPP) e Healthcare of Ontario Pension Plan (HOOPP), possuem participações locais mais elevadas, entre 36% e 55%, mas ainda assim são majoritariamente internacionalizados.

Especialistas alertam que um direcionamento excessivo pode distorcer o mercado, criando riscos de “capitalismo de compadrio”, prejudicando o retorno dos beneficiários. A CPP Investments, por exemplo, reforçou em comunicado que seu mandato continua a ser “agir no melhor interesse dos participantes”, embora tenha anunciado recentemente aportes relevantes em projetos locais, como um data center de 225 milhões de dólares canadenses em ativos (R$ 862 milhões) em Ontário e 2,38 bilhões de dólares canadenses em ativos (R$ 9,12 bilhões) na produtora de energia Canadian Natural Resources.

Reino Unido – O Canadá não está sozinho nessa guinada pró-investimento doméstico. O Reino Unido vem adotando uma política semelhante desde 2023, quando o governo britânico passou a pressionar fundos de pensão a aplicar mais em empresas e infraestrutura nacionais como parte do plano de crescimento liderado pelo Tesouro. O então chanceler Jeremy Hunt apresentou um pacto com os maiores fundos de pensão britânicos — incluindo Aviva, Legal & General e Nest — para direcionar pelo menos 5% dos ativos para investimentos em empresas do Reino Unido até 2030, em um esforço para impulsionar o mercado de capitais local e estimular inovação tecnológica.

Além disso, o Reino Unido criou um “British Growth Fund” com recursos públicos e privados para cofinanciar pequenas e médias empresas, e vem reformando o sistema de previdência complementar para facilitar investimentos em infraestrutura verde e startups domésticas. A lógica, semelhante à do Canadá, é canalizar parte das enormes reservas previdenciárias — que somam mais de 3 trilhões de libras esterlinas (R$ 21,64 trilhões) — para revitalizar a economia nacional e reduzir a dependência de capitais estrangeiros.

Desafio comum – Tanto no Canadá quanto no Reino Unido, o desafio é encontrar o equilíbrio entre maximizar o retorno dos fundos de pensão para seus beneficiários e atender aos objetivos de política pública de estímulo à economia e à soberania produtiva. Enquanto governos defendem a importância estratégica de “reter capital em casa”, as gestoras alertam que intervenções políticas excessivas podem comprometer a eficiência e a diversificação de longo prazo que sustentam os sistemas previdenciários.

Ainda assim, o movimento sinaliza uma mudança de paradigma global: à medida que o mundo enfrenta tensões geopolíticas e choques comerciais, até países tradicionalmente liberais, como Canadá e Reino Unido, passam a ver o investimento previdenciário doméstico como ferramenta de política industrial e segurança econômica.